No livro do Gênesis encontramos a história da criação do mundo e dos
seres viventes. Diz o Gênesis que "O Senhor Deus formou, pois, o homem do
barro da terra, e inspirou-lhe nas narinas um sopro de vida e o homem se
tornou um ser vivente" (Gn 2,7).
Neste versículo encontramos a primeira prova da natureza dualística do
homem: a carne formada “do barro da terra” e seu espírito que é "um sopro
de vida". Somente depois de dadas as duas coisas, diz o Gênesis que
"o homem se tornou um ser vivente".
Com efeito, sopro em hebraico é "nashamah". É a mesma palavra
usada no Deuteronômio onde lemos: "Quanto às cidades daqueles povos cuja
possessão te dá o Senhor, teu Deus, não deixarás nelas alma viva [nashamah]"
(Dt 20,16). Ver também 1 Reis 15,29.
Muitos são os exemplos na Escritura onde "nashmah" denota
claramente o espírito que Deus deu ao homem, infiltrado no corpo humano através
das suas narinas (cf. Gn 2,7) no momento da criação.
A inteligência da alma
Não é por acaso que a Psicologia estuda as faculdades intelectuais
humanas. A palavra que no português conhecemos por "alma" não existe
no hebraico. "Alma" vem do grego "psychein" que significa
"soprar". Deste verbo grego vem a palavra "psique" que
significa "sopro", que é raiz da palavra "psicologia".
A etimologia da palavra "psicologia" nos remete à
inteligência presente no espírito humano ("sopro"), pela qual
recebemos nossas faculdades intelectuais.
Com efeito, a própria Revelação de Deus mostra que é pelo seu espírito
que o homem possui inteligência, conforme vimos em Prov 20,27. A mesma verdade
encontramos em Jó: "mas é o Espírito de Deus no homem, e um sopro
[nashmah] do Todo-poderoso que torna inteligente" (Job 32,8).
Embora as faculdades do corpo como tato, olfato, audição e visão sejam
responsáveis pela nossa interação com o mundo, é pelo espírito que temos
inteligência; é dele que vem a nossa razão.
Por isso, sobre o espírito humano escreveu Salomão: "O espírito [nashamah]
do homem é uma lâmpada do Senhor: ela penetra os mais íntimos recantos das
entranhas" (Prov 20,27).
Concordando com Salomão, São Paulo ao escrever aos Romanos faz a
relação entre espírito e razão: "Assim, pois, de um lado, pelo meu
espírito, sou submisso à lei de Deus; de outro lado, por minha carne,
sou escravo da lei do pecado" (Rm 7,26).
As referências acima provam que o espírito humano é dotado de
faculdades intelectuais.
A consciência dos mortos
Os psicopaniquianos negam a existência da alma. Para eles, homem é como
um animal, sem alma, diferindo deste por possuir um cérebro mais evoluído
(responsável pelas faculdades intelectuais) e também porque irá ressuscitar no
dia do Juízo Final. Como vimos, tal tese é fortemente discordante dos
ensinamentos bíblicos sobre o espírito humano.
Há aqueles que acreditam na existência da dualidade humana (espírito e
corpo material), mas que ensinam que após a morte, a alma humana está sem
consciência, pelo fato de lhe faltar o corpo que lhe comunicam os sentidos.
Primeiramente, como já dissemos, os sentidos comunicam o mundo material
com o espírito humano. As faculdades intelectuais da alma independem do corpo.
É por esta razão, que a Igreja Católica se opõe à morte dos anacéfalos (crianças
que nascem sem cérebro), pois o homem não pode ser reduzido ao corpo, embora
sem ele não esteja completo.
Os defensores do sono da alma apresentam os seguintes textos para
defender sua tese:
"Enquanto [Jesus] ainda falava, chegou alguém da casa do chefe da
sinagoga, anunciando: Tua filha morreu. Para que ainda incomodas o Mestre?
Ouvindo Jesus a notícia que era transmitida, dirigiu-se ao chefe da sinagoga:
Não temas; crê somente. E não permitiu que ninguém o acompanhasse, senão Pedro,
Tiago e João, irmão de Tiago. Ao chegar à casa do chefe da sinagoga, viu o
alvoroço e os que estavam chorando e fazendo grandes lamentações. Ele entrou e
disse-lhes: Por que todo esse barulho e esses choros? A menina não morreu.
