avidasacerdotal
“O
êxito dos êxitos alcançado pelo comunismo pós-staliniano sorridente foi
o silêncio enigmático, desconcertante, espantoso e apocalipticamente
trágico do Concílio Vaticano II a respeito do comunismo”
José Antonio Ureta
O cinquentenário
da abertura do Concílio Vaticano II tem sido ocasião para a publicação
de diversos estudos históricos sobre aquele grande evento eclesial, um
dos maiores acontecimentos, se não o maior, do trágico século XX.
Um dos fatos
que tem chamado a atenção dos historiadores modernos é a ausência, nos
numerosos e longos documentos aprovados pelos padres conciliares, de
qualquer condenação do comunismo. Novas pesquisas históricas forneceram
elementos de análise que tornam ainda mais enigmático aquele silêncio.
De um lado, o jornalista e escritor francês Jean Madiran, num livro publicado em 2006 sob o título L’Accord de Metz ou pourquoi notre Mère fut muette (O
Acordo de Metz ou por que nossa Mãe permaneceu muda), forneceu mais
detalhes sobre um evento ainda não inteiramente esclarecido e que a
revista “Itinéraires”, dirigida por ele, começou a denunciar apenas seis
meses após sua realização. Trata-se do acordo concluído entre o cardeal
Eugène Tisserant, representando a Santa Sé, e o metropolita Nikodim,
então arcebispo cismático de Yaroslavl, como representante da Igreja
Ortodoxa Russa. As reuniões se realizaram em 18 de agosto de 1962 na
cidade francesa de Metz e resultaram na aceitação, por parte dos
ortodoxos russos, de enviar observadores ao Concílio Vaticano II, cuja
primeira sessão abrir-se-ia menos de dois meses mais tarde com garantias
a respeito da "atitude apolítica do Concílio".
Mais tarde
ficou documentado que o metropolita Nikodim era um espião pago pela KGB
para infiltrar o “Conselho Mundial de Igrejas”, do qual chegou a ser um
de seus presidentes (cfr. Gerhard Besier, Armin Boyens, Gerhard
Lindemann, Nationaler Protestantismus und Ökumenische Bewegung. Kirchliches Handeln im kalten Krieg (1945-1990), Duncker und Humblot, Berlino 1999).
União Soviética não admite críticas ao comunismo
Meses antes
do encontro de Metz, em novembro de 1961, por ocasião da admissão do
Patriarcado de Moscou no Conselho Ecumênico das Igrejas, numa reunião em
Nova Delhi, o metropolita Nikodim já havia antecipado que dito
Patriarcado poderia participar do Concílio "caso não houvesse declarações hostis a nossa amada pátria". E continuou: "O
Vaticano é por vezes agressivo, no plano político, em relação à URSS.
Nós, que somos cristãos, fiéis ortodoxos russos, somos cidadãos leais ao
nosso país e amamos profundamente nossa pátria. É por isso que qualquer
coisa dirigida contra nosso país não é de molde a contribuir para
melhorar as nossas relações".
A imprensa comunista foi a primeira a revelar o Acordo de Metz.
O semanário “France Nouvelle”, boletim central do Partido comunista
francês, escreveu em sua edição de 16-22 de janeiro de 1963: "Como o
sistema socialista mundial manifesta superioridade de modo
incontestável e goza da aprovação de centenas e centenas de milhares de
homens, a Igreja não pode satisfazer-se com um anticomunismo grosseiro.
Ela adotou o compromisso, por ocasião de suas negociações com a Igreja
Ortodoxa russa, de que no Concílio não haveria um ataque direto contra o
regime comunista".
Por sua vez,
duas semanas mais tarde, na sua edição de 16 de fevereiro de 1963, o
jornal católico “La Croix” publicou um artigo que informava o público do
acordo, e concluía dizendo que "em consequência desse encontro [com o Cardeal Tisserant], Mons
Nikodim aceitou que alguém fosse a Moscou para levar o convite, com a
condição de que sejam dadas garantias no que concerne à atitude
apolítica do Concílio".
Para
transmitir o convite oficial e dissipar inteiramente as preocupações do
Kremlin quanto à atitude do futuro Concílio em relação ao comunismo,
Mons. Johannes Willebrands, secretário do recém-criado Secretariado para a União dos Cristãos,
fez uma viagem secreta a Moscou, de 27 de setembro a 2 de outubro de
1962. Oito dias mais tarde o Santo Sínodo russo aceitou o convite de
enviar observadores ao Vaticano II.
