[montfort]
Autor: André Roncolato
Mesa “levita” durante sessão espírita na casa do astrônomo-esotérico Camille Flammarion |
André Roncolato Siano
Quando se pensa em seitas que baseiam suas doutrinas em ficção
interplanetária, logo remetemos nossas considerações ao ridículo de tais
doutrinas. Porque de fato o são. Contudo, não se pode cometer o exagero
de achar que são apenas uns lunáticos — no sentido alegórico do termo —
que se reúnem somente para pensar e realizar seções extravagantes ou
práticas exóticas. Como pano de fundo de tais seitas, existe um sistema
de ideias bastante similar ao espiritismo, ou melhor, apoiadas nas
ideias da teosofia e do espiritismo que encontram campo fecundo em uma
época dominada pelos filmes de ficção científica como a nossa.
Para agravar a situação, hoje tem-se uma ideia completamente distorcida do que seja Ciência e mesmo nos meios acadêmicos a questão epistemológica é negligenciada em larga escala. Neste sentido poderíamos até ironizar que a inteligência de parte de nossa sociedade moderna foi abduzida por esses ETs charlatões.
Para agravar a situação, hoje tem-se uma ideia completamente distorcida do que seja Ciência e mesmo nos meios acadêmicos a questão epistemológica é negligenciada em larga escala. Neste sentido poderíamos até ironizar que a inteligência de parte de nossa sociedade moderna foi abduzida por esses ETs charlatões.
Para entender bem esse sistema de fundo é preciso analisar
historicamente como as ideias sobre alienígenas e homenzinhos verdes
foram penetrando na sociedade até se tornarem universalizadas em nossos
dias.
Já no século XIX se sabia bem quais as consequências que se podiam
obter ao se explorar o ambiente de acentuada crise do pensamento.
Praticamente como um guru, um esotérico do século XIX metido a cientista, Camille Flamarion, fez lá sua previsão:
“O passado está morto; a filosofia do futuro não nasceu: está
ainda envolta nos difíceis trabalhos do parto. A alma do mundo moderno
está dividida e em contradição perpétua consigo mesma. Reflexão grave, a
ciência, esta divindade poderosa de nossos dias, que tem nas mãos as
rédeas do progresso, a ciência nunca foi tão pouco filosófica, tão
isolada quanto hoje. (…)
“Segundo este duplo ponto de vista, a habitabilidade dos mundos e
a exigüidade da Terra, surgirão conclusões que elevarão à certeza
filosófica a ideia da Pluralidade dos Mundos, vista até hoje como
simples possibilidade. Erguendo-se
de vaga possibilidade a probabilidade racional, e depois a certeza, a
opinião da vida universal tornar-se-á doutrina e transformará
radicalmente para nós a concepção do Universo.” (FLAMARION, C. La Pluralité des Mondes Habités, 1862, p. 12-13;51 – destaque nosso)
Flammarion publicou uma gravura, provavelmente de sua autoria, sobre um “missionário” medieval que teria encontrado o ponto de união entre o céu e a terra |
Claro que de guru ele não tinha nada. Entretanto, sabia deduzir as
consequências dos princípios filosóficos que a falsa ciência e a
filosofia de seu tempo trabalhavam duramente para estabelecer e dos
quais ele também era colaborador. Camille era uma espécie de Carl Sagan
de seu tempo, embora muito mais refinado e inteligente.
De fato, impressiona muito a maneira que o leva a uma inferência
racional – ou talvez um método? – dos desdobramentos da aceitação de um
princípio filosófico. Ele sabia exatamente que ao divinizar a ciência e
suprimir dela as decorrências filosóficas assim como aceitar a
contradição como condição do espírito moderno, far-se-ia terreno
propício aos muitos disparates siderais. É impressionante também como
ele antevê a gradual aceitação da vaga possibilidade de vida fora da
Terra evoluir até a modificação da concepção de Universo.
Pensamos escrever alguns artigos para demonstrar as estreitas
ligações entre o espiritualismo teosófico e os delírios com alienígenas.
Neste primeiro pequeno artigo, nos ateremos às características iniciais
do surgimento do mito dos ETs verificando suas raízes mais profundas
entre o espiritualismo e a ufologia, que pouquíssimo tem de ciência e
muito de misticismo recauchutado.
Nos divulgadores recentes das ideias sobre ETs, há uma espécie de
“sinceridade involuntária” relacionando o misticismo com a ufologia nos
documentários e filmes que tratam de alienígenas e mundos habitados.
