Junto do tema da Igreja, outro tema sobre o qual se nota um
progresso na passagem dos Padres gregos aos latinos é aquele dos sacramentos.
Nos primeiros tinha faltado uma reflexão sobre os sacramentos em si, ou seja,
sobre a ideia de sacramento, embora tendo tratado de forma excelente de cada
mistério: batismo, unção, eucaristia[1].
O iniciador da teologia sacramental – daquilo que, a partir
do século XII, será o De sacramentis” – é ainda mais uma vez Agostinho. Santo
Ambrósio com as suas duas séries de discursos Sobre os sacramentos” e “Sobre os
mistérios”, antecipa o nome do tratado, mas não o seu conteúdo. Também ele, de
fato, se ocupa de cada sacramento e não ainda dos princípios comuns a todos os
sacramentos: ministro, matéria, forma, modo de produzir a graça…
Então, por que escolher Ambrósio como mestre de fé de um
tema sacramental como é aquele da Eucaristia sobre o qual queremos hoje
meditar? A razão é que Ambrósio é aquele que mais do que qualquer outro tem
contribuído para o fortalecimento da fé na presença real de Cristo na
Eucaristia e lançou as bases para a futura doutrina da transubstanciação. No De
sacramentis escreve:
“Este pão é pão antes das palavras sacramentais; quando
acontece a consagração, de pão torna-se carne de Cristo [...] Com quais
palavras se realiza a consagração e de quem são essas palavras? [...] Quando se
realiza o venerável sacramento, já não é mais o sacerdote que usa as suas palavras,
mas usa as palavras de Cristo. É, portanto, a palavra de Cristo que realiza
este sacramento”[2].
No outro escrito, Sobre os mistérios, o realismo eucarístico
é ainda mais explícito. Diz:
A palavra de Cristo que pôde criar do nada o que não
existia, não pode transformar em algo diferente aquilo que existe? De fato, não
é algo menor dar às coisas uma natureza totalmente nova do que mudar aquela que
já tem [...]. Este corpo que produzimos (conficimus) sobre o altar é o corpo
nascido da Virgem. [...] Com certeza é a verdadeira carne de Cristo que foi
crucificada, que foi sepultada; é, portanto, realmente o sacramento da sua
carne [...]. O próprio Senhor Jesus proclama: ‘Este é o meu corpo’. Antes da
bênção das palavras celestes usa-se o nome de outro objeto, depois da
consagração significa corpo”[3].
Sobre este ponto a autoridade de Ambrósio, no
desenvolvimento posterior da doutrina eucarística, prevaleceu sobre aquela de
Agostinho. Este certamente acredita na realidade da presença de Cristo na
Eucaristia, mas, como vimos na meditação passada, acentua ainda mais fortemente
o seu significado simbólico e eclesial. Alguns dos seus discípulos chegarão a
afirmar não só que a Eucaristia faz a Igreja, mas que a Eucaristia é a Igreja:
“Comer o corpo de Cristo, não é nada mais do que tornar-se o corpo de
Cristo”[4]. A reação à heresia de Berengário de Tours que reduzia a presença de
Jesus na Eucaristia a uma presença só dinâmica e simbólica, provocou uma reação
unânime na qual as palavras de Ambrósio tiveram um papel importante. Ele é a
primeira autoridade que Santo Tomás de Aquino cita na sua Somma em favor da
tese da presença real[5].
A expressão “corpo místico” de Cristo, que até agora tinha
servido para designar a Eucaristia, passou aos poucos a indicar a Igreja, enquanto
que a expressão “verdadeiro corpo” normalmente foi reservada somente à
Eucaristia[6]”. Esta particular inversão marca, de certa forma, o triunfo da
herança de Ambrósio sobre aquela de Agostinho. Expressões como aquelas do hino
Ave verum, onde o corpo eucarístico de Cristo é saudado como “o verdadeiro
corpo, nascido da Virgem Maria, que foi imolado na cruz e de cujo lado jorraram
água e sangue”, parecem tiradas quase totalmente das palavras mencionadas acima
por Ambrósio.