Ela está dormindo" (Mc 5,35-39) (grifos meus).
Ver também Mt 9,23-25 e Jo 11,11-14.
Ora, todos hão de concordar que a Sagrada Escritura é coesa em seu
ensinamento doutrinal, embora sua letra muitas vezes se apresente contraditória
aos olhos humanos. Porém essa contradição é aparente, normalmente quando o
texto é lido fora de seu contexto.
É o próprio Cristo que numa parábola ensina que as almas dos falecidos
não estão dormindo:
"Havia também um mendigo, por nome Lázaro, todo coberto de chagas,
que estava deitado à porta do rico. Ele avidamente desejava matar a fome com as
migalhas que caíam da mesa do rico... Até os cães iam lamber-lhe as chagas.
Ora, aconteceu morrer o mendigo e ser levado pelos anjos ao seio de Abraão.
Morreu também o rico e foi sepultado. E estando ele [o rico] nos tormentos
do inferno, levantou os olhos e viu, ao longe, Abraão e Lázaro no seu seio.
Gritou, então: - Pai Abraão, compadece-te de mim e manda Lázaro que molhe em
água a ponta de seu dedo, a fim de me refrescar a língua, pois sou cruelmente
atormentado nestas chamas. Abraão, porém, replicou: - Filho, lembra-te de que
recebeste teus bens em vida, mas Lázaro, males; por isso ele agora aqui é
consolado, mas tu estás em tormento. Além de tudo, há entre nós e vós um grande
abismo, de maneira que, os que querem passar daqui para vós, não o podem, nem
os de lá passar para cá. O rico disse: - Rogo-te então, pai, que mandes Lázaro
à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos, para lhes testemunhar, que não
aconteça virem também eles parar neste lugar de tormentos. Abraão respondeu: -
Eles lá têm Moisés e os profetas; ouçam-nos! O rico replicou: - Não, pai Abraão;
mas se for a eles algum dos mortos, arrepender-se-ão. Abraão respondeu-lhe: -
Se não ouvirem a Moisés e aos profetas, tampouco se deixarão convencer, ainda
que ressuscite algum dos mortos " (Lc 16,20-31) (grifos meus).
Conforme o ensinamento do Senhor, aqueles que morrem na amizade de Deus
são levados "pelos anjos ao seio de Abraão", isto é, para o lugar dos
justos. Enquanto os que morreram na inimizade de Deus estão "nos tormentos
do inferno".
O diálogo que há entre Abraão, Lázaro e o rico, mostra a consciência
das almas após a morte, caso contrário não estariam dialogando!
Devemos nos lembrar que Jesus após a morte foi pregar o Evangelho às
pessoas que morreram no tempo de Noé:
"Pois também Cristo morreu uma vez pelos nossos pecados - o Justo
pelos injustos - para nos conduzir a Deus. Padeceu a morte em sua carne, mas
foi vivificado quanto ao espírito. É neste mesmo espírito que ele foi pregar
aos espíritos que eram detidos no cárcere, àqueles que outrora, nos dias de
Noé, tinham sido rebeldes, quando Deus aguardava com paciência, enquanto se
edificava a arca, na qual poucas pessoas, isto é, apenas oito se salvaram
através da água" (1Pe 3,18-20).
Ora, se a alma não existe ou está dormindo não faria o menor sentido
Jesus ir pregar para elas, já que segundo nossos contendores, o homem após a
morte só pode esperar a ressurreição. Temos provas da consciência dos mortos
também em Ap 6,9-11 e Ap 20,4.
Infortúnio dos ímpios ou sono da alma?
Os adeptos do sono da alma ou da inconsciência dos mortos fundamentam
sua tese principalmente nos versículos do Eclesiástico: "Com efeito, os
vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem mais nada; para eles não
há mais recompensa, porque sua lembrança está esquecida" (Ecl 9,5), ou
ainda "Tudo que tua mão encontra para fazer, faze-o com todas as tuas
faculdades, pois que na região dos mortos, para onde vais, não há mais
trabalho, nem ciência, nem inteligência, nem sabedoria" (Ecl 9,10). Para
eles estes versículos são prova da inconsciência dos mortos.