Nos anexos
de seu livro, Jean Madiran fornece importantes documentos, em particular
uma carta que recebeu de Mons. Georges Roche, que foi secretário do
cardeal Tisserant durante 33 anos, na qual afirma: "Eu posso garantir [...] que
a decisão de convidar os observadores ortodoxos russos ao Concílio
Vaticano II foi tomada pessoalmente por Sua Santidade o Papa João XXIII
com os encorajamentos evidentes do cardeal Montini, que foi o
conselheiro do patriarca de Veneza [o cardeal Roncalli, futuro João XXIII] no período em que ele mesmo era arcebispo de Milão".
O Concílio Vaticano II – Uma história nunca escrita
As pesquisas
históricas também têm avançado em relação aos debates públicos e
tratativas de bastidores durante as quatro sessões do Vaticano II, que
conduziram à versão definitiva dos documentos conciliares.
Dentre as obras recentes destaca-se O Concílio Vaticano II – Uma história nunca escrita, de autoria do Prof. Roberto de Mattei, galardoada com o mais prestigioso prêmio para livros históricos, o Acqui Storia 2011.
Ao fazer o balanço do Concílio, a obra concede especial destaque à
abordagem feita pelos padres conciliares sobre a questão do comunismo.
O autor
revela que, já na fase preparatória do Concílio e atendendo ao pedido da
Santa Sé aos bispos do mundo inteiro de formular proposições, nada
menos que 378 bispos declararam que o erro mais grave que a assembleia
conciliar deveria condenar era o ateísmo, com menção especial do
comunismo. Curiosamente, porém, logo na primeira manifestação pública da
assembleia conciliar, numa "Mensagem ao Mundo", redigida apenas uma
semana após o início das atividades, os padres conciliares aprovaram por
votação de mãos levantadas um texto em relação ao qual 15 bispos
católicos de rito oriental se recusaram a associar porque dita mensagem
não dizia uma só palavra a respeito da situação dramática imposta pelo
comunismo à Igreja nos países do Leste. Deploravam também que, enquanto o
arcebispo-mor dos Ucranianos católicos, o metropolita Josef Slipyi,
encontrava-se deportado na Sibéria por mais de 17 anos, participavam
como observadores dos debates conciliares dois representantes do
patriarcado de Moscou, definidos como "instrumentos dóceis e úteis nas mãos do governo soviético”.
"Moscou exigiu e Roma aceitou"
No decurso dessa primeira sessão do Concílio, o cardeal Tisserant, que presidia a subcomissão mista responsável do esquema De cura animarum (do cuidado pastoral das almas), insistiu para que fosse retirada do projeto a palavra communismus.
Ainda
durante a primeira sessão, no dia 2 de novembro de 1962, o cardeal
Tisserant teve um encontro com o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, no
qual lhe confiou que participara de negociações com os cismáticos
russos: "Moscou exigiu que não se falasse contra o comunismo no Concílio, e Roma aceitou", disse-lhe, acrescentando achar "possível
falar contra o materialismo e o ateísmo sem mencionar o comunismo;
dessa maneira, o Concílio, que trata só de religião, poderia desenvolver
perfeitamente sua missão". E concluiu dizendo: "Quem poderia falar contra o fato de se pegar o dinheiro dos ricos para dá-lo aos pobres?".
No decurso
da segunda sessão do Vaticano II, duas iniciativas oriundas do Brasil
fizeram com que se levantasse, pela primeira vez de modo global, a
questão do comunismo.
De um lado,
Plinio Corrêa de Oliveira publicou num quotidiano romano – além de
distribuir a 2.200 padres conciliares e 450 jornalistas – sua recente
obra A Liberdade da Igreja no Estado Comunista, na qual demonstra a impossibilidade teológica e pastoral de um modus vivendi com
o comunismo que implicasse na renúncia de defender os direitos naturais
da pessoa humana, entre os quais o de propriedade privada.
Paralelamente,
o arcebispo de Diamantina, Dom Geraldo de Proença Sigaud, e o bispo de
Campos, Dom Antonio de Castro Mayer, promoveram um apelo assinado por
218 padres conciliares solicitando ao Papa Paulo VI a elaboração de um
esquema de constituição conciliar no qual:
"1. Se
exponha com grande clareza a doutrina social católica e se denunciem os
erros do marxismo, do socialismo e do comunismo, do ponto de vista
filosófico, sociológico e econômico.
"2.
Sejam refutados aqueles erros e aquela mentalidade que preparam o
espírito dos católicos para a aceitação do socialismo e do comunismo e
os tornam propensos a eles".
