[IHU]
24/9/2011
Friedrich Schorlemmer |
A reportagem
é de Rafael Poch, publicada no jornal La Vanguardia,
23-09-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O pastor Friedrich
Schorlemmer (Wittenberg, 1944) é um respeitado teólogo protestante
da Alemanha Oriental. Nos tempos da RDA, ele era pároco da igreja
do Castelo de Wittenberg, em cuja porta Martinho Lutero pregou as suas famosas 95
teses contra as indulgências (a compra do perdão dos pecados), no dia 31 outubro
de 1517, e onde o grande reformador alemão está enterrado.
Em 1983, no
mesmo pátio da casa em que Lutero viveu, Schorlemmer organizou
com um ferreiro a fundição pública de uma espada e sua conversão em arado, uma
alegoria bíblica do "converter espadas em arados", que era o símbolo
do movimento pacifista independente da RDA.
O ato não
havia sido autorizado, e o ferreiro acabou emigrando para a Alemanha
Ocidental. Membro da rede altermundista Attac e do Partido Social
Democrata, Schorlemmer disse que sua crítica ao papa "não tem
nada a ver com uma rejeição fundamental do catolicismo, mas sim com um desejo
de unidade na diversidade".
Eis a
entrevista.
Mais de 80%
dos alemães consideram "irrelevante" essa visita. Não é assombroso?
É a terceira
vez que ele vem. Ele já esteve duas vezes e não disse nada, e parece que agora
também não tem nada importante para dizer sobre a vida das pessoas. Ele
continuará proclamando verdades mortas. É possível que, desta vez, ele traga
algo mais na mala, mas o resultado de suas conversas com o secretário-geral do Conselho
Central Judeu na Alemanha e com os evangélicos não será
publicado, como se desse por óbvio que não irá acontecer nada. O que é isso? O
"ecumenismo da imobilidade"?
Nos 19 anos
que está em Roma, esse papa sempre se moveu para trás, nunca para
frente. Ele também teve uma posição restritiva sobre o domínio da Igreja de
Roma sobre outras Igrejas do mundo. Nisso, ele continua a política de João
Paulo II. O que mais me incomoda é que, tendo sido teólogo conciliar com Hans Küng, ele ignore os impulsos do
Concílio, por exemplo, o fato de que haja um diálogo sobre a busca da verdade
também com aqueles que chegaram a respostas diferentes.
Parece que o
fato de Ratzinger ser alemão aumenta o nível de exigência com relação ao papa.
Como esse fator nacional atua?
O jornal
(sensacionalista) Bild, cujo diretor é católico, sempre apoiou o papa.
Sua manchete, quando o nomearam, foi "Somo Papa", isto é, nós, os
alemães, somos papa. Eu não me sinto papa. Nós vivemos segundo o princípio da
igual dignidade de todas as pessoas; um sabe fazer o pão, outro é um bom
pintor, outro dirige um município ou é professor do jardim de infância, mas um
não vale mais do que outro. Essa igualdade contradiz a arrogância da Cúria.
Veja como eles tratam as mulheres: um mundo dominado por homens que julga sobre
a sexualidade humana. Por favor, se nem sequer sabem o que ela é! Se algo é
dito sobre essa matéria, é preciso pensar nas conseqüências. Por exemplo, no
caso da Aids. Não se pode dizer às pessoas: "Abstenham-se", ou
declarar que um homem tem que ter só uma mulher, e esta, só um homem. Na teoria
é assim, mas não na realidade. As pessoas que se querem não têm relações
sexuais só para ter filhos, mas a Cúria não sabe nada disso. Ela não deveria
falar sobre isso e muito menos impor.
O homem
livre é aquele que age conscientemente, e não por ter recebido ordens. Essa foi
a idéia da liberdade que Lutero impulsionou, e uma linha mestra na Igreja
Evangélica tem que continuar dizendo isso: a liberdade do cristão que tem
uma relação direta com Deus e não precisa da Igreja Romana como
intermediária. Precisamos, sim, dos outros fiéis, das nossas irmãs e irmãos,
por isso nos reunimos, falamos e lemos a Bíblia e a interpretamos, mas a Igreja
não é uma condição para sentir a proximidade de Deus na nossa vida. Não se
trata de aprender uma doutrina, mas sim de acreditar em Cristo. Não entendo por
que não encontramos a unidade na diversidade, por que é assim que funciona a
democracia.
Mas o que é
que tanta desagrada a opinião pública alemã com relação ao papa alemão? Por que
essa exigência tão grande?
Nós, os
alemães orientais, acabamos de deixar para trás uma organização que se
pretendia destinada a coisas superiores. Os comunistas diziam ter identificado
as leis da história, e o seu partido (comunista) era o executor. A Cúria
Romana, com o papa à frente, pensa que, com as suas grandes mitras, é a
dona da sabedoria cristã e que os outros têm de aceitar, mas também é preciso
dizer que há muitos cristãos que se sentem parte da Igreja Romana como Igreja
mundial e, ao mesmo tempo, se sentem pressionados por ela. Se o papa vem aqui,
ele deveria falar com aqueles que entendem que, em cada comunidade, há algumas
e alguns que vêem as coisas de forma diferente. Ele deveria falar com os
católicos críticos, que não são contra a Igreja, mas sim contra o seu
autoritarismo. As coisas mudam. Há muitas coisas que tinham uma grande importância
no século XVI e que hoje são irrelevantes.
Quais são as
diferenças de mentalidade entre católicos e protestantes alemães?
Os católicos
têm uma relação menos problemática com o poder e também menos problemas com a
moral. A duplicidade na política, por exemplo. Basta ver os presidentes da
(católica) Baviera. Na religião, os protestantes são mais modestos,
enquanto que o catolicismo é triunfalista. Nós somos mais fortes no racional;
eles, no sentido de mistério. Como disse (o teólogo protestante) Wolfgang
Weiss, "quero ir a uma Igreja em que eu não tenha que deixar a minha
racionalidade na entrada". Nós também acreditamos no mistério, mas não
como enigma. O mistério é o segredo da vida, que é outra coisa. A fé é uma
celebração dos mistérios da vida. Tanto os católicos quanto os protestantes
celebram os mistérios da vida, mas os católicos são mais espetaculares. Nós só
temos a música; eles, a vestimenta, as cerimônias, o incenso...
Desde 1945,
os protestantes são mais democratas de esquerda, enquanto os católicos são
democratas conservadores. Nos Estados Unidos, as igrejas luteranas não
são fundamentalistas, mas estão sendo ultrapassadas pelos integristas que se
dizem evangélicos. Na Europa, precisamos refletir sobre – e voltar às –
raízes da nossa cristandade. Assim, veremos que algumas coisas que tinham
grande importância dogmática já não a têm. Estamos esvaziando os mares com a
nossa sobrepesca. As mudanças climáticas nos levam à catástrofe e continuamos
sem proibir as bombas cluster ou as minas antipessoais, embora quase todos os
países aceitem a necessidade de proibi-las... Esses são os desafios que temos
pela frente. São questões que concernem a qualquer pessoa que se sinta
responsável pelo planeta e pelo seu futuro. A Igreja tem que enfrentá-los e não
se limitar a mensagens de Natal ou de Páscoa vazia, sem conteúdo,
que são pura cerimônia. Estamos fracassando nisso, porque não estamos à altura
dos desafios que temos.

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