Primeiramente, o livro do Eclesiastes trata da reflexão sobre a
instabilidade da vida humana e a dúvida sobre o destino tanto dos justos quanto
dos ímpios. Com efeito, o assunto tratado neste livro só encontra seu termo no
livro da Sabedoria de Salomão, e sem este, o Eclesiastes está incompleto. Assim
como a Revelação do Pentateuco encontra seu termo nos livros do tempo dos
Juízes (Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel), o Livro da Sabedoria vem completar o que
o Eclesiastes introduziu, mas que deixou em aberto.
O Livro da Sabedoria não se encontra nas Bíblias protestantes, isto
limita a exposição da Verdade, já que escrevemos não só para católicos e
ortodoxos (que aceitam como sagrado este livro), mas para todos os cristãos.
Porém, isso não impede nosso trabalho. Pois, assim como os vegetarianos privam
seu corpo de certas proteínas por causa de sua abstenção voluntária de carne,
mas ainda sim podem ser nutridos por causa das vitaminas presentes nos
vegetais; da mesma forma, ainda é possível expormos a Verdade através dos
livros consensualmente aceitos. Melhor seria se todos aceitassem todas as
fontes de alimento dispostas pelo Senhor, seja espiritual quanto material.
Em segundo lugar, a região dos mortos tratada no livro do Eclesiastes
não é o lugar para onde se destinam todos os mortos, mas somente os ímpios. Tal
é o testemunho do salmista: “Minha alma está muito perturbada; vós, porém,
Senhor, até quando?... Voltai, Senhor, livrai minha alma; salvai-me, pela vossa
bondade. Porque no seio da morte não há quem de vós se lembre; quem vos
glorificará na habitação dos mortos?" (Sl 6,3-6).
Aqui o salmista pede a salvação de Deus (“livrai minha alma, salvai-me”),
pois não deseja ter o mesmo destino dos ímpios, que estão longe de Deus e por
estarem longe, não podem se lembrar do Senhor e nem glorificá-lo, pois já estão
perdidos.
Este mesmo ensino é confirmado em outro salmo: "Acaso vossa
bondade é exaltada no sepulcro, ou vossa fidelidade na região dos
mortos? Serão nas trevas manifestadas as vossas maravilhas, e vossa bondade
na terra do esquecimento?" (Sl 87,12-13). Como se vê, a “região dos
mortos” na Escritura trata do destino dos ímpios (cf. Sl 9,18; Sl 30,18; Sl
54,16; Sl 87,4; Pr 5,1-5).
Mas, outro é o destino dos justos, conforme nos ensina Salomão: "O
sábio escala o caminho da vida, para evitar a descida à morada dos mortos"
(Pr 15,24) ou ainda: "Não poupes ao menino a correção: se tu o castigares
com a vara, ele não morrerá, castigando-o com a vara, salvarás sua vida da
morada dos mortos" (Pr 23,13-14).
Ora, se o justo após a morte não vai para a "região dos
mortos" ou "morada dos mortos" para onde vai? Trataremos disto
mais à frente, pois antes é preciso expor o que significa o "sono"
dos mortos do qual se referiu Jesus (cf. Mc 5,35-39; Mt 9,23-25; Jo 11,11-14).
Bem-aventurança dos justos
Quando a Escritura diz que alguém que morreu está dormindo, ou
descansando, está se referindo à bem-aventurança alcançada por ter morrido na
amizade de Deus, e não porque a alma esteja dormindo.
Na linguagem semítica utilizada pela Bíblia, o prêmio daqueles que
permanecem fiéis a Deus é comparado a um descanso.
Os israelitas passaram 40 anos no deserto, após o Senhor tê-los
libertado do cativeiro no Egito. Devido à grande murmuração do povo, nem todos
chegaram à Terra Prometida. É o que recorda o Salmista:
"Não vos torneis endurecidos como em Meribá, como no dia de Massá
no deserto, onde vossos pais me provocaram e me tentaram, apesar de terem visto
as minhas obras. Durante quarenta anos desgostou-me aquela geração, e eu disse:
É um povo de coração desviado, que não conhece os meus desígnios. Por isso,
jurei na minha cólera: Não hão de entrar no lugar do meu repouso"
(Sl 94,8-11).
