A tese das almas perdidas, apresentada como hipótese pastoral ou como explicação para fenômenos extraordinários, é profundamente contrária à fé católica. Não tem fundamento na Sagrada Escritura, contradiz o Magistério constante da Igreja e é incompatível com a teologia dos grandes doutores cristãos. Suas raízes doutrinárias estão contaminadas por elementos gnósticos e espiritualistas, que minam a esperança cristã na vida eterna, enfraquecem a confiança no julgamento de Deus e expõem os fiéis ao engano do diabo.
PP. Jesús Mª Silva e Jesús Sánchez
1. O erro doutrinário e gnóstico da tese das almas perdidas
Alguns autores afirmam que certas almas humanas, após a morte, não foram julgadas e estão em um estado intermediário de peregrinação, manifestando-se aos vivos ou afetando lugares específicos. Eles argumentam que essa condição pode ser causada por pecados graves não confessados, mortes violentas, apegos mundanos, traumas ou até mesmo pactos ocultos. Essas almas, dizem eles, não estão no céu, nem no purgatório, nem no inferno, mas em uma suposta "zona cinzenta espiritual" estranha à escatologia clássica.
Essa teoria encontra paralelos claros no Espiritismo de Allan Kardec, particularmente em sua doutrina dos "espíritos errantes", que, segundo o Espiritismo, não atingiram a perfeição moral e permanecem presos ao plano terreno. Em muitas de suas obras, Kardec descreve uma hierarquia de espíritos de acordo com seu grau de evolução e sustenta que a alma deve progredir por meio de múltiplas encarnações para alcançar a realização espiritual. Esta visão é essencialmente gnóstica, pois propõe uma salvação baseada no conhecimento, no progresso interior e na libertação da alma do mundo material.
O preocupante é que alguns exorcistas contemporâneos, na ânsia de compreender certos fenômenos preternaturais, chegaram a consultar ou recomendar leituras de Kardec, sem saber que seu sistema doutrinário nega princípios básicos do cristianismo, como a encarnação única de Cristo, a ressurreição da carne, o julgamento imediato e a impossibilidade de qualquer comunicação com os mortos sem a permissão excepcional de Deus.
Essa abordagem não é simplesmente uma opinião teológica discutível, mas uma doutrina errônea que nega uma verdade definida pela Igreja: que o julgamento específico ocorre imediatamente após a morte (cf. Hb 9:27: "E, como aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo depois disto o juízo"). Além disso, reintroduz esquemas dualistas e esotéricos típicos do antigo gnosticismo, sempre combatido pela Igreja (cf. 1 Jo 4,1-3; Cl 2,8).
2. O testemunho unânime da fé católica: Bíblia, Magistério e Teologia
A tese de que algumas almas humanas permanecem errantes após a morte, sem terem sido julgadas por Deus, contradiz frontalmente o consenso doutrinário da fé católica sustentado ao longo dos séculos pela Sagrada Escritura, pelos Padres e Doutores da Igreja, pelo Magistério e pelo Catecismo da Igreja Católica. Este ensinamento não é uma mera opinião teológica, mas uma verdade definitiva, que faz parte do núcleo da escatologia cristã: imediatamente após a morte, cada alma comparece diante de Deus e recebe seu julgamento particular.
2.1. A Sagrada Escritura
Numerosas passagens bíblicas ensinam claramente que a morte é imediatamente seguida pelo julgamento, sem um estágio intermediário de peregrinação ou incerteza:
- Hebreus 9:27: "Aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo depois disto o juízo."
Esta declaração direta elimina a possibilidade de uma alma errante sem ter recebido o veredito divino.
- Lucas 16,22-23: Na parábola do rico e Lázaro, ambos os personagens morrem e são imediatamente conduzidos ao seu destino: Lázaro ao seio de Abraão, o rico ao Hades. Não há transitoriedade errante.
- Eclesiastes 11:3: "Onde a árvore cai, ali permanece: quer caia no sul, quer no norte."
Imagem clara da natureza definitiva do estado da alma após a morte.
- 2 Coríntios 5:10: "Todos nós devemos comparecer ante o tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o que tiver feito por meio do corpo."
Esse julgamento não é adiado nem gradual: ele ocorre imediatamente após deixar o corpo.
A Escritura também proíbe expressamente a evocação dos mortos (cf. Dt 18,10-12), sabendo que tal prática não só é inútil, mas também abre a porta ao engano demoníaco, que se faz passar por supostos "espíritos" para desviar a alma da verdade.
