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Segundo vaticanista, renovação de estilo é a principal reforma do pontificado de Francisco.
Por Alessandro Notarnicola
Há poucos meses, nos mesmos dias em que o Santo Padre abria os
trabalhos da assembleia sinodal fazendo uso de um tweet com o qual
pretendia explicar a hashtag “#prayforsynod”, lançada antes da missa
solene de 5 de outubro, foi colocada sobre a minha mesa uma reportagem
realizada pelo jornalista e vaticanista Ignazio Ingrao, com o título “O
amor e o sexo nos tempos do Papa Francisco”. Lendo a escrupulosa análise
escrita por Ingrao, lembro de ter parado numa frase peculiar retratada
no texto e pronunciada pelo pontífice: “Devemos olhar a tudo como
realmente é. E não como deveria ser. A Igreja quer estar entre as
pessoas e não pode ignorar a realidade”.
Após a leitura, amiúde, interroguei-me sobre a mensagem que o papa
transmite constantemente há dois anos e que Ingrao explicou
profundamente na raiz da recente questão jornalística voltada ao Sínodo
sobre a família.
Depois de alguns meses da leitura, para o meu prazer e não pouca
vergonha, estive com Ignazio Ingrao. Atualmente chefe e vaticanista da
revista semanal italiana Panorama e autor de várias obras literárias e
de pesquisas sobre o Vaticano, Ingrao aceitou conversar com a equipe do
Sismografo para aprofundar “como leigo católico que vive a sua
profissião de jornalista mas também como alguém que participa de quem se
sente parte da Igreja Católica, essa mensagem específica do magistério
bergogliano e as específicas temáticas ligadas ao mundo da informação
que interessam à comunicação da Santa Sé com as mídias, e
consequentemente, o que não é menos importante, com o povo fiel.
Mesmo lugar, diferentes protagonistas. Sala de imprensa da Santa Sé.
Poltronas azuis. Num vai e vem caótico de colegas com o objetivo de
seguir ao vivo as atividades do Santo Padre. E por fim, Ignazio Ingrao,
apresentando-se no horário exato com um jornal apertado embaixo do braço
direito, típico daqueles que por fazer jornalismo não se esquecem de
colocar-se sempre do lado do leitor. Em resumo, um profissional
distinto.
“Geralmente se fala muito em reformas que se esperam deste
pontificado”, iniciou o vaticanista Ingrao respondendo de imediato a uma
pergunta que fiz para entender melhor a personalidade da Igreja
“bergogliana” – eu acredito que na realidade a reforma já esteja sendo
realizada por algumas linhas essenciais: se trata – explicou, mantendo
um tom de voz carinhoso e uma expressão reconfortante – de uma reforma
de estilo e de linguagem e também de uma Igreja que abriu as portas para
todos. Somos filhos de uma época, os últimos dois anos do pontificado
de Bento XVI, foram muito angustiantes, porque parecia que a Igreja
estava fechada numa corte envenenada por fofocas e situações
desagradáveis. Acredito que ver a capacidade de virar a página é algo
extraordinário. Essa extraordinariedade deu vida a um percurso que foi
em parte marcado pelo Conclave e pelas Congregações preparatórias e em
parte responde às exigências do coração do Papa Francisco, às suas
aspirações e ao seu estilo”.
Segundo o vaticanista de Panorama, por isso a Igreja católica está
hoje empenhada na renovação da linguagem e do estilo que não está
somente presente no coração do Papa, mas representa a reforma principal
deste pontificado que ainda está dando os primeiros passos.
“É uma igreja profundamente diferente da Igreja de João Paulo II e de
Bento XVI”, prossegue o vaticanista. Segundo ele, “o pontificado de
Bento XVI foi de natureza pedagógica, propôs novamente temas centrais ao
mundo. A Igreja do Papa Francisco por outro lado é uma Igreja que
deseja ser companheira de caminhada, uma Igreja que tem um perímetro
aberto como aquele desenhado pela Evangelii Gaudium, com uma abertura e
uma disponibilidade de acolhimento. Não há duvida de que seja uma Igreja
com identidade”.
A coerência de vida do Papa Francisco se coloca entre a própria vida e
a palavra, por essa razão segundo Ignazio Ingrao, que durante toda a
entrevista se mostrou à vontade e ansioso em atender as curiosidades de
um novato como eu, o Santo Padre não utiliza instrumentos particulares
ou segredos ou ainda registros de comunicação intencionalmente
procurados e, esse caráter específico é frisado pelo fato de que ele
somente se apresenta como um Chefe da Igreja católica que usa poucos
idiomas (espanhol e italiano), sendo que, porém, não encontra
dificuldades em dialogar.
