18/12/2012
unisinos - Aquelas crianças mortas, as lágrimas dos seus pais e de todos os pais dos EUA são os sacrifícios humanos que a América deixa se impor pela religião do fuzil.
A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo da University of St. Thomas, em Minneapolis-St. Paul, nos EUA. O artigo foi publicado no jornal L'Unità, 16-12-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo da University of St. Thomas, em Minneapolis-St. Paul, nos EUA. O artigo foi publicado no jornal L'Unità, 16-12-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Ainda não se sabe se o massacre de Newtown irá mudar a atitude do norte-americano médio com relação às armas: os anteriores, principalmente a partir de Columbine High School, em 1999, não conseguiram.
Nos Estados Unidos,
contam-se mais de 15 mil mortes por armas de fogo a cada ano (os
números variam), e ele é um país desde sempre acostumado à violência. As
estatísticas dizem que, nos EUA, há menos violência do que nas décadas
anteriores, e que nos país circulam mais armas, mas essas mesmas armas
estão nas mãos de uma parte numericamente descendente de
norte-americanos: uma minoria, mas cada vez mais armada.
Também por esse motivo, o caso de Newtown não é uma exceção à regra, mas exatamente a regra de uma América em
que o fetiche pela arma (não só pistolas e fuzis, mas também,
recentemente, arcos e flechas supertecnológicos) tende a se ocultar em
camadas restritas da população.
Reduzir a gênese do atentado à
mentalidade perturbada do agressor equivaleria a ignorar um dos
elementos típicos do cenário moral norte-americano. No seu Democracia na América, Alexis de Tocqueville descrevera
a viagem à conquista do novo mundo como a aventura "into the wild" do
homem norte-americano armado com "uma Bíblia, um machado e um jornal".
Desde
então, o mundo norte-americano mudou muito, mas não se atenuou a
radical diferença com o mundo europeu quanto à percepção moral da
violência e da posse de armas. Mas, ao lado dessa diferença entre a
mentalidade norte-americana e a do resto do mundo sobre as armas nas
mãos da população civil, cresceu também a distância entre os dois
extremos da moral norte-americana, fruto da polarização cultural do
país: a pro-guns e anti-abortion de um lado, e a anti-guns e pro-abortion de outro.
De um lado, os liberais acreditam na necessidade de um maior controle sobre a circulação das armas no território dos EUA e
na total liberdade de escolha das mulheres acerca do aborto; de outro,
os ativistas antiabortistas estão entre os mais aficionados àquela
interpretação à segunda emenda da Constituição norte-americana que dá
aos cidadãos o direito de portar armas.
Mas a jurisprudência
constitucional sobre a segunda alteração é afetada por um
fundamentalismo jurídico que passou da Bíblia para a Constituição –
também graças aos juízes católicos da Suprema Corte, hoje nada menos do que seis dentre nove.
Esquece-se
de que aquela emenda pretendia dar aos cidadãos o direito de se armar
não para se defender do crime ou das violências domésticas, mas sim dos
abusos do governo em uma América desde sempre desconfiada do poder,
especialmente o do governo federal.
Os Estados Unidos da América são
um país excepcional com relação ao mundo inteiro quanto à intensidade
do sentimento religioso e quanto ao fascínio pela violência e pela
morte: as duas coisas estão ligadas. O apego à Bíblia e ao fuzil muitas vezes andam juntos: não é por acaso que o Moisés de Hollywood, Charlton Heston, tornou-se o mais famoso porta-voz da National Rifle Association,
o lobby capaz de fazer eleger deputados e senadores, e capaz de impedir
qualquer tentativa de aprovar leis sobre o controle das armas.
O presidente dos Estados Unidos,
sumo pontífice da religião norte-americana, tomado pela emoção, é a
imagem da impotência desse pontífice de ter razão não só do lobby da NRA,
mas também daquela grande fatia de norte-americanos que veem no direito
de portar armas a última linha de defesa simbólica contra o governo, a
política, os intelectuais, os gays, os meios de comunicação, o
cosmopolitismo.
Aquelas crianças mortas, as lágrimas dos seus pais e de todos os pais dos EUA são os sacrifícios humanos que a América deixa
se impor pela religião do fuzil. Até agora, as Igrejas norte-americanas
foram tímidas sobre a questão das armas, muito mais tímidas do que
sobre outras questões pro-life: é hora de que o controle das
armas comece a fazer parte da "cultura da vida" na América religiosa.
Até então, a religião das armas continuará ceifando vítimas.

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