A Secretaria
de Estado enviou a petição a Mons. Felici, secretário do Concílio, para
que a fizesse chegar à Comissão Mista encarregada da redação do esquema
sobre a Igreja no mundo contemporâneo, o assim chamado Esquema XIII que
desembocou na constituição pastoral Gaudium et Spes.
“Medo de condenar o maior delito de nossa época"
Porém, para
surpresa geral, ao chegar à Assembleia Conciliar, durante a terceira
sessão, o esquema omitia qualquer referência ao comunismo, o que
provocou não poucas reações na aula. Por exemplo, Dom Yu Pin, arcebispo
exilado de Nankin, na China, disse que "o esquema insiste muito
sobre os sinais dos tempos, mas parece ignorar que o comunismo e o
ateísmo marxista constituem o maior e mais triste sinal característico
de nossos tempos”. E Dom Barbieri, bispo de Cassano Ionio, na Itália, declarou que "seria um escândalo para muitos fiéis se o Concílio desse a impressão de ter medo de condenar o maior delito de nossa época".
Por sua vez, Dom Luigi Maria Carli, bispo de Segni, afirmou numa intervenção escrita: "Surpreende
o silêncio do esquema a respeito de um fenômeno que existe no mundo
atual [...] um fenômeno que deveria provocar a dor e o pranto do
Concílio, não menos que a fome e a explosão demográfica, já que tem
golpeado e golpeia com dores e lutas milhões de homens. O fenômeno do
marxismo, intrinsecamente perverso [...]. A Igreja Católica,
que tem diante dos olhos esse fenômeno, que o sente e o sofre ao vivo na
própria carne, não pode, não deve calar ou falar apenas de modo
eufemístico a respeito dele! [...] Veneráveis irmãos, tenho
aqui expresso abertamente meu pensamento sobre este tema. Ao fazê-lo,
parece-me ter sido quase o executor testamentário de nosso pranteado
colega, o arcebispo Józef Gawlina, o qual, várias vezes antes de sua
imprevista morte, em virtude do conhecimento e da viva experiência que
tinha a respeito [era ele, de fato, exilado da Polônia e Ordinário dos poloneses no exílio], havia
lamentado comigo o surpreendente silêncio dos esquemas conciliares a
respeito de um problema doutrinário e pastoral de um tão grande peso".
"Com justiça, a História nos acusará de pusilanimidade”
Mas foi na
IV e última sessão do Concílio Vaticano II que a questão da condenação
do comunismo foi objeto de misteriosas manobras. A redação da parte do
Esquema XIII, relativa ao ateísmo, havia sido confiada ao salesiano
Giuliu Girardi, que mais tarde abandonaria o sacerdócio e se
transformaria num destacado teorizador e protagonista da Teologia da Libertação.
No dia 16 de
fevereiro de 1965, o coordenador da redação, Mons. Pierre Haubtmann,
teve uma entrevista com Paulo VI, ocasião em que lhe apresentou a linha
"aberta" e "dialogante" do projeto, o qual evitava condenar o comunismo.
O Sumo Pontífice o encorajou a prosseguir nessa linha, dizendo: "Sim, é ao mesmo tempo delicado e indispensável".
De fato, o
novo texto, submetido entre setembro e outubro de 1965 à discussão na
aula conciliar, não fazia nenhuma referência explícita ao comunismo.
Quando tal omissão foi revelada nos debates, o cardeal da Iugoslávia,
Franjo Seper, mostrou-se contrário a uma condenação, declarando que
parte da responsabilidade do ateísmo moderno devia ser atribuída aos
cristãos, que continuavam a defender com pertinácia a ordem social
ocidental. O cardeal Koenig, de Viena, chegou a convidar os católicos
submetidos ao regime comunista a darem testemunha ao Deus vivo,
colaborando sinceramente com o progresso econômico e social do regime
comunista, para se demonstrar assim que podem surgir da religião
energias de transformação social ainda maiores que as do ateísmo...
Porém, foram
numerosas as vozes contrárias, entre as quais a do jesuíta eslovaco
Pavel Hnilica, bispo exilado titular de Rusadus, que enfatizou: "Com justiça, a História nos acusará de pusilanimidade e de cegueira por este silêncio". Dom Rusnack, bispo auxiliar de Toronto para os ucranianos do Canadá, rematou: "Seria
um escândalo e um ato de pusilanimidade se um Concílio do século XX
negligenciasse de denunciar à opinião pública os erros e as mentiras do
comunismo". "Cada vez que se tem reunido um Concílio Ecumênico — afirmou por sua vez o cardeal Antonio Bacci — ele
sempre tem resolvido os grandes problemas que se agitavam naquele tempo
e condenado os erros de então. Creio que calar sobre este ponto [a condenação do comunismo] seria uma lacuna imperdoável, melhor dito um pecado coletivo".