Podemos resumir dessa forma a diferença entre as duas
perspectivas. Dos três corpos de Cristo – o corpo verdadeiro ou histórico de
Jesus nascido de Maria, o corpo eucarístico e o corpo eclesial – Agostinho une
estreitamente o segundo e o terceiro, o corpo eucarístico e aquele da Igreja,
diferenciando-os do corpo real e histórico de Jesus; Ambrósio une, de fato identifica,
o primeiro com o segundo, ou seja, o corpo histórico de Cristo e aquele
eucarístico, distinguindo-os do terceiro, ou seja, do corpo eclesial.
Neste sentido, se poderia ir muito além, caindo em um
realismo exagerado, quase que – como dizia uma fórmula contrária à heresia de
Berengário – o corpo e o sangue de Cristo estivessem presentes no altar
“sensivelmente e fossem, na verdade, tocados e partidos pelas mãos do sacerdote
e mastigados pelos dentes dos fieis[7]”. Mas o remédio de tal perigo estava na
mesma noção de sacramento já claro na teologia. Que a Eucaristia não é uma
presença física, mas sacramental, mediada por sinais que são, de fato, o pão e
o vinho.
2. A Eucaristia e a Beraka judaica
Se existe um limite na visão de Ambrósio, esse é a ausência
de qualquer referência à ação do Espírito Santo na produção do corpo de Cristo
sobre o altar. Toda a eficácia reside nas palavras da consagração. Elas são
para ele palavras criativas, ou seja, palavras que não se limitam a afirmar uma
realidade existente, mas produzem a realidade que significam, como a frase
“fiat lux” da criação. Isso influenciou na pouca importância que teve na
liturgia latina a epiclese do Espírito Santo, que desempenha, pelo contrário,
nas liturgias orientais um papel essencial como aquele das palavras da
consagração.
As novas Orações Eucarísticas fizeram explícito, sobre esse
ponto, o que no Cânone romano somente era mencionado implicitamente. A frase:
“Santifica, oh Deus, esta oferta com a potência da tua benção”, equivale na
verdade a dizer: “Santifica, Oh Deus, esta oferta com a potência do teu Santo
Espírito”, e talvez teria sido melhor, no momento de traduzir o Cânone romano
nas línguas modernas, explicitar neste sentido o significado da frase, de modo
que nem sequer esta venerável oração eucarística ficasse sem uma verdadeira
epiclese ao Espírito Santo.
Mas há uma lacuna maior, da qual se começa a dar-se conta, e
que não diz respeito só a Ambrósio e nem sequer somente aos Padres latinos, mas
à explicação do mistério eucarístico no seu todo. Mais do que nunca, vemos aqui
como o estudo dos Padres não só nos ajuda a recuperar tesouros antigos, mas
também a abrir-nos ao novo que emerge na história; a imitá-los não só no
conteúdo, mas também no método que era o de colocar a serviço da palavra de
Deus todos os recursos e os conhecimentos disponíveis no seu contexto cultural.
O novo recurso que temos hoje para compreender a Eucaristia
é a aproximação entre cristãos e judeus. Desde os primeiros dias da Igreja,
vários fatores históricos levaram a acentuar a diferença entre o cristianismo e
o judaísmo, até contrapô-los entre si, como faz já Ignácio de Antioquia[8].
Destacar-se dos hebreus – na data da Páscoa, nos dias de jejum, e em tantas
outras coisas – se torna uma espécie de palavra de ordem. Uma acusação
frequentemente direcionada aos próprios adversários e aos hereges é aquela de
“judaizar”.
A respeito da Eucaristia, o novo clima de diálogo com o
judaísmo tornou possível uma melhor compreensão da sua matriz hebraica. Como
não é possível entender a Páscoa cristã, a menos que seja considerada como o
cumprimento do que a Páscoa hebraica prenunciava, assim não é possível
compreender completamente a Eucaristia se ela não é vista como o cumprimento do
que os hebreus faziam e diziam ao longo da sua refeição ritual. O próprio nome
Eucaristia não é nada mais do que a tradução de Beraka, a oração de bênção e
agradecimento feita durante esta refeição. Um primeiro resultado importante
dessa mudança foi que hoje nenhum estudioso sério avança mais na hipótese de
que a Eucaristia cristã seja explicada à luz da ceia em voga em alguns cultos mistéricos
do helenismo, como se tem tentado fazer por mais de um século.