Também ensinou Isaías: "Aquele que à direita de Moisés atuou com o
seu braço glorioso, e dividiu as águas diante dos seus para assegurar-se um
renome eterno; e os conduziu através dos abismos, sem tropeçarem, como o cavalo
em descampado. Como ao animal que desce ao vale, o espírito do Senhor os
levava ao repouso. Foi assim que conduzistes vosso povo, para afirmar vosso
glorioso renome" (Is 63,12-14).
O início desta teologia se encontra em Deuteronômio: "Quando
tiverdes passado o Jordão e vos tiverdes estabelecido na terra que o Senhor,
vosso Deus, vos dá em herança, e ele vos tiver dado repouso, livrando-vos
dos inimigos que vos cercam, de sorte que vivais em segurança" (Dt 12,10).
O povo chegou ao Jordão pelo comando de Josué, sucessor de Moisés.
Moisés foi proibido de entrar na Terra Prometida por ter quebrado as primeiras
tábuas dos Dez Mandamentos (cf. Ex 32,19; Dt 32,50-52; Dt 34,1-4).
Josué, testemunha em seu livro o cumprimento da promessa do Senhor:
"E o Senhor deu-lhes repouso em todo o derredor de sua terra, como
tinha jurado a seus pais; nenhum dos seus inimigos pôde resistir-lhes, pois o
Senhor entregou-os todos nas suas mãos" (Js 21,44).
A peregrinação que os Israelitas fizeram no deserto durante 40 anos e a
posse da Terra Prometida dada aos fiéis é figura da nossa peregrinação
terrestre, na qual os que vencerem tomarão posse da Pátria do Povo de Deus,
isto é, o Céu.
Este é o ensinamento que encontramos na Carta aos Hebreus:
"Se, pois, ele repete: Não entrarão no lugar do meu descanso [cf.
Sl 94,11], é sinal de que outros são chamados a entrar nele. E como aqueles a
quem primeiro foi anunciada a promessa não entraram por não ter tido a fé,
Deus, após muitos anos, por meio de Davi, estabelece um novo dia, um hoje, ao
pronunciar as palavras mencionadas: Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais
os vossos corações. Se Josué lhes houvesse dado repouso, não teria depois disso
falado dum outro dia. Por isso, resta um repouso sabático para o povo de
Deus. E quem entrar nesse repouso descansará das suas obras, assim como
descansou Deus das suas. Assim, apressemo-nos a entrar neste descanso para
não cairmos por nossa vez na mesma incredulidade. Porque a palavra de Deus é
viva, eficaz, mais penetrante do que uma espada de dois gumes e atinge até a divisão
da alma e do corpo, das juntas e medulas, e discerne os pensamentos e intenções
do coração" (Hb 4,5-12).
O autor chama o prêmio dos justos de "repouso sabático" pois
o compara com o descanso de Deus após a criação, que se deu num sábado.
A Carta aos Hebreus, além de confirmar que o sono, repouso ou descanso
dos justos é a posse da bem-aventurança, também dá testemunho da realidade
dualística do homem: alma e corpo.
O ensinamento desta epístola é confirmado pelo salmista: "Apenas
me deito, logo adormeço em paz, porque a segurança de meu repouso vem de vós
só, Senhor" (Sl 4,9).
Também ensinou o Profeta Isaías: "Porque aqui está o que disse o
Senhor Deus, o Santo de Israel: É na conversão e na calma que está a vossa
salvação; é no repouso e na confiança que reside a vossa força" (Is
30,15).
Por isso que Jesus ao ressuscitar a filha do centurião (Mc 5,35-39), a
filha do chefe da sinagoga (Mt 9,23-25) e Lázaro (cf. Jo 11,11-14), diz que
estão dormindo, pois morreram na amizade de Deus. Se fossem ímpios Jesus
não os ressuscitaria, pois já estariam perdidos. Mas, antes mortos e agora
ressuscitados, serviriam como testemunhas da Majestade de Jesus, tanto por
terem visto o Céu quanto por serem ressurretos.
O destino do espírito após a morte do corpo
Veja o que ensina o Salmo: "Este é o destino dos que estultamente
em si confiam, tal é o fim dos que só vivem em delícias. Como um rebanho serão
postos no lugar dos mortos; a morte é seu pastor e os justos dominarão
sobre eles. Depressa desaparecerão suas figuras, a região dos mortos será
sua morada. Deus, porém, livrará minha alma da habitação dos mortos,
tomando-me consigo" (Sl 48,14-16).