“Renúncia de tudo quanto os últimos Pontífices escreveram”
No dia 7 de
outubro (aniversário da Batalha de Lepanto e festa de Nossa Senhora do
Rosário) foi encerrada a discussão sobre o esquema de constituição Gaudium et spes.
No dia 8, o secretário do Concílio, Mons Felici, comunicou que os
padres conciliares podiam apresentar observações por escrito até o dia
seguinte. Reunidos no Coetus Internationalis Patrum, os bispos conservadores prepararam uma petição na qual requeriam que, após a parte que tratava do ateísmo, "fosse acrescentado um novo e adequado parágrafo tratando expressamente do problema do comunismo".
De fato, dizia o parágrafo proposto pelos signatários, "da
negação da existência de Deus e de toda ordem religiosa, sobretudo
sobrenatural, por lógica necessidade comprovada pela História, o
comunismo é levado a abalar de muitos modos os próprios fundamentos da
ordem natural. E, em realidade, para restringir-se apenas ao mais
importante, ele nega a espiritualidade e a imortalidade da alma humana;
rejeita a verdadeira liberdade, especialmente em matéria religiosa;
viola em muitos pontos a genuína dignidade da pessoa, da família e da
união conjugal; não reconhece nenhuma norma estável e imutável da lei
moral e do direito mas, para ele, justo e moral é apenas tudo aquilo que
é útil à ditadura do próprio partido (cfr. A intervenção do cardeal
Wyszynski de 20-9-1965); não admite o direito de propriedade privada;
considera a luta entre as classes sociais como um meio necessário para a
obtenção dos bens terrenos; tem do Estado uma concepção tão totalitária
que quase nenhum lugar digno é reconhecido aos indivíduos particulares
ou às sociedades intermediárias [...]. Por todas estas razões o comunismo deve ser rejeitado".
Ao justificar a proposta, o documento afirmava que "se
o Concílio calasse sobre o comunismo, dito silêncio, na mente dos
fiéis, equivaleria — por uma consequência injusta, sim, mas fatal — a
uma tácita renúncia de tudo quanto os últimos Pontífices disseram e
escreveram contra o comunismo, assim como a respeito das condenações
promulgadas pelo Santo Ofício. O dano psicológico que dai surgiria,
assim como o desprezo pelo Magistério da Igreja, seria de imensa
gravidade".
E os padres conciliares advertiam: "Assim
como alguns acusam, de modo certamente equivocado, Pio XII de venerável
memória de ter feito silêncio face às vítimas do nazismo, assim também,
depois do Concílio, a justo título acusar-se-ia o Colégio Episcopal de
silêncio diante das vítimas do comunismo".
"A gravíssima culpa de Mons. Glorieux é evidente"
Os bispos
Dom Geraldo de Proença Sigaud e Dom Marcel Lefebvre entregaram, ao meio
dia de 9 de outubro de 1965, a emenda ao esquema da Gaudium et Spes,
com a assinatura inicial de 334 padres Conciliares. Mais 71 assinaturas
foram apresentadas alguns dias depois. Juntando-se a estas mais 30
assinaturas que não haviam sido entregues por terem sido recebidas fora
do prazo, chega-se ao impressionante total de 435 padres conciliares de
86 países, certamente uma das petições mais representativas de todo o
Concílio.
A petição
chegou às mãos do secretário da Comissão Mista, Mons. Achille Glorieux,
no dia 11 de outubro. Ele, porém, não a transmitiu às comissões que
estavam trabalhando na redação final do esquema, sob pretexto de não
dificultar os trabalhos... "A gravíssima culpa de Mons. Glorieux é evidente", comenta o historiador Roberto de Mattei; "não
se pode admitir sua boa fé, mas é lícito até supor o dolo. Como
imaginar, além do mais, que ele tenha tomado a decisão de esconder a
petição sem consultar alguém? Quem? Parece estar excluído que se trate
de Mons. Felici, secretário do Concílio. Mas lógico é imaginar que se
tratasse do cardeal Tisserant".
O não
envolvimento de Mons. Felici nessa trama resulta do fato de que, nesse
mesmo dia 11 de outubro, Dom Carli dirigiu à Presidência do Concílio uma
carta denunciando o caráter arbitrário da Comissão Mista que havia
ignorado um documento de tamanha importância. Mons. Glorieux defendeu-se
afirmando falsamente que a petição tinha chegado fora do tempo, mas foi
desmentido pelo próprio Mons. Felici.