Cito, por exemplo, um documentário nada suspeito sobre exoplanetas
(planetas que orbitam estrelas fora de nosso sistema solar), exibido
pelo Discovery Channel Science, no qual, em dado momento há um
desagravo a Giordano Bruno que, segundo a malfeita dramatização, era
condenado à fogueira pela Igreja Católica por ter afirmado que havia
outros mundos habitados, o que é uma bobagem. Giordano Bruno, na
verdade, afirmava coisas bem além disso, uma vez que era ocultista
conhecido e documentado por vasta bibliografia (Cfr. F. Yates, Giordano Bruno e a Tradição Hermética, ed. Cultrix).
Podemos nos ater a esse ponto.
O estreito vínculo do ocultismo teosófico com a Ufologia pode ser
demostrado em uma síntese histórica, em forma de linha do tempo, que
permite elucidar como emergiu uma ideia tão absurda como a da Ufologia e
se transformou em um mito tão difundido e amplamente aceito, nas mentes
atuais.
Pode-se dizer que a partir das ideias e escritos de Emanuel
Swedenborg, filho de pastores protestantes suecos, é que se deu a
consolidação das fantasias sobre alienígenas. Logo no nascimento, os ETs
já pegavam carona na espaçonave do ocultismo. Swedenborg foi, ao menos
no pensamento, o Giordano Bruno da vez. Atrás de uma casca científica,
se camuflava um bruxo sofisticado. Assim como acontece, aliás, com
muitos cientistas de nosso tempo como, por exemplo, nas áreas de física
teórica e quântica. Para se ter uma ideia, Swedenborg chegou a compilar
ritos maçônicos. As ideias de Swedenborg influenciaram importantes
gnósticos e escritores místicos como Jorge Luís Borges, William Blake,
Balzac e Baudelaire. De fato, ele foi bastante importante – e por isso
mais peçonhento – sendo professor em uma das mais importantes
universidades da Europa, a Universidade de Uppsala, e membro do
Parlamento sueco.
Diz sobre ele Jorge Luís Borges:
“Voltaire dizia que o homem mais extraordinário registrado pela
História foi Carlos XII. Eu diria que, talvez, o homem mais
extraordinário – a admitirmos tais superlativos – foi o mais misterioso
dos súditos de Carlos XII: Emanuel Swedenborg.” (Palestra proferida por Jorge Luis Borges, na Universidade de Belgrano, em 8 de Junho de 1978 in Jorge Luis Borges: Cinco visões pessoais. EdUnB, Brasília-DF, 1987 apud Yuri Vieira[1])
Dentre suas principais obras podemos citar Arcana Celestia, da qual Ernest Benz[2] destaca o estabelecimento de uma “Cristologia Cósmica” e De Telluribus in mundo nostri solaris quae vocantur planetae (Das Terras em nosso mundo solar) de
1758. Para nosso assunto esta última é a mais importante. É nesta obra,
escrita em latim, que se lançam os fundamentos e o conceito do que hoje
viriam a se tornar, no imaginário “midiesco”, os seres inteligentes
interplanetários, naves, galáxias habitadas, contatos imediatos, discos
voadores, enfim, um mundo de fantasia amplamente conhecido e
exaustivamente apresentado como muito provável e até certo. Se assim
podemos dizer, este pode ser considerado o ponto de partida para alguns
altos investimentos, governamentais e não-governamentais, à procura de
seres fantasiosos, como no caso dos projetos SETI e Kepler. Neste
último, apesar de seu objetivo principal ser a identificação de planetas
fora do sistema solar, o que de fato interessa são os planetas na
chamada faixa habitável. Altos investimentos e um bilionário mercado
cinematográfico, como as franquias de Star Wars, que tem imbecilizado algumas gerações de jovens e já não tão jovens.
Extraímos algumas considerações de Swedenborg:
“Os que estão no céu podem conversar e relacionar-se não somente
com os anjos e os espíritos que provêm das terras deste sistema solar,
mas também com os que provêm das terras fora deste sistema no universo, e
não somente com os espíritos e os anjos dessas terras, mas também com
os próprios habitantes; todavia, não é senão com aqueles a quem as
coisas interiores foram abertas, a fim de que possam ouvir os que do céu
falam com eles.” (Swedenborg, E. De Telluribus in mundo nostri solaris quae vocantur planetae, 1758, p. 76 in Terras no Universo, Sociedade Religiosa A Nova Jerusalém, Rio de Janeiro, 1993.)
