segunda-feira, 7 de julho de 2025

Um dos grandes males do nosso tempo: a luxúria

"Paolo e Francesca". Obra de Frank Dicksee (1853-1928).

  

 

Por

«Facilis descensus Avernus»Virgílio. Eneida   

 "Um velho mundo está a morrer, um novo mundo está a demorar a nascer,  e nesse claro-escuro surgem monstros." António Gramsci. Cadernos do Cárcere

"O estado de um homem moral é de tranquilidade e de paz; o estado de um homem imoral é de perpétua inquietação". 
Marquês de Sade

 "A luxúria é uma coisa fraca, pobre, chorosa e sussurrante, comparada com a riqueza e a energia do desejo que surgirá quando a luxúria for eliminada".  C.S. Lewis 

"A raça humana está sob o poder do diabo mais por causa da luxúria do que por todos os outros vícios".  São Bernardo

Acho que está na altura de falar de uma questão que poucas pessoas querem falar, mas que é um dos maiores problemas do nosso tempo.

"A que problema se está a referir?", poderá perguntar.

O filósofo Edward Feser coloca-o desta forma:

«O mundo está a arder por causa do que as pessoas fazem no quarto: milhões de bebés abortados, milhões de crianças órfãs presas no crime e na pobreza, milhões marcadas pelo divórcio e pela instabilidade familiar, milhões viciadas em pornografia, milhões de mulheres abandonadas depois de serem usadas por homens, inúmeras mentes perturbadas que nem sequer sabem qual é o seu sexo.»

Este é o mundo que deixamos aos nossos filhos. Um mundo marcado por um pecado particularmente desestabilizador, que lança a sua sombra negra sobre a sociedade que o acolhe: a luxúria.

Pois não se deixem enganar: os pecados sexuais atacam diretamente a nossa natureza social, destabilizando a família, a célula básica de toda a sociedade. Mas, ao mesmo tempo, também atacam a nossa natureza racional. Como ensinam Tomás de Aquino, Platão e Aristóteles antes dele, a luxúria, mais do que qualquer outro pecado, transporta consigo a tendência para subverter o pensamento racional, obscurecendo o intelecto. Já falei sobre isso aqui.

Por todas estas razões, estes pecados da carne são gravíssimos, mesmo que não sejam os mais graves. E, neste momento, destacam-se negativamente sobre quase todos os outros, agindo como cargas de detonação estrategicamente colocadas nos pilares fundamentais da nossa cultura e sociedade. De facto, como nos diz Tomás de Aquino, a luxúria é um vício capital, "precisamente por aquilo que é particularmente veemente no seu objeto, que torna os homens extremamente impelidos para ela".

A Igreja sempre entendeu dessa forma. Tradicionalmente, ela enumera os piores pecados sexuais ao lado daqueles que "clamam ao Céu por vingança". Por isso, sejamos realistas: não se pode ser a favor de algo bom sem ser contra a imoralidade sexual. A moral sexual é o fundamento da civilização porque molda o seu próprio fundamento: a família.

Feser resume bem:

Como Tomás de Aquino teria previsto, a fornicação generalizada resultou num enorme número de crianças empobrecidas, delinquentes e mortas. Assim, o sexo, cujo fim natural é gerar, nutrir e educar filhos, conduz agora regularmente, através da ilegitimidade e do aborto, ao empobrecimento, à corrupção moral e ao assassinato de crianças.

Mas a recusa do Ocidente em reconhecer esta realidade exclui — ou talvez apenas dificulte — qualquer possibilidade de restaurar uma civilização que parece já perdida. Isto manifesta-se em distúrbios como o divórcio, o sexo pré-matrimonial e casual, o aborto, os "casamentos" falsos entre pessoas do mesmo sexo, a castração em massa de crianças e a pornografia disponível para todos — mesmo para os mais novos. E esta falta de reconhecimento demonstra a profundidade da sua depravação. 