Os Padres da Igreja conservam as Escrituras do povo
hebraico, mas não a sua liturgia, à qual não podiam mais participar, depois da
separação da Igreja da Sinagoga. Assim, para a Eucaristia utilizaram as figuras
contidas nas Escrituras – o cordeiro pascal, o sacrifício de Isaac, o de
Melquisedec, o maná -, mas não o concreto contexto litúrgico no qual o povo
hebraico celebrava todas estas memórias que era a refeição espiritual celebrada,
uma vez por ano, na ceia pascal (o Seder) e semanalmente no culto da sinagoga.
O primeiro nome pelo qual a Eucaristia foi designada por Paulo no Novo
Testamento é o de “refeição do Senhor” (kuriakon deipnon) (1 Cor 11, 20), com
evidente referência à refeição hebraica pela qual se diferencia já pela fé em
Jesus.
É a perspectiva em que se coloca também Bento XVI no
capítulo dedicado à Instituição da Eucaristia no seu segundo volume sobre Jesus
de Nazaré. Seguindo a opinião agora predominante dos estudiosos, ele aceita a
cronologia joanina segundo a qual a ceia de Jesus não foi uma ceia pascal, mas
foi uma solene refeição de adeus; com Lous Bouyer, também Bento XVI acredita
que seja possível “traçar o desenvolvimento da eucharistia cristã, isto é, do
cânone, da beraka hebraica[9]”.
Por várias razões culturais e históricas, a partir da
Escolástica, tentou-se explicar a Eucaristia à luz da filosofia, especialmente
das noções aristotélicas de substância e acidente. Também isso era um colocar a
serviço da fé os conhecimentos novos do momento e, portanto, um imitar o método
dos Padres. Nos nossos dias, temos que fazer o mesmo com os novos conhecimentos
de ordem, desta vez, históricas e litúrgicas mais do que filosóficas.
Com base nos estudos já realizados nessa direção,
especialmente o de L. Bouyer[10], gostaria de mostrar a luz intensa que recai
sobre a Eucaristia cristã quando colocamos as narrações evangélicas da
instituição sobre o fundo do que sabemos da refeição espiritual hebraica. A
novidade do gesto de Jesus não será diminuída, mas exaltada ao máximo.
Um texto que mostra os laços estreitos entre a liturgia
judaica e a ceia cristã é a Didaqué. Este texto não é nada mais do que uma
coleção de orações da sinagoga, com o acréscimo, aqui e ali, das palavras “pelo
teu servo Jesus Cristo”; o resto é idêntico à liturgia da sinagoga. O rito
sinagogal era composto por uma série de orações chamadas “berakah” que em grego
é traduzido por “Eucaristia”. A beraka resume a espiritualidade da antiga
Aliança e é a resposta de benção e de ação de graças que Israel dá à palavra de
amor dirigida-lhe pelo seu Deus.
O rito seguido por Jesus ao instituir a Eucaristia
acompanhava todas as refeições dos Hebreus, mas assumia uma particular
importância nas refeições em família ou em comunidade no sábado e nos dias
festivos. No início da refeição, cada um por sua vez tomava pela mão uma taça
de vinho e, antes de leva-la aos lábios, repetia uma benção que a liturgia
atual nos faz repetir quase literalmente no momento do ofertório: “Bendito
sejas, Senhor nosso Deus, Rei dos séculos, que nos destes este fruto da
videira”. É o primeiro cálice de vinho.