Em consequência dessa obra, alguns cientistas chegaram a formular ou
divulgar estatísticas alucinadas sobre a quantidade de civilizações
alienígenas inteligentes com as quais podemos estabelecer comunicação no
Universo. Exemplo disso é a absurda equação de Drake, formulada pelo
imaginativo astrônomo Frank Drake, em 1961, e bastante divulgada para o
senso comum por seu outro amigo de profissão, Carl Sagan.
“Além disso, falei com espíritos
que o ser humano pode ser capaz de crer que há no universo mais que uma
só terra; por isso, o céu astral é tão imenso e nele existem inúmeras
estrelas, e cada uma delas em seu lugar ou em seu mundo é um sol, como
nosso sol, em vários tamanhos.
(…)
Assim a pessoa racional
não pode agir de outro modo senão pensar que esse meio imenso para tão
grande fim não foi feito para o gênero humano de uma só terra e o
Céu daí proveniente. Que seria isso para o Divino, Que é Infinito, a
Quem milhares e mesmo miríades de terras, e todas cheias de habitantes,
seriam muito pouco e dificilmente alguma coisa?” (Swedenborg, E. De Telluribus in mundo nostri solaris quae vocantur planetae, 1758, p. 7 in Terras no Universo, Sociedade Religiosa A Nova Jerusalém, Rio de Janeiro, 1993. – sublinhado nosso.)
Swdenborg obtinha suas informações das civilizações alienígenas não
por rádio telescópios mas sim – por mais ridículo que isso possa parecer
– por psicomancia de espíritos de outros planetas. Então, por exemplo,
os espíritos do planeta Mercúrio lhe apareciam, contando as últimas
novidades dos habitantes daquele planeta, o último resultado da loteria
mercuriana, quem foi o ganhador, ou como andava a moda em Saturno, ou
ainda, como era a forma física dos habitantes de Júpiter, sua
gastronomia, se estava havendo alguma operação lava-a-jato por lá e
coisas do tipo. Isso quando Swedenborg não participava de reuniões
espirituais interplanetárias, apreciando discussões teológicas: “Um dia vi que espíritos da nossa Terra estavam junto dos
espíritos do planeta Mercúrio e os ouvia conversar entre si, e, então,
entre outras coisas, os espíritos da nossa Terra perguntavam-lhes em
quem acreditavam. Responderam que acreditavam em Deus; mas, quando eles
perguntaram ainda mais sobre o Deus em que acreditavam, não quiseram
falar mais a esse respeito, porque é seu hábito não responder
diretamente a perguntas.
(…)Também me foi mostrado o tipo de face que têm os habitantes da
terra de Júpiter. Não que eu tenha visto os próprios habitantes mas
pelo fato de que vi espíritos com uma face semelhante à que tinham
quando estavam em sua terra.” (Swedenborg, E. De Telluribus in mundo nostri solaris quae vocantur planetae, 1758, p. 23,31 in Terras no Universo, Sociedade Religiosa A Nova Jerusalém, Rio de Janeiro, 1993. – sublinhado nosso.)
Em seitas ufológicas, ainda se dão tais práticas. Com forte acento
teosófico mais que espírita. Na atualidade eles não fazem mais
psicomancia, só telepatia. Ou seja, trocaram seis por meia dúzia.
Dessas práticas trataremos em um próximo texto.
Neste primeiro artigo, já é possível ver claramente que a ridícula
crença em ETs é fundada no ocultismo, na teosofia e no espiritismo. Ou
seja, são fantasias contra a Verdadeira Fé Católica a que, portanto,
devemos nos opor clara e abertamente. São ideias que ofendem a Deus
Nosso Senhor e enfraquecem a devoção à Santa Religião Católica.
Além disso, na atualidade, a crença em ETs e vida inteligente fora da
Terra, se fiam em uma mistura problemática de falsas doutrinas,
filosofias subjetivistas e teorias científicas obscuras. Das quais
também pretendemos tratar.
Salve Maria!
[1] http://textos.yurivieira.com/terceiros/o-ceu-e-o-inferno-segundo-emanuel-swedenborg/#sthash.r2Gbm1Wl.dpuf acessado em 21/06/2014 as 10:20)
[2]
Kosmische Bruderschaft: die Pluralität der Welten. Zur Ideengeschichte
des UFO-Glaubens, Freiburg, Aurum, 1978. 2. Auflage 1990 unter dem
Titel: Ausserirdische Welten. Von Kopernikus zu den Ufos

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