A estratégia do inimigo e o verdadeiro propósito do sexo

Como lamentavelmente temos observado nos últimos dias, muitos ou não se apercebem do perigo, ou o desvalorizam, ou não o consideram urgente. Mas o Inimigo, claro, não age dessa forma. Wilhelm Reich escreveu: "O processo sexual da sociedade sempre foi o cerne do seu processo cultural". E Engels observou que, em cada grande revolução, a questão do "amor livre" vem ao de cima.

O Inimigo e os seus capangas compreendem a importância crucial do sexo e, sobretudo, da concepção que dele reside na mente dos homens. Asmodeus e os seus auxiliares são tremendamente eficazes no seu trabalho de incitação, mentiras e confusão. O amor que Francesca e Paolo (os protagonistas da pintura no topo deste artigo) invocaram perante Dante na sua morada infernal era equívoco; era um instinto animal disfarçado sob a palavra sagrada "amor", um amor falso, distorcido e aberrante no seu objeto (neste caso, por causa da sua relação adúltera). Assim, o que Francesca e Paolo invocam em sua defesa não é o mesmo que arrastará Dante, pela mão da sua Beatriz, à visão final do Paraíso; nem nasce do Amor que, como origem e fim de tudo, "move o Sol e as outras estrelas". Trata-se de um uso perverso da ideia de amor, que conserva apenas o seu nome e que, perdido o rumo, flutua, desordenado e perdido, na direção errada.

E esquecemo-nos do ponto essencial: que o sexo não é apenas um prazer egoísta. O seu propósito é fundar famílias. O prazer sexual é bom, mas sempre dentro do casamento, virado sobretudo para a procriação e, secundariamente, como remédio para a concupiscência. Marido e mulher têm o dever moral e social de manter uma vida sexual saudável, porque um casamento sólido é a base para a educação e desenvolvimento dos filhos.

E esse esquecimento está a custar-nos caro. 

O poder do impulso sexual e os seus perigos

Não se trata de uma questão trivial. O impulso sexual tem uma força enormemente perturbadora. A carne é fraca. Francis Burton, na sua Anatomia da Melancolia, escreve sobre a força tempestuosa do sexo desenfreado e descontrolado:

A sabedoria de Salomão extinguiu-se no fogo da luxúria; a força de Sansão enfraqueceu; as filhas de Lot esqueceram a sua piedade; os filhos de Eli, a seriedade do sacerdócio; o respeito pela velhice perdeu-se nos anciãos que queriam violar a Susana; Absalão estragou o seu amor filial pela madrasta; Amnom, o seu amor fraterno pela irmã. As leis divinas e humanas, os preceitos, as exortações, o temor de Deus e dos homens, os recursos honestos e desonestos, o bom nome, a fortuna, a vergonha, a desgraça e a honra não podem confrontar esta paixão, sufocá-la ou resistir-lhe.

Shakespeare descreve-a no Soneto 129 como algo que "desperdiça o fôlego", "assassino", "brutal", que na sua posse provoca a loucura e, depois da alegria, deixa o desprezo e o vazio. "Tudo isto o mundo sabe, e ninguém conhece meios / Para escapar a um céu que lança todos neste inferno."

A intensidade única do prazer sexual pode perturbar-nos se não tivermos cuidado. O desejo sexual pode facilmente tornar-se irracional ou desordenado devido à sua intensidade perturbadora. Isto ocorre quando uma pessoa se lhe entrega de uma forma que frustra os seus fins naturais.

Feser, com uma perspectiva tomista, explica:

O sexo é extremamente prazeroso porque, apesar do seu enorme custo — a responsabilidade de criar novos seres humanos — a natureza impele-nos fortemente para ele. Além disso, é o ato que consuma, física e emocionalmente, uma relação amorosa, acrescentando uma dimensão psicológica muito poderosa.

No entanto, continuamos cegos a tudo isto. Uma cegueira que decorre — oh, paradoxo! — do próprio vício que somos incapazes de discernir. A maior prova desta ofuscação é que o sexo, cujo propósito natural é gerar e nutrir filhos, conduz hoje regularmente ao seu empobrecimento físico e psicológico e, pior ainda, ao seu assassinato em massa. Isto é imensamente perverso, assim como o facto de sermos incapazes de o ver.

Mas a questão não se limita aos efeitos sobre o indivíduo isoladamente. 