Mas a refeição começava oficialmente só quando o pai de
família ou o chefe da comunidade tinha partido o pão que tinha que ser
distribuído entre os convidados. E, de fato, Jesus, logo após a frase, toma o
pão, recita a benção, parte-o e o distribui dizendo: “Este é o meu corpo…” E
aqui o rito, que era somente uma preparação, se torna realidade. Depois da
benção do pão, que era considerada como uma benção geral por todo o alimento,
serviam-se os pratos de costume.
Se os precedentes da Eucaristia se encontram na refeição
ritual dos Judeus, então não tem mais significado especial saber se a festa da
Páscoa coincidia com a Quinta-feira Santa ou com a Sexta-feira Santa. Jesus não
associou a Eucaristia com nada particular próprio do alimento da Páscoa
(deixando de lado a incompatibilidade da data, não há qualquer referência ao
consumo do cordeiro e das ervas amargas), mas apenas com aqueles elementos que
fazem parte do rito de cada dia: ou seja, a fração do pão no começo e com a
grande oração de ação de graças no final. O caráter pascal da última ceia é
inegável, mas é independente destas discussões e se explica com o nexo que
Jesus coloca entre a Eucaristia (“o meu sangue derramado por vós”) e a sua
morte de cruz. É ali que se realiza, de acordo com João, a figura do cordeiro
pascal ao qual “não se quebra nenhum osso” (Jo 19,36).
Mas voltando ao ritual hebraico. Quando o jantar está
acabando e as iguarias foram consumidas, os comensais estão prontos para o
grande ato ritual que conclui a celebração e dá o significado mais profundo.
Todos lavam as mãos, como no começo. Estava prescrito que o presidente
recebesse a água do mais jovem dos presentes e talvez João a tenha dado a
Jesus. Mas, o Mestre, em vez de deixar-se servir, dá uma lição de humildade,
lavando os seus pés. Terminado isso, tendo diante de si uma taça convida a
fazer as três orações de agradecimento: a primeira por Deus criador, a segunda
pela libertação do Egito, a terceira para que continue no presente a sua obra.
Concluída a oração, a taça passava de mão em mão e cada um bebia. Eis o rito
antigo, realizado tantas vezes por Jesus em vida.
Lucas diz que depois de ter ceado Jesus tomou o cálice
dizendo: “Este cálice é a nova aliança no meu Sangue que é derramado por vós”.
Algo decisivo acontece quando Jesus acrescenta a estas palavras a fórmula das
orações de agradecimento, ou seja, a beraka hebraica. Aquele rito era um
banquete sacro no qual se celebrava e se agradecia um Deus salvador, que tinha
redimido o seu povo para estreitar com ele uma aliança de amor, concluída no
sangue de um cordeiro. O alimento cotidiano abençoava a Deus por aquela
Aliança, mas agora, do momento em que Jesus decide dar a vida pelos seus como o
verdadeiro cordeiro, ele declarou concluída aquela antiga Aliança que todos
juntos estavam celebrando liturgicamente.
Naquele momento, com poucas e simples palavras, ele abre,
oferece e estreita com os seus a nova e eterna Aliança no seu Sangue. Quando
Jesus passa aquele cálice é como se dissesse: “Até agora, todas as vezes que
tivestes celebrado esta refeição ritual tivestes comemorado o amor de Deus
Salvador que vos redimiu do Egito. A partir de agora, toda vez que repetirdes o
que fizemos hoje, o fareis não mais em comemoração de uma salvação da
escravidão material no sangue de um animal; o fareis em memória de mim, filho
de Deus que dá o seu Sangue para redimir-vos dos vossos pecados. Até aqui tivestes
comido alimento normal para celebrar uma libertação material; agora comereis a
mim, alimento divino sacrificado por vós, para fazer-vos uma só coisa comigo. E
me comereis e bebereis o meu Sangue, no mesmo ato em que eu me sacrifico por
vós. Esta é a nova e eterna Aliança no meu amor”.
Acrescentando as palavras “fazei isto em memória de mim”,
Jesus dá um alcance ilimitado ao seu dom. Do passado, o olhar se projeta ao
futuro. Tudo o que ele fez até agora na ceia é colocado nas nossas mãos.