2.2. Santo Agostinho: a alma julgada na separação do corpo
Santo Agostinho ensina em A Cidade de Deus (Livros XX-XXII) que a alma, ao se separar do corpo, recebe imediatamente seu destino eterno, ou entra em um estado de purificação se ainda não estiver pronta para a visão de Deus. Ele rejeita qualquer noção de "espíritos errantes" que podem permanecer suspensos entre este mundo e o próximo sem julgamento.
Em De cura pro mortuis gerenda (c. 10), Agostinho admite que, por permissão divina, algumas almas podem aparecer aos vivos, mas isso é extraordinário, não um estágio natural de transição. Não há categoria intermediária entre os três estados tradicionais: glória, purgatório ou condenação.
23. São Tomás de Aquino: o juízo particular é imediato e definitivo
Na Summa Theologica, Supplementum, questão 69, São Tomás de Aquino afirma que:
"A recompensa por ações boas ou más deve ser dada à alma imediatamente após a morte, porque não há mais nenhum obstáculo para que ela receba sua recompensa ou punição."
Como a alma é uma substância espiritual com inteligência e vontade, ela é totalmente capaz de receber e compreender o julgamento divino sem a necessidade de um corpo.
São Tomás reconhece que Deus pode permitir aparições de almas, mas nunca como uma forma ambígua de existência, mas sim para propósitos providenciais muito específicos: aviso, pedido de oração ou manifestação de ordem divina. Em nenhum caso se fala em "almas perdidas" sem julgamento.
2.4. Bento XVI: Fé não é espiritualismo, mas encarnação e juízo
O Papa Bento XVI abordou a questão escatológica extensivamente, especialmente em suas obras Spe Salvi, Escatologia. Morte e Vida Eterna, Fé, Verdade e Tolerância e Introdução ao Cristianismo.
Em Spe Salvi, n. 44, escreve:
«O encontro com Cristo é o ato decisivo do juízo. A maneira como cada pessoa se apresenta diante Dele será a base do julgamento. O julgamento particular não é algo que ocorre muito tempo depois da morte, mas pertence à estrutura da própria morte.
Em Escatologia, ele afirma que:
«A ideia de reencarnação ou evolução espiritual após a morte dissolve a responsabilidade moral do agora e esvazia o juízo do seu carácter definitivo.»
E em Fé, Verdade e Tolerância ele critica diretamente as correntes espiritualistas modernas:
«O sincretismo moderno tende a reduzir a salvação a um processo interno de auto-realização. Mas o cristianismo é fé em um Deus que age na história, em um julgamento que decide e em uma ressurreição que envolve o corpo.
Bento XVI rejeita, portanto, qualquer sistema que proponha uma evolução post mortem da alma fora do julgamento, como fazem as doutrinas de Kardec e seus ecos gnósticos contemporâneos.
2.5. Catecismo da Igreja Católica: clareza dogmática
O Catecismo da Igreja Católica é explícito:
• N. 1022:
«Todo homem recebe em sua alma imortal, no momento mesmo de sua morte, sua retribuição eterna em um julgamento particular que remete sua vida a Cristo: ou uma purificação, ou ele entra imediatamente na bem-aventurança do céu, ou ele é imediatamente condenado para sempre.»
Não há espaço para um "quarto caminho" no qual a alma ainda não foi julgada e vagueia sem rumo pelo mundo físico.
• Nn. 2116-2117:
Eles condenam como pecado grave qualquer prática de adivinhação, espiritismo ou evocação dos mortos. Essas ações "ofendem a Deus ao buscar acesso a poderes ocultos" e "expõem a alma ao engano do diabo".
Ao considerar plausível que almas perdidas existam neste mundo, sem que tenham sido julgadas, introduz-se indiretamente a aceitação de práticas condenadas pela Igreja, como a invocação de espíritos ou a legitimação de experiências que poderiam ser de origem demoníaca.
Conclusão desta seção
A fé católica, baseada na Revelação divina, ensina unânime e claramente que toda alma, ao morrer, comparece imediatamente diante de Deus para receber seu julgamento. Esta verdade está enraizada nas Escrituras, defendida pelos grandes teólogos da tradição, reafirmada pelo Magistério mais recente e protegida pelo Catecismo.
