O Papa Francisco lançou, na sexta-feira 10 de abril,
uma mensagem contra a desigualdade aos 35 presidentes e chefes de
Estado e Governo reunidos no Panamá, durante a cerimônia de abertura da VII Cúpula das Américas. “Não basta que os pobres recolham as migalhas que caem da mesa dos ricos”, assinalou o Pontífice, por meio de uma mensagem que foi lida pelo secretário de Estado do Vaticano, o cardeal Pietro Parolin.
A reportagem está publicada por Religión Digital, 11-04-2015. A tradução é de André Langer.
O enviado especial de Francisco a esta importante
reunião regional leu, em um espanhol perfeito, a carta do Papa, que
adverte que “há bens básicos, como a terra, o trabalho e a moradia, além
de serviços públicos, como a saúde, a educação, a segurança ou o meio
ambiente, dos quais nenhum ser humano deveria ser excluído”.
“Este desejo que todos compartilhamos, infelizmente está longe da realidade”, acrescenta a nota, na qual o Santo Padre
insiste em que “enquanto não se conseguir uma distribuição equitativa
da riqueza, não se conseguirá resolver os males da humanidade”. “O
grande desafio do nosso mundo é a globalização da solidariedade e da
fraternidade, em vez da globalização da discriminação e da indiferença”,
acrescentou.
Neste sentido, Bergoglio denuncia o “abismo” entre
ricos e pobres, que – conforme acrescenta – “se abriu ainda mais”
naquelas economias emergentes que experimentaram um grande êxito
econômico durante os últimos anos, nas quais a população “não se
beneficiou” destes avanços. “São necessárias ações diretas para os mais
desfavorecidos, cuja atenção (...) deveria ser prioritária para os
governantes”, assevera.
Por isso, Francisco – através das palavras de Parolin
– solicitou aos presidentes americanos que enfrentem estes problemas
com “realismo” e chama a atenção para o fato de que “não basta
salvaguardar a lei dos direitos básicos das pessoas”, uma vez que, às
vezes, “dentro de um mesmo país há diferenças escandalosas, sobretudo
nas zonas indígenas, rurais e subúrbios das grandes cidades”.
Na carta, também afirma que “os esforços para estender pontes e
canais de comunicação, buscar o entendimento, nunca são em vão” e
destaca a situação geográfica do Panamá – no centro do
continente americano – como “ponto de encontro entre o Norte e o Sul”,
para que este encontro sirva de chamada para gerar “uma nova ordem de
paz e justiça”, assim como para “promover a solidariedade e a
cooperação, respeitando a justa autonomia de cada país”.
Eis o texto da carta.
Ao Excelentíssimo Senhor
Juan Carlos Varela Rodríguez
Presidente do Panamá
Como anfitrião da VII Cúpula das Américas, desejo
fazer-lhe chegar a minha saudação cordial e, por seu intermédio, a todos
os Chefes de Estado e Governo, assim como às delegações participantes.
Ao mesmo tempo, gostaria de manifestar-lhes minha proximidade e alento
para que o diálogo sincero consiga essa mútua colaboração que soma
esforços e supera diferenças no caminho para o bem comum. Peço a Deus
que, compartilhando valores comuns, cheguem a compromissos de
colaboração no âmbito nacional ou regional que enfrentem com realismo os
problemas e transmitam esperança.
Sinto-me em sintonia com o tema escolhido para esta Cúpula:
“Prosperidade com igualdade: o desafio da cooperação nas Américas”.
Estou convencido – e assim o manifestei na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium
– de que a desigualdade, a injusta distribuição das riquezas e dos
recursos, é fonte de conflitos e de violência entre os povos, porque
supõe que o progresso de uns é construído sobre o necessário sacrifício
de outros e que, para poder viver dignamente, é preciso lutar contra os
outros (cf. 52, 54). O bem-estar assim obtido é injusto em sua raiz e
atenta contra a dignidade das pessoas. Há “bens básicos”, como a terra, o
trabalho e a moradia, e “serviços públicos”, como a saúde, a educação, a
segurança e o meio ambiente..., dos quais nenhum ser humano deveria ser
excluído.
Este desejo – que todos compartilhamos –, infelizmente, ainda está
longe da realidade. Ainda hoje há injustas desigualdades, que ofendem a
dignidade das pessoas.
O grande desafio do nosso mundo é a globalização da solidariedade e
da fraternidade, em vez da globalização da discriminação e da
indiferença e, enquanto não se conseguir uma distribuição igualitária da
riqueza, os males da nossa sociedade não serão resolvidos (cf. Evangelii Gaudium 202).
Não podemos negar que muitos países experimentaram um grande
desenvolvimento econômico nos últimos anos, mas também é verdade que
outros seguem prostrados na pobreza. Além disso, nas economias
emergentes, grande parte da população não se beneficiou do progresso
econômico geral, mas que, frequentemente, se abriu um abismo maior entre
ricos e pobres. A teoria do “gotejamento” ou do “derramamento” (cf. EG
54) revelou-se falaz: não basta esperar que os pobres recolham as
migalhas que caem da mesa dos ricos. São necessárias ações diretas a
favor dos mais desfavorecidos, cuja atenção, como a dos menores em uma
família, deveria ser prioritária para os governantes. A Igreja sempre
defendeu a “promoção das pessoas concretas” (Centesimus Annus, 46), atendendo suas necessidades e oferecendo-lhes possibilidades de desenvolvimento.
Eu gostaria também de chamar sua atenção para o problema da
imigração. A imensa disparidade de oportunidades em uns países e outros
faz com que muitas pessoas se vejam obrigadas a abandonar sua terra e
sua família, convertendo-se em presa fácil do tráfico de pessoas e do
trabalho escravo, sem direitos, nem acesso à justiça...
Em determinadas circunstâncias, a falta de cooperação entre os
Estados deixa muitas pessoas fora da legalidade e sem possibilidade de
fazer valer seus direitos, obrigando-as a situar-se entre os que se
aproveitam dos outros ou a resignar-se a ser vítima dos abusos.
São situações em que não basta salvaguardar a lei para defender os
direitos básicos da pessoa, nas quais a norma, sem piedade e
misericórdia, não responde à justiça.
Às vezes, mesmo dentro de cada país, há diferenças escandalosas e
ofensivas, especialmente nas populações indígenas, nas zonas rurais ou
nos subúrbios das grandes cidades. Sem uma autêntica defesa destas
pessoas contra o racismo, a xenofobia e a intolerância, o Estado de
direito perderia sua legitimidade.
Senhor presidente, os esforços para construir pontes, canais de
comunicação, tecer relações, buscar o entendimento, nunca são em vão. A
situação geográfica do Panamá, no centro do continente
Americano, que o converte em um ponto de encontro do Norte e do Sul, dos
Oceanos Pacífico e Atlântico, é seguramente uma chamada, pro mundi
beneficio, para gerar uma nova ordem de paz e de justiça e para promover
a solidariedade e a colaboração respeitando a justa autonomia de cada
país.
Com o desejo de que a Igreja também seja instrumento de paz e
reconciliação entre os povos, receba a minha mais atenta e cordial
saudação.
Vaticano, 10 de abril de 2015.
Francisco

Nenhum comentário:
Postar um comentário
Só será aceito comentário que esteja de acordo com o artigo publicado.