Repetindo o que ele fez, se renova aquele ato central da história humana que é
a sua morte pelo mundo. A figura do cordeiro pascal que sobre a cruz se torna
evento, na ceia nos é dado como sacramento, ou seja, como memorial perene do
evento. O evento acontece apenas uma vez (semel). (Hb 10,12), o sacramento,
sempre que o quisermos (quotiescumque) (1 Cor 11,26).
A ideia do “memorial” que Jesus retoma do ritual hebraico do
sábado e dos dias festivos, referida em Êxodos 12, 14 contém a própria essência
da Missa, a sua teologia, o seu significado íntimo para a salvação. O memorial
bíblico é muito mais do que uma simples comemoração, do que uma simples
lembrança subjetiva do passado. Graças a ele, intervém, fora da mente do
orante, uma realidade que tem uma existência própria, que não pertence ao
passado, mas existe e obra no presente e continuará a obrar no futuro. O
memorial que até agora era o compromisso da fidelidade de Deus a Israel, agora
é o corpo partido e o sangue derramado do Filho de Deus; é o sacrifício do
Calvário “representado” (ou seja, tornado novamente presente) para sempre e
para todos.
Aqui descobre-se o significado e a preciosidade da
insistência de Ambrósio e, atrás dele, de forma mais evoluída, dos teólogos
escolásticos e do concílio de Trento, sobre a presença “verdadeira, real e
substancial de Cristo” na Eucaristia[11]. Só assim, de fato, é possível manter
no “memorial” instituído por Jesus o seu caráter objetivo de dom absoluto, sem
condições, independente de tudo, até mesmo da fé de quem o recebe.
4. A nossa assinatura no dom
Qual é o nosso lugar no drama humano-divino que temos
lembrado? A nossa reflexão sobre a Eucaristia deve levar-nos a descobrir
justamente isso. É para nós, de fato, para envolver-nos na sua ação, que Jesus
fez do seu dom um “sacramento”.
Na Eucaristia acontecem dois milagres: um é aquele que faz
do pão e do vinho o corpo e o sangue de Cristo, o outro é aquele que faz de nós
“um sacrifício vivo agradável a Deus”, que nos une ao sacrifício de Cristo,
como autor, e não apenas como espectadores. No ofertório oferecemos o pão e o
vinho que para Deus não tinham, é claro, nem valor nem significado por si
mesmos. Agora, na consagração, é Cristo que coloca aquele valor que eu não
posso colocar na minha oferta. Neste momento pão e vinho se tornam Corpo e
Sangue de Cristo que se entrega à morte em um supremo ato de amor ao Pai.
Eis então o que aconteceu: o meu pobre dom privado de valor
tornou-se o dom perfeito para o Pai. Jesus não dá somente a si mesmo no pão e
no vinho, também nos pega e nos transforma (misticamente, não realmente) em si
mesmo, também nos dá o valor que tem o seu dom de amor ao Pai. Naquele pão e
naquele vinho estamos também nós; “Naquilo que oferece, a Igreja oferece a si
mesma”, escreve Agostinho[12].
Gostaria de resumir, com a ajuda de exemplo humano, o que
acontece na celebração eucarística. Pensemos em uma grande família em que há um
filho, o primogênito, que admira e ama desmedidamente seu próprio pai. Para o
seu aniversário deseja fazer-lhe um presente precioso. Antes, porém, de
apresenta-lo pede, em segredo, a todos os seus irmãos e irmãs que coloquem a
sua assinatura nesse dom. Este chega, portanto, nas mãos do pai como sinal do
amor de todos os seus filhos, sem distinção, mesmo que, na verdade, só um pagou
o preço dele.
É o que acontece no sacrifício eucarístico. Jesus admira e
ama infinitamente o Pai Celestial. A ele quer fazer a cada dia, até o fim do
mundo, o dom mais precioso que se possa pensar, aquele da sua própria vida. Na
Missa ele convida todos os seus “irmãos” a colocarem a sua assinatura no dom,
de modo que ele chega a Deus Pai como o dom indistinto de todos os seus filhos,
mesmo que só um tenha pagado o preço de tal dom. E que preço!