Qualquer desvio que afirme o contrário – como a suposta existência de almas errantes sem julgamento – constitui um grave erro doutrinário, muitas vezes mascarado sob aparências pastorais ou piedosas, mas enraizado em correntes espiritualistas e gnósticas estranhas ao cristianismo. Diante desses desvios, a Igreja chama os fiéis à fidelidade à verdade revelada, ao discernimento espiritual sério e à esperança na vida eterna prometida por Cristo.
Por todas as razões expostas acima, é particularmente contraditório que alguns autores, embora afirmem verbalmente a doutrina do juízo particular e que o homem morre apenas uma vez (cf. Hb 9,27), introduzam declarações que induzem ao erro, como: "Depois do juízo particular, as almas que não estão preparadas não tomam conhecimento do juízo e talvez o tomem conhecimento mais tarde, enquanto vagueiam sem saber seu estado nem onde estão". Esta afirmação, além de carecer de respaldo bíblico ou doutrinário, incorre num pensamento de raiz gnóstica: supõe que Deus não pode comunicar-se plenamente com a alma no momento decisivo do seu destino eterno, ou que, se o fizesse, a alma não teria capacidade de compreender a sua situação.
Essa visão não apenas degrada a dignidade espiritual da alma humana, criada à imagem de Deus e dotada de inteligência, memória e vontade, mas também nega implicitamente a clareza do julgamento particular, que a Igreja ensina como um ato definitivo, cheio de luz, compreensão e consentimento. A alma, ao comparecer diante de Deus, vê toda a sua vida à luz da verdade, reconhece seu estado com completa lucidez e aceita seu destino eterno sem apelação.
Os supostos "estados intermediários" ou "fases de inconsciência espiritual" que alguns descrevem têm origem não na Tradição Cristã, mas nos tratados espiritualistas de Allan Kardec sobre a reencarnação e a evolução dos espíritos. A Igreja rejeitou firmemente essas doutrinas, que estão em total contradição com a fé católica e que apresentam uma alma sem julgamento, sem consciência e sem verdade. Isso é simplesmente impossível, uma vez que a sede do conhecimento e da memória reside na alma, e ela é ontologicamente capaz de receber — em particular o julgamento — a revelação completa de sua história, sua liberdade e sua responsabilidade diante de Deus.
3. A dimensão demoníaca e o risco do engano espiritual
A tese das “almas perdidas” não só representa um erro doutrinário do ponto de vista escatológico, mas também constitui um grave perigo espiritual . Sua disseminação e aceitação podem abrir portas para múltiplas formas de engano demoníaco, superstição e práticas condenadas pela Igreja. Em nome da compaixão ou da busca de respostas, muitos fiéis acabam se aproximando de doutrinas e experiências profundamente contrárias à fé revelada.
3.1. O disfarce do inimigo: quando o diabo se apresenta como uma alma sofredora
Um dos maiores perigos desta tese é que ela se presta ao disfarce premeditado do diabo, que se aproveita das emoções humanas para desviar a alma. São Paulo adverte claramente:
«Satanás disfarça-se em anjo de luz» (2 Cor 11,14).
Isso implica que o diabo pode adotar formas aparentemente inofensivas, e até compassivas, para ganhar a confiança do crente e semear confusão espiritual nele. Muitos fenômenos atribuídos a supostas "almas errantes" (como vozes, aparições, presenças em casas, movimentos de objetos, mensagens em sonhos ou sentimentos de opressão) foram discernidos, em contextos de oração ou exorcismo, como ações do maligno, destinadas a gerar medo, dependência, curiosidade doentia ou mesmo veneração indevida.
3.2. O terreno fértil do engano: dor, ignorância e desejo de conforto
O diabo não age arbitrariamente, mas aproveita-se de situações humanas frágeis , como o luto pela morte de um ente querido, o desejo de conforto, o medo do desconhecido ou a necessidade de uma explicação diante de fenômenos estranhos. A isto se soma, muitas vezes, a falta de formação doutrinária, o que faz com que muitos católicos sinceros não consigam distinguir entre uma legítima oração pelos defuntos e uma prática espiritualista oculta.
A alma humana, emocionalmente ferida pela perda, pode ser tentada a "comunicar-se" com o falecido, invocá-lo, buscar sinais, interpretar sonhos ou consultar livros sobre espiritismo. Sob o pretexto de "ajudar" ou "libertar" as supostas almas em sofrimento, passa-se a interagir com entidades que não vêm de Deus, mas que enganam e contaminam a relação da alma com o Deus verdadeiro.