Na
Congregação Geral de 15 de novembro, o relator do esquema, o futuro
cardeal francês Gabriel-Marie Garrone, não só não comunicou aos bispos
presentes a existência dessa emenda e declarou que o modo de proceder da
Comissão, omitindo a condenação do comunismo, concordava com a
finalidade pastoral do Concílio e com a "vontade expressa" de João XXIII e Paulo VI.
Não falar do comunismo — 1965
Dom Luigi
Maria Carli apresentou, então, um recurso regulamentar (posto que o
regulamento estabelecia que todas as emendas, inclusive as rejeitadas
pela Comissão, deviam ser comunicadas aos padres conciliares) e informou
dessa anomalia à imprensa. Nesse mesmo dia, Mons. Felici enviou uma
nota ao Papa a respeito do recurso regulamentar de Dom Carli. Na tarde
desse mesmo dia 15 de novembro, Paulo VI fez transmitir a Mons. Felici a
seguinte nota, descoberta pelo Prof. de Mattei nos arquivos do
Vaticano:
"15-XI-65
"Conserva-se ou retira-se o recurso?
"1) Foi ilegal a conduta da Comissão Mista?
"2)
Depois da intervenção ‘iuxta modum’ a tese dos recorrentes seria levada
ao conhecimento dos padres com as relativas observações.
"A) É prudente?
"se rejeitado [o recurso pedindo a condenação do comunismo]: o Concílio parece ter rejeitado a condenação do comunismo já condenado
"se aprova: qual a sorte dos católicos nos Países comunistas?
"B) É coerente com os compromissos do Concílio?
"— de não entrar em temas ‘políticos’
"— de não pronunciar anátemas
"— de não falar do comunismo (1965)".
A última frase e a data 1965 devem ser destacadas, porque parecem uma referência ao Acordo de Metz.
O escândalo do desaparecimento definitivo das propostas
Na manhã
seguinte, de acordo com as instruções recebidas, Mons. Felici teve um
novo encontro com Dom Carli, confirmando que a emenda tinha sido
apresentada de modo regulamentar e que a Comissão deveria tê-la tomado
em conta. Numa nota posterior datada de 20 de novembro, Mons. Felici
repetiu ao Papa que o recurso de Dom Carli era perfeitamente legal.
No dia 23,
uma agência de notícias próxima dos prelados conservadores difundiu um
longo comunicado sobre o escândalo do desaparecimento das propostas de
nada menos que 435 padres conciliares. Paulo VI convocou então, no dia
26 de novembro, uma reunião restrita na sua sala de trabalho do terceiro
andar do Palácio Apostólico, da qual participaram os cardeais Tisserant
e Cicognani, e os monsenhores Dell’Acqua, subsecretário de Estado,
Felici, secretário do Concílio, e Garrone, relator do esquema.
Antes da reunião, o cardeal Tisserant tinha entregado ao Papa uma carta, na qual afirmava, entre outras coisas:
"Os
anátemas jamais converteram ninguém e se foram úteis no tempo do
Concílio de Trento, quando os príncipes podiam obrigar seus súditos a
passar ao protestantismo, não servem mais no dia de hoje em que cada um
tem o senso da própria independência. Como já disse a Sua Santidade, uma
condenação conciliar do comunismo seria considerada pela maioria como
uma tomada de posição de caráter político, o que acarretaria um dano
imenso à autoridade do Concílio e da própria Igreja”.
A reunião foi presidida pelo Papa, que depois de ler a carta do cardeal Tisserant, expôs o status questionis tanto
regulamentar quanto de fundo. No tocante ao primeiro aspecto, o cardeal
Tisserant deu a incrível justificativa de não ter convocado o Conselho
da Presidência para analisar o recurso de Dom Carli porque o cardeal
Wyszynski, membro do Conselho, estava muito firme na sua ideia contra o
comunismo. No mérito, todos os presentes concordaram com a posição
expressa pelo cardeal Tisserant e pelo próprio Paulo VI na sua nota a
Mons. Felici, segundo a qual não era oportuno que o Concílio renovasse
expressamente a condenação do comunismo.
Em carta dirigida a Mons. Glorieux, datada de 4 de dezembro de 1965, o cardeal Tisserant dizia, não sem um certo cinismo: "A
sua responsabilidade não será caricaturizada além da medida pelos
historiadores do Concílio. Aqueles que têm estado ao corrente [do assunto] perdoam o seu esquecimento".

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