A nossa assinatura são as poucas gotas de água que são
misturadas ao vinho no cálice; a nossa assinatura, explica Agostinho, é
especialmente o amém que os fieis pronunciam no momento da comunhão: “Àquilo
que sois respondeis: Amém e respondendo o assinais. Ouves, de fato: O corpo de
Cristo, e respondes: Amém. Sejas membro do corpo de Cristo, para que seja
verdadeiro o seu Amém… Sejais aquilo que vês e recebeis aquilo que sois[13]”.
Toda a eclesiologia eucarística de Agostinho que lembramos semana passada
encontra aqui o seu campo de aplicação. Se não é possível dizer que a Eucaristia
é a igreja (como chegam a afirmar alguns dos seus discípulos), pode-se e
deve-se dizer que a Eucaristia faz a Igreja.
Sabemos que quem assinou um compromisso tem o dever de
honrar a própria firma. Isso significa que, saindo da Missa, temos que fazer
também nós da nossa vida um dom de amor ao Pai e aos irmãos. Temos que dizer
também nós, mentalmente, aos irmãos: “Tomai, comei; este é o meu corpo”. Tomai
o meu tempo, as minhas capacidades, a minha atenção. Tomai também o meu sangue,
ou seja, os meus sofrimentos, tudo o que me humilha, me mortifica, limita as
minhas forças, a minha mesma morte física. Quero que toda a minha vida seja,
como aquela de Cristo, pão partido e vinho derramado pelos outros. Quero fazer
de toda a minha vida uma eucaristia.
Recordei a Didaqué, como o texto que documenta a fase de
transição da liturgia hebraica para aquela cristã. Terminamos com uma oração
sua que inspirou tantas orações eucarísticas subsequentes:
“Como este pão partido estava
espalhado sobre as colinas e recolhido tornou-se
uma só coisa,
Assim a tua Igreja se recolha dos
confins da terra no teu reino
porque tua é a glória e a potência
por Jesus Cristo nos séculos”. Amem.
[Tradução Thácio Siqueira /
ZENIT]
[1] Cf. J. Kelly, Il pensiero
cristiano delle origini, cit., pp. 415 ss.
[2] Ambrósio, De sacramentis,
IV,14-16.
[3] Ambrósio, De mysteriis, 52-53.
[4] Guglielmo di Saint-Thierry, PL 184, 403.
[5] Cf. S. Th., III, q.LXXV. aa. 1 ss.
[6] É o processo reconstruído
por H. de Lubac, in Corpus Mysticum. L’Eucharistie et l’Eglise au Maoyen Age,
Aubier, Paris 1949
[7] Denzinger-Schoenmetzer, Enchiridion Symbolorum, nr. 690
[8] Ignacio de Antiquioa,
Epístola aos Magnésios, 10,3.
[9] J. Ratzinger – Bento XVI,
Jesus de Nazaré, vol .II, LEV, Roma 2011, p.132-163; cf. L. Bouyer,
Eucharistie. Théologie et spiritualità de la prière eucharistique. Desclée,
Tournai 1966
[10] Além do livro citado de
L. Bouyer, cf. A. Baumstark, Liturgie comparée, Chevetogne 1953; L. Alonso Schoekel,
Meditaciones biblicas sobre la Eucaristia, Sal Terrae, Santander 1986 ; Seung
Ai Yang, “Les repas sacrés dans le Judaisme de l’époque hellénistique”, in
Encyclopedie de l’Eucaristie, du Cerf, Paris 2000, pp. 55-59.
[11] Cf. Conc. Tridentino,
Canon 1 de SS. Eucharistiae sacramento (DS, 1651).
[12] Agostinho, De civitate
Dei, X, 6 (CCL 47, 279 (“ In ea re quam offert, ipsa offertur”).
[13] Agostinho, Sermo 272 (PL
38, 1247 s.)
Texto: Pe. Raniero
Cantalamessa
Fonte: http://www.cantalamessa.org/?p=2320&lang=pt

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