3.3. O perigo das práticas ocultas disfarçadas de piedade
Em muitos casos, o que começa como uma intenção piedosa – "rezar pela alma de alguém que parece estar se manifestando" – degenera, sem que os fiéis percebam, em formas práticas de espiritismo, claramente condenadas pela Igreja. Isso inclui:
- Falando em voz alta com supostas almas.
- Peça-lhes sinais ou respostas.
- Faça “lançamentos” improvisados para “mandá-los para a luz”.
- Invocar nomes, repetir fórmulas não litúrgicas ou usar objetos fora da tradição sacramental.
Tudo isso contradiz o primeiro mandamento: “Não terás outros deuses diante de mim” (Êx 20,3). Quando o crente dá autoridade a presenças espirituais não discernidas, ele atribui a elas um papel que pertence somente a Deus. Segundo o Catecismo da Igreja Católica, nos números 2116 e 2117, qualquer prática de adivinhação, evocação de espíritos ou tentativa de conhecer o futuro por meio de entidades espirituais fora da fé é uma forma de idolatria e falta de confiança na Providência.
«Todas as formas de adivinhação devem ser rejeitadas: o recurso a Satanás ou aos demônios, a evocação dos mortos ou outras práticas que pretendam revelar o futuro. [...] O recurso às práticas espiritualistas encerra em si um desejo de poder sobre o tempo, sobre a história e, em última análise, sobre os homens, ao mesmo tempo que um desejo de conciliar poderes ocultos. É contrário ao respeito e à confiança que devemos somente a Deus. (CIC, 2116)
3.4. A ligação com o oculto: uma entrada camuflada
Muitos que começam aceitando a hipótese das "almas errantes" como algo pastoral acabam sendo atraídos para livros, sessões ou práticas esotéricas que levam direta ou indiretamente ao ocultismo. O espiritualismo de Allan Kardec — que influencia muitos que espalham essa teoria — nunca foi neutro. Ela propõe uma visão do mundo e da alma completamente alheia ao cristianismo: nega o julgamento particular, nega o inferno eterno, propõe a reencarnação, introduz a hierarquia dos espíritos e promove o contato regular com entidades espirituais. Tudo isso é incompatível com a fé católica.
A prática do espiritismo – mesmo que em linguagem cristã – é uma forma camuflada de gnosticismo, onde o conhecimento do oculto, a intervenção de entidades superiores ou a auto-salvação substituem o papel de Cristo como único mediador.
3.5. A resposta católica: verdade, oração, prudência
A única resposta segura e santa aos fenômenos espirituais ou estranhos é aquela ensinada pela Igreja:
- Não se envolva em diálogos com presenças espirituais.
- Não procure sinais ou respostas no oculto.
- Ofereça orações e súplicas pelos falecidos, sem presumir onde eles estão ou tentar contatá-los.
- Consulte um padre com critérios teológicos se você suspeitar de qualquer manifestação sobrenatural.
- Confie plenamente no julgamento e na misericórdia de Deus, não em revelações subjetivas
Como recorda São João:
«Amados, não deis crédito a qualquer espírito, mas provai os espíritos para ver se procedem de Deus» (1 Jo 4,1).
E como insiste São Paulo:
“Ninguém vos engane com palavras vãs, porque é por causa dessas coisas que vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência” (Ef 5:6).
3.6. A autoridade da Igreja no discernimento espiritual: contra a tese das “almas perdidas”
A Igreja, mãe e mestra, não só transmite a verdade revelada sobre a alma e seu destino eterno, mas também fornece critérios firmes para discernir fenômenos espirituais estranhos ou perturbadores, especialmente aqueles que se apresentam como "manifestações de almas" que não foram julgadas. Nesse sentido, os princípios oferecidos nos Praenotanda do Ritual dos Exorcismos e no documento Fé Cristã e Demonologia da Comissão Teológica Internacional constituem uma luz teológica altamente autorizada para rejeitar a tese das chamadas "almas perdidas".
a) Os Praenotanda do Ritual dos Exorcismos: prudência e obediência ao Magistério
Os Praenotanda nos lembram que não se deve atribuir levianamente uma origem demoníaca ou espiritual a todo fenômeno inexplicável, nem formular teorias paralelas à escatologia católica, como a existência de almas errantes. Ele adverte expressamente:
«Os ministros ordenados, e especialmente os bispos e os exorcistas, devem julgar com cuidado, discernindo se há realmente uma influência diabólica presente ou se se trata de outros fatores» (Praenotanda, n. 19).
