A oferta de salvação permanece universal. Não se destina aos poucos exigentes que são os únicos qualificados para admissão no Reino.
** Por Régis Martin
De toda a correspondência compilada por São Paulo documentando a salvação por meio do Evento de Jesus Cristo — o único que se propôs a redimir a todos nós, porque na queda de Adão todos pecamos — a Epístola aos Romanos é claramente a mais longa de todas. É também a mais impressionante, eclipsando facilmente tudo o mais que ele escreveu. "Um pico alpino elevando-se sobre colinas e aldeias", como disse um exegeta admirado, "oferecendo uma visão teológica e espiritual de tirar o fôlego".
Composta em Corinto um quarto de século após a morte de Cristo, o Deus Crucificado de quem depende a salvação do mundo, chegará a Roma dez anos antes de sua própria morte, prevista para ocorrer no ano 67 por ordem do Imperador Nero, figura de crueldade e corrupção espetaculares. Assim, os últimos dias de Paulo são passados em prisão domiciliar, onde, em uma carta final ao seu amado discípulo Timóteo, instando-o a permanecer firme na fé, ele o suplica que venha visitá-lo. "Faça o possível para vir antes do inverno", pede ele.
Infelizmente, não será assim. E assim, acertando contas com o mundo do qual em breve se despedirá, Paulo escreve com emoção sobre o pouco tempo que lhe resta, colocando tudo nas mãos do Deus a quem serviu com tanta paixão e convicção durante toda a sua vida. "Quanto a mim", diz ele ao jovem amigo,
A minha vida já está sendo derramada como libação — o tempo da minha partida está iminente. Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele Dia, e não somente a mim, mas também a todos os que amarem a sua vinda. (2 Timóteo 4:6-8)
Se alguém perguntasse como foi possível para Paulo falar com tanta certeza e confiança, de fato, fazê-lo à beira de uma morte certa e violenta, a resposta pode ser encontrada nas próprias páginas da Carta, que, mesmo quando ele está prestes a perder a cabeça, circula entre os cristãos que vivem em Roma, os quais, como o próprio Paulo, encontrarão infinita força e consolo em sua mensagem inspirada.
E qual é essa mensagem? Talvez uma olhada no capítulo oito, que abre perspectivas de possibilidades divino-humanas tão vastas quanto qualquer coisa encontrada no corpus paulino, nos diga. Pois é lá que o grande tema da vida cristã é cravado como granito. De fato, ele salta da página. E esse é o fato — não teoria ou suposição — de que em Cristo Jesus se realiza a vitória final do amor de Deus pelo mundo.
A eterna vindicação desse amor é estabelecida de uma vez por todas no Filho traspassado e crucificado que tira o pecado do mundo. Que, ao aventurar-se em tudo, incluindo Sua descida às profundezas da desolação infernal em busca de almas, Ele não se decepcionará. O Homem Forte com quem Ele luta será completamente vencido, libertando assim tantas almas cativas que definham nas trevas. Em suma, um futuro prometido, consistindo na libertação definitiva do pecado e da morte, das trevas e do diabo, será o destino que nos aguarda a todos.
Desde que demonstremos uma real disposição para aceitar tão estupenda oferta, submetendo nossas vontades em amorosa conformidade a Cristo, cujo modelo de vida permanecemos livres, terrivelmente livres, para recusar, rejeitando a própria razão para a qual fomos criados. Tal é o significado da misericórdia divina. Tal é o tema estabelecido no oitavo capítulo da Carta de Paulo aos Romanos. É nada menos que o triunfo da Justiça e da Verdade de Deus Todo-Poderoso, cuja pura e inesgotável corrente de Misericórdia se encarnou concretamente em uma Pessoa portadora de um nome único e irrepetível: Jesus Cristo.
O que mais nos é pedido que celebremos no evento desta semana do Domingo da Divina Misericórdia? Numa profunda e bela meditação sobre este texto, escrita por Adrienne von Speyr, Cristo é apresentado como aquele cuja fome de almas é tão grande, tão inclusiva de todas as criaturas na Terra, que "até o último ser humano no cesto da criação" se qualifica como candidato à admissão no Reino. O título do seu pequeno livro, com pouco mais de cem páginas, diz tudo: A Vitória do Amor.
Em outras palavras, mesmo os menos pretensiosos entre nós conhecerão o amor insuperável de Deus. Ninguém, por mais irreconhecível que esteja devido ao seu pecado, será levado à porta. A menos, é claro, que por pura teimosia insista em fechá-la com força. A oferta de salvação permanece universal. Não se destina aos poucos exigentes que são os únicos qualificados para admissão no Reino. "Quando Paulo fala dos eleitos", ela nos diz:
Ele se refere a indivíduos específicos. Ele vê diante de seus olhos a imagem dos discípulos que seguiram o Senhor: eles são tipos e modelos, a luz central incide sobre eles. Que essa luz incida deles sobre os outros, seja levada por eles aos outros, é uma verdade nova não excluída, mas incluída na primeira.
Quantos serão salvos? Podemos atribuir um número aos eleitos? “O próprio número”, ela nos lembra, “é o segredo do Filho. Pode ser que o Pai queira dizer ‘muitos’ e que, para falar de forma humana, se deixe surpreender pela obra do Filho que exige ‘tudo’. A pequena Teresa”, acrescenta, “‘escolheu tudo’ quando lhe foi oferecido um cesto cheio de coisas para escolher. Ela escolheu não apenas o que era belo, mas também o que não era atraente”, imitando assim a atitude do próprio Cristo, que não enfraquece nem retira Sua atenção de ninguém que o Pai criou.
Nem mesmo os menores no Reino devem ser impedidos de entrar nos recintos da felicidade eterna. Se desejarem entrar, se pelas escolhas que fizeram para retribuir a Sua oferta de amor, não serão rejeitados. Seu amor permanece não apenas constante, mas avassalador, desde que não tentemos erguer barreiras que o impeçam de alcançar a alma de cada criatura que carrega a imagem do Criador. Não devemos limitar o alcance da obra do Filho de resgatar um mundo aparentemente perdido no pecado.
“Quem
nos separará do amor de Cristo?”, pergunta Paulo nas linhas finais do
capítulo. “A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a
nudez, ou o perigo, ou a espada?” (8:35). “Pois eu estou certo”,
declara Paulo no final de seu toque de trombeta prolongado,
que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas presentes, nem as futuras, nem as potestades, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor. (8:38-39)
Quão preciosos devemos ser
aos olhos de Deus, a ponto de Ele enviar Seu próprio Filho para sofrer e
morrer em nosso lugar, permitindo-nos assim, nas asas da misericórdia
divina, entrar em um lugar há muito tempo preparado para nós — que só
conhecemos porque somos conhecidos, que só amamos porque Deus nos amou
primeiro.
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Fonte - crisismagazine

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