Do individual ao coletivo: a "libertação sexual" como controlo social.

Não falo apenas de um pecado grave. Esta questão, como todas as questões que afetam a humanidade, transforma-se, para além de certas dimensões, numa questão social e, portanto, numa questão política.

Qualquer pessoa que analise honestamente os últimos 70 anos de "libertação sexual" verá que esta não trouxe mais benefícios do que malefícios, muito pelo contrário. Não é segredo para ninguém que a luxúria é também uma forma de vício. Certos sectores sedentos de poder sabiam disso e sabem, e exploraram e continuam a explorar esta situação em benefício próprio. Por outras palavras, a chamada "liberdade sexual" é, na verdade, uma forma de controlo social; gera uma nova forma de escravatura e deu lugar a novos senhores.

Portanto, quando aqueles que “querem os nossos melhores interesses” falam sem parar sobre este tema da “liberdade”, é uma indicação clara de que aquilo de que estamos realmente a falar aqui é de escravidão moral.

Claro que isto remonta a muito tempo, possivelmente à expulsão do Éden; mas o seu uso político, como meio de controlo, é mais moderno. Talvez os seus primeiros passos se encontrem no Iluminismo: se o universo é uma máquina cuja principal força é a gravidade, também se poderia pensar que o homem é igualmente uma máquina cuja principal força reside no interesse próprio e cujo motor é movido por paixões. E de todas as paixões — como vimos — as paixões sexuais são as mais explosivas e poderosas. A partir daí, não foi difícil para alguns chegarem à conclusão de que o homem que controlasse estas paixões controlaria outros homens, como estamos a ver. 

Advertências e Profecias Históricas

Talvez um dos aspectos mais dolorosos desta questão seja o facto de também nos ter sido anunciada há algum tempo. Platão, na sua República, alerta que o homem democrático, desejando ser desprovido de senhor, acaba por rejeitar todas as formas de lei e sustenta que todos os prazeres são iguais e devem ser igualmente satisfeitos.

Assim, a ideia de uma ordem natural das coisas, que dita que certos desejos são desordenados e devem ser controlados pela razão, é odiosa e inaceitável para este tipo de homens. Como resultado, a poesia, a música e a arte em geral, carentes de controlo, orientação ou propósito, são corrompidas pela falta de graça, ritmo e harmonia. Tudo isto, segundo Platão, conduz a uma cultura que glorifica a maldade, a intemperança, a vileza e a fealdade. Uma situação que inflige graves danos aos cidadãos, sobretudo crianças e jovens, ao acumular nas suas almas uma grande quantidade de maldade e vício, o que corrompe a sua sensibilidade moral e a sua capacidade de argumentação racional.

Mas não ouvimos. Nem sequer demos ouvidos ao maior dos avisos: lembrem-se de que em Fátima fomos avisados ​​​​muito claramente de que o casamento e a família seriam o campo de batalha final. E assim continua...

Para terminar, deixo-vos com dois parágrafos proféticos. Um foi escrito por Edmund Burke há cerca de 200 anos. O outro foi-nos deixado 100 anos depois por Chesterton na sua obra essencial "A Fonte e o Pântano".

Burke diz que:

A sociedade não pode existir a não ser que seja exercido um poder de controlo sobre a vontade e o apetite; e quanto menos houver dentro, mais deve haver fora. Está ordenado na constituição eterna das coisas que os homens de mentes intemperantes não podem ser livres. As suas paixões forjam os seus grilhões.

E Chesterton acrescenta:

Coube aos cristãos posteriores, ou melhor, aos primeiros cristãos, que se dedicavam inteiramente à blasfémia e à negação do cristianismo, inventar uma nova forma de culto sexual, que nem sequer é um culto da vida. Coube aos modernistas posteriores proclamar uma religião erótica que, embora exalte a luxúria, proíbe a fertilidade.

Ora, mesmo num mundo mergulhado no vício da luxúria, o coração do homem pode abrigar a esperança. Como disse São Paulo, onde abundou o pecado, superabundou a graça, como veremos em alguns exemplos literários que abordarei em posts futuros.

 

Fonte - infocatolica


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