Isto implica que nenhum exorcista pode, a título pessoal, introduzir doutrinas novas ou contraditórias com o dogma definido no juízo particular imediato, nem mesmo como hipótese pastoral. Experiências ou manifestações interpretadas como "almas sem julgamento e sofrendo" devem ser analisadas com extrema cautela, tendo em mente que o diabo pode simular estados espirituais, falsificar emoções humanas e fingir compaixão, tudo com o objetivo de desviar a atenção da verdade cristã.
Além disso, o Praenotanda insiste que todo ministério de libertação seja realizado dentro da sã doutrina da Igreja e sob obediência à autoridade eclesiástica. Portanto, aceitar ou disseminar publicamente a existência de almas não julgadas como um fenômeno comum vai contra o discernimento que o Ritual exige.
b) Fé cristã e demonologia: o diabo como falsificador da verdade revelada
O documento Fé Cristã e Demonologia ensina que o diabo age dentro dos limites permitidos por Deus, mas sua estratégia é sempre a mesma: mentir , distorcer a verdade e obscurecer a revelação de Cristo. Em seu n. 4 leituras:
"Aquilo que contradiz o ensinamento comum e constante da Igreja não pode ser aceito como revelação ou manifestação da verdade divina, mesmo quando acompanhado de sinais extraordinários."
Aplicado à tese das "almas perdidas", esse princípio exige que qualquer fenômeno espiritual que leve alguém a crer que a alma pode permanecer vagando após a morte, sem julgamento, em contato com os vivos, deve ser rejeitado imediatamente, independentemente das emoções, visões ou experiências que o acompanham. A revelação é clara: a alma é julgada imediatamente e seu destino não é à deriva.
O documento acrescenta que muitos erros demonológicos surgem de uma mistura de experiências pessoais, teologias marginais e falta de formação doutrinária, o que ocorre justamente naqueles que, sem serem teólogos ou autorizados pela Igreja, interpretam certos fenômenos como a presença de "almas errantes" e, além disso, difundem essas ideias sem respaldo magistral.
c) Verdadeiro discernimento: fidelidade, não novidade
Ambos os documentos insistem que o critério supremo do discernimento espiritual não é a intensidade da experiência, nem sua emotividade, nem seu "fruto aparente", mas sua fidelidade à doutrina segura da Igreja. Não basta que algo “funcione” ou “traga conforto”: se contradiz o Evangelho, os Padres, os Concílios e o Catecismo, não vem de Deus.
Nesse contexto, a proposta de que há "almas humanas sem julgamento vagando pelo mundo" é, à luz desses documentos, não apenas improvável, mas perigosamente enganosa. Constitui uma falsificação do julgamento particular, obscurece o mistério do purgatório e facilita a infiltração do espiritualismo moderno, que substitui a graça por experiências.
4. Reação Cristã Apropriada
Diante da crescente difusão da teoria das chamadas "almas perdidas" ou "almas errantes", os cristãos fiéis à doutrina católica são chamados a adotar uma atitude clara, firme e prudente. Não basta rejeitar o erro: é preciso entender sua raiz, prevenir suas consequências e viver ativamente na verdade revelada. A reação apropriada deve, portanto, ser doutrinariamente informada, espiritualmente lúcida e pastoralmente caridosa.
4.1. Rejeição firme de toda doutrina contrária ao julgamento particular imediato
A primeira atitude deve ser uma rejeição consciente, explícita e serena de qualquer teoria — formulada em termos esotéricos ou supostamente cristãos — que negue ou relativize o ensinamento católico sobre o julgamento individual imediato após a morte. Não há espaço na ortodoxia católica para teorias que postulam áreas cinzentas, almas errantes, reencarnações ou processos evolutivos da alma além da morte sem julgamento. Afirmar tais coisas não é uma "opção pastoral" nem uma "hipótese espiritual", mas uma heresia prática que desfigura a antropologia cristã e a escatologia revelada.