“O que impacta– ressaltou Ignazio Ingrao – é a sua coerência de vida e
o seu testemunho. Francisco tem uma grande capacidade de convocar a
Igreja, mesmo se em algumas ocasiões sua forma de se comunicar se iguala
a um pároco do interior e lhe tenha causado problemas”.
Neste sentido, a utilização das redes sociais por parte do Pontífice
mostra todos os dias, cada vez mais, a sua facilidade de comunicação que
adquiriu num tempo breve que o fez obter um consenso e uma popularidade
enormes: “Existe um grande uso na comunicação das redes sociais por
parte da Igreja, mesmo que ainda seja parcial, pois o Twitter é
utilizado como um canal voltado aos jovens e a todos os destinatários,
mas faltando diálogo este canal fica limitado: no entanto, o fato é que
ele é um grande exemplo para muitos”.
Apesar das observações citadas, segundo Ingrao, estes instrumentos
digitais não seriam muito próximos ao papa uma vez que sua comunicação é
de caráter pessoal (com o povo de Deus), onde por “pessoal” se deve
entender também o caráter ecumênico que Jorge Mario Bergoglio leva
consigo desde a distante Argentina.
Mas a quem se reporta especificamente esse pontífice?
“Eu acredito”, responde Ingrao, “que Bergoglio não se reporta somente
aos fiéis, mas ao mundo todo. Essa é a marca do seu pontificado,
reportar-se a todos. Uma Igreja que se abre e que chama a todos, este
seria o Jubileu da Misericórdia.
Veja: a diplomacia vaticana estava parcialmentMas a quem se reporta especificamente esse pontífice?e embaçada na fase
final do pontificado de Bento XVI, hoje reencontrou o seu brilho: todos
os líderes do mundo procuram se encontrar com o papa Francisco porque
ele tornou-se um líder. Ele não se ocupa unicamente da Reforma da Igreja
mas, desde a viagem apostólica ao Rio de Janeiro, se apresentou ao
mundo como um líder mundial.
No discurso que fez ao corpo diplomático definiu suas linhas e então a
justiça, da igualdade, luta contra a pobreza, direitos dos cristãos
como minorias que sofrem este grave conflito intra-islâmico, o Papa
redefiniu algumas linhas, que são os migrantes, os direitos humanitários
no âmbito dos conflitos, os direitos humanos, escolheu portanto estas
linhas que está seguindo e que levará para as Nações Unidas”.
O papa Francisco, conservador revolucionário ligado à ortodoxia, como
o nosso comentarista gosta de defini-lo, age com sabedoria e rigor.
Para Ingrao ele não faz política, mas procura transmitir, através dos
seus métodos franciscanos, uma mensagem específica e clara, exatamente
como fez, por exemplo, tratando a polêmica questão do genocídio armênio,
“para ele a reconciliação está no coração”.
Voltando ao ecumenismo, o vaticanista, ex redator chefe da editora
SIR e ex diretor do bimestral Coscienza, que iniciou sua profissão antes
de completar 18 anos, desejou deixar claro de que forma a realização do
Jubileu extraordinário da Misericórdia tenha feito tremer muitos no
interior da própria Igreja, correndo o risco de ser uma pedra lançada
sobre o diálogo inter-religioso, mesmo porque a escolha do tema
conjugada à decisão de iniciá-lo no próximo dia 08 de dezembro tem um
significado histórico pois comemorará o 50° aniversário do início do
Concílio Vaticano II. “Ele é um pioneiro, é também consciente que não
pode completar essa obra, mas existirão outros que sistematizarão esse
trabalho”, acrescenta Ingrao.
Todavia, Ignazio Ingrao não economiza críticas a seus colegas. O
jornalista sustenta que em várias ocasiões o sistema de informação se
concentra totalmente na figura do papa Francisco, criando uma antinomia
entre o papa bom e a Igreja má.
“É um esquema errado – explica acentuando o seu discurso sobre a
Igreja ‘bergogliana’ – construído sobre a figura do papa: no centro não
deve estar colocada a batalha, porque se difunde uma mensagem
distorcida. Não existe uma batalha mas se trata de um diálogo genuíno
entre homens de Igreja que tem opiniões difetentes e que discutem o
futuro da Igreja. Não é uma batalha de poder, mas de convicções, então é
errado alimentar este quadro distorcido. A Igreja não se resume somente
ao papa: alimentar a papolatria faz mal à Igreja e vai na contramão da
tendência do atual pontificado.
Il sismografo, 27-04-2015.
Tradução de Ivan Pedro Lazzarotto.

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