Como vimos o Salmo ensina que o justo é tomado por Deus, isto é, seu
destino é o Céu.
Interessante é também notar que aqueles que citam os versículos 5 e 10
do capítulo 9 do Eclesiástico, parece que não terminaram de ler esse livro. Com
efeito, no último capítulo encontramos a confirmação do ensinamento do salmo
48: "E o pó volte à terra, como era, e o espírito volte a Deus que o
deu" (Ecl 12,7).
Vimos no Gênesis que Deus formou Adão do pó da terra e depois lhe deu o
espírito. Segundo o Eclesiastes, o corpo dos mortos (pó) volta à terra e o
espírito vai para Deus.
Jesus na parábola do Lázaro e do rico (cf. Lc 16,20-31) ensina que o
justo é levado à presença de Deus pelos anjos, enquanto o ímpio é jogado no
inferno. Estamos falando do espírito humano, pois os dois ressuscitarão no Dia
do Senhor (volta de Cristo); o primeiro para a Glória Eterna, o segundo para o
Castigo Eterno.
"Mas, cheio do Espírito Santo, Estêvão fitou o céu e viu a glória
de Deus e Jesus de pé à direita de Deus: Eis que vejo, disse ele, os céus
abertos e o Filho do Homem, de pé, à direita de Deus. Levantaram então um
grande clamor, taparam os ouvidos e todos juntos se atiraram furiosos contra
ele. Lançaram-no fora da cidade e começaram a apedrejá-lo. As testemunhas
depuseram os seus mantos aos pés de um moço chamado Saulo. E apedrejavam
Estêvão, que orava e dizia: Senhor Jesus, recebe o meu espírito"
(At 7,55-59).
Com efeito, Santo Estêvão sabia que seu espírito não estaria dormindo
após sua morte, mas que seria levado a Deus.
São Paulo também ensinou que os espíritos dos justos estão na presença
de Deus: "Estamos, repito, cheios de confiança, preferindo ausentar-nos
deste corpo para ir habitar junto do Senhor. É também por isso que, vivos
ou mortos, nos esforçamos por agradar-lhe" (2 Cor 5,8-9).
Como poderiam os justos esforçarem-se para agradar a Deus após a morte
se estivessem dormindo? Ou ainda, como poderiam ausentar-se do corpo e "ir
habitar junto do Senhor" se o espírito dos justos não voltassem para Deus
que os deu (cf. Ecl 12,7)?
Testemunhos Primitivos
Agora traremos à tona a Memória Cristã, transcrevendo alguns
testemunhos primitivos sobre a Fé recebida dos Apóstolos sobre a consciência
dos mortos.
“Portanto, supliquemos também nós pelos que se encontram em alguma
falha, a fim de que lhes sejam concedidas moderação e humildade, e para que
cedam, não a nós, e sim à vontade de Deus. Então, quando nos lembrarmos
deles com espírito de misericórdia diante de Deus e dos santos, nossa oração
produzirá frutos e será perfeita [...]” (Primeira Carta de Clemente aos
Coríntios, 56. São Clemente, Papa. 90 d.C) (grifos meus).
São Clemente foi discípulo pessoal de São Paulo (cf. Fl 4,3) e o
terceiro sucessor de São Pedro, no Episcopado da Igreja de Roma. Ora, se para
os primeiros cristãos os justos estivessem dormindo, ele não pediria aos fiéis
para apresentarem suas orações diante de Deus e dos santos.
“Meu espírito se sacrifica por vós, não somente agora, mas também
quando eu chegar a Deus [...]” (Carta ao Tralianos, 13. Santo Inácio, Bispo
de Antioquia. 107 d.C).
Santo Inácio foi discípulo pessoal de Pedro e Paulo. Era também chamado
pelos antigos cristãos de Teósforo, que significa "Carregado por
Deus", por ser a criança que Cristo pega no colo em Mc 9,36. Com efeito,
se os Apóstolos Pedro e Paulo tivessem ensinado a Inácio que os mortos “dormem”,
ele não acreditaria que os justos estão diante de Deus intercedendo pelos que
ainda não completaram o caminho da vida (cf. Ap 6,9-11; Ap 20,4). Mas, ele não
só crê, mas ensina que quando chegar ao Céu estará ainda a serviço de Deus
pelos que estão aqui na terra.