4.2. Fidelidade ao ensinamento perene da Igreja
O cristão deve apegar-se com confiança e alegria ao claro ensinamento da Igreja, expresso pelos Padres, pelos Doutores, pelos Concílios e pelo Magistério universal: toda alma humana, ao morrer, entra imediatamente na presença de Deus para ser julgada, e seu destino é a glória eterna, a purificação temporária do purgatório ou a condenação definitiva. Essa certeza não é motivo de medo, mas de esperança, porque mostra que a vida tem um peso eterno e que Deus não deixa ninguém na ambiguidade.
4.3. Rejeição de todas as formas de comunicação ou evocação dos mortos
Como ensina o Catecismo da Igreja Católica (n. 2116-2117), toda forma de tentativa de comunicação com os mortos fora do quadro lícito da oração cristã e da intercessão eucarística é estritamente proibida. Isso inclui:
- Consulte médiuns, paranormais ou os chamados "libertadores de almas".
- Realize rituais não litúrgicos de despedida, "envio para a luz" ou diálogo espiritual.
- Procure sinais ou respostas por meio de sonhos, objetos, vozes ou sensações atribuídas ao falecido.
Tudo isso não é compaixão, mas transgressão espiritual. A alma do falecido deve ser confiada à misericórdia de Deus, não ao controle humano.
4.4. Oração pelos falecidos: a verdadeira caridade
A única ação legítima e santa do cristão em relação aos defuntos é rezar por eles com confiança, especialmente através de:
- A oferta da Santa Missa, que é o sacrifício redentor de Cristo.
- A recitação do terço, o Terço da Misericórdia e o Ofício dos Defuntos.
- Sufrágios pessoais como jejum, esmola, penitências ou obras de caridade oferecidas por sua alma.
- Obter indulgências aplicáveis às almas do purgatório, especialmente em novembro ou durante o Ano Jubilar.
Essas práticas são atos de amor, não de controle. Eles não buscam contatar, mas interceder e confiar.
4.5. Discernimento espiritual firme e bem formado
Todo fenômeno espiritual — aparições, vozes, sonhos, sensações — deve ser interpretado com muita cautela e sempre sob a orientação da Igreja. Nenhuma experiência subjetiva pode contradizer a fé revelada. O critério de discernimento não é a emotividade ou a intensidade da experiência, mas sua coerência com a Escritura, a Tradição e o Magistério. Mesmo em contextos de oração e cura, o cristão deve ter cuidado para não introduzir elementos doutrinariamente duvidosos ou ambíguos.
4.6. Treinamento doutrinário constante
Para não serem arrastados por modismos espirituais, os cristãos precisam estar firmemente alicerçados no conteúdo da fé católica. Não basta a boa vontade: é preciso saber claramente o que a Igreja crê, ensina e vive. Isso envolve estudar o Catecismo, ler autores fiéis ao Magistério, evitar canais esotéricos ou livros disfarçados de cristãos e sempre buscar a orientação de padres bem treinados. Uma fé informe está aberta à manipulação.
Conclusão
A tese das almas perdidas, apresentada como hipótese pastoral ou como explicação de fenômenos extraordinários, é profundamente contrária à fé católica. Não tem fundamento na Sagrada Escritura, contradiz o Magistério constante da Igreja e é incompatível com a teologia dos grandes doutores cristãos. Suas raízes doutrinárias estão contaminadas por elementos gnósticos e espiritualistas, que minam a esperança cristã na vida eterna, enfraquecem a confiança no julgamento de Deus e expõem os fiéis ao engano do diabo.
Sob uma aparência compassiva ou piedosa, essa teoria introduz erros graves sobre a alma, o julgamento e a vida após a morte. Sua disseminação, mesmo entre alguns exorcistas ou agentes pastorais mal treinados, representa um sério perigo para a doutrina, a fé e a vida espiritual dos fiéis. Esta não é uma questão menor, mas uma distorção do coração do Evangelho, que é a vitória de Cristo sobre a morte, o pecado e o diabo.
Diante deste erro, a Igreja proclama firmemente a verdade luminosa do juízo particular, a necessidade de rezar pelos defuntos em chave de intercessão e não de evocação, e a firme esperança na ressurreição e na vida eterna. A morte não é um caos espiritual, mas o momento do encontro definitivo com Cristo. Portanto a Escritura diz:
“Não se deixem enganar por doutrinas estranhas” (Hb 13:9)
E também:
"Bem-aventurados os mortos que morrem no Senhor! Descansa agora dos teus trabalhos, pois as tuas obras te seguem" (Ap 14:13).
Que esta verdade nos sustente na fé e nos preserve de todo erro.
Fonte - infocatolica

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