"Portanto, eu vos exorto a todos, para que obedeçais à palavra da
justiça e sejais constantes em toda a perseverança, que vistes com os próprios
olhos, não só nos bem-aventurados Inácio, Zózimo e Rufo, mas ainda em outros
que são do vosso meio, no próprio Paulo e nos demais apóstolos. Estejam
persuadidos de que nenhum desses correu em vão, mas na fé e na justiça, e que eles
estão no lugar que lhes é devido junto ao Senhor, com o qual sofreram. Eles
não amaram este mundo, mas aquele que morreu por nós e que Deus ressuscitou
para nós" (Segunda Carta aos Filipenses, 9. São Policarpo, Bispo de
Esmirna. 160 d.C) (grifos meus).
São Policarpo foi discípulo pessoal de São João apóstolo e, segundo a
Tradição, instituído pelo próprio São João, Bispo de Esmirna (na Turquia).
Assim como São Clemente e Santo Inácio, São Policarpo, outro discípulo pessoal
dos apóstolos não ensinou o "sono da alma". Mas que após a morte os
justos se encontram "no lugar que lhes é devido junto ao Senhor".
“O Senhor ensinou clarissimamente que as almas não só perduram sem
passar de corpo em corpo, mas conservam imutadas as características dos
corpos em que foram colocadas e se lembram das ações que fizeram aqui na
terra e daquelas que deixaram de fazer. É o que está escrito na história do
rico e de Lázaro que repousava no seio de Abraão. Nela se diz que o rico,
depois da morte, conhecia tanto Lázaro como Abraão e que cada um estava no
lugar a ele destinado. O rico pedia a Lázaro, ao qual tinha recusado até as
migalhas que caíam de sua mesa, que o socorresse; com a sua resposta, Abraão
mostrava conhecer não somente Lázaro, mas também o rico e ordenava que aqueles
que não quisessem ir para aquele lugar de tormentos escutassem Moisés e os
profetas antes de esperar o anúncio de alguém ressuscitado dos mortos.
Tudo isso supõe clarissimamente que: as almas permanecem vivas; não
passam de corpo em corpo; possuem as características do ser humano de sorte
que podem ser reconhecidas e que se recordam das coisas daqui de baixo;
também Abraão possuía o dom da profecia; e cada alma recebe o lugar merecido
mesmo antes do dia do juízo" (Contra as Heresias, II,34,1. Santo Ireneu,
Bispo de Lião. 202 d.C.).
Santo Ireneu foi discípulo de São Policarpo. Com sua ortodoxia, ele
combate de uma só vez os erros da reencarnação, da inconsciência da alma e da
negação do juízo particular pelo qual todos passam logo após a morte.
Há muitos outros testemunhos dos discípulos pessoais dos apóstolos, mas
transcrevi aqui as palavras daqueles que os antigos consideravam os mais
importantes e fiéis à Tradição dos Apóstolos.
Conclusão
A pregação dos Apóstolos é o fundamento da nossa fé, conforme ensinou
São Paulo: "Consequentemente, já não sois hóspedes nem peregrinos, mas
sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o
fundamento dos apóstolos e profetas, tendo por pedra angular o próprio
Cristo Jesus" (Ef 2,19-20).
As Sagradas Letras são pedras que foram bem dispostas conforme a
Arquitetura que Cristo confiou a seus Apóstolos, resultando no edifício da Fé.
Mas o inimigo promove outro tipo de construção, convencendo muitas pessoas
sinceras, pois utiliza as mesmas pedras, porém, com planta diversa daquela
deixada pelos Apóstolos.
Ora, os Apóstolos constituíram bispos no mundo inteiro, deixaram seus
discípulos para darem continuidade à sua obra. Com efeito, São Paulo ensinou:
"Segundo a graça que Deus me deu, como sábio arquiteto lancei o
fundamento, mas outro edifica sobre ele" (1 Cor 3,10).
Vimos que os discípulos dos Apóstolos deram continuidade à obra de seus
mentores, fundamentando-se na Fé da consciência da alma e não no
"sono" desta. Este é o testemunho da Sagrada Escritura e da Memória
Cristã.
Fonte: Veritatis Splendor

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