Os teólogos da espiritualidade ensinam que a perfeição cristã consiste na conformidade com a vontade de Deus porque submete a vontade do homem no beneplácito de Deus. Tal conformidade é o caminho indispensável que leva à santidade e é traçado pelo próprio Deus para cada ser humano e não lhe resta que percorrê-lo com alegre entusiasmo.
À primeira atitude da criatura perante o Criador é o reconhecimento do amor de Deus, da supremacia divina, feito submissão, adoração e de ação de graças. Mas, como narra o trito-Isaías, houve uma revolta entre os Anjos e muitos caíram (cf. Is 14, 12-15).
Os Padres da Igreja interpretam esta passagem do trito-Isaías como a queda dos Anjos rebeldes chefiados por Luz Bel.
São João nos conta, no livro da Revelação que houve uma batalha no céu e o Dragão foi derrotado e não se encontrou mais lugar para eles no Céu (cf. Ap 12, 7-8).
O adversáro do plano divino não podendo se opor ao Criador, astuto como é, seduziu o homem, invejoso de sua felicidade (cf. Gn 3, 1; Sb 2, 24) e houve desobediência do homem à ordem de Deus (cf. Gn 2, 17): dependência criatural, aceitação dos limites da liberdade humana, submissão à autoridade divina.
O casal primeva sabia disto (cf. Gn 3, 3) mas deixou-se fascinar (cf. Gn 3, 6-7s) pelo pai da mentira (cf. Gn 3, 4-5). Celebraram, então, um sacramento de morte: a desobediência, ato pelo qual, consciente e deliberadamente, o homem se opõe a Deus, violando um dos seus preceitos (cf. Gn 3, 3). Mas além desse ato exterior de rebelião o Livro expressamente menciona um ato interior do qual aquele procede: desobedeceram Adão e Eva, porque, cedendo à sugestão da serpente quiseram ser como deuses que conhecem o bem e o mal tomando-se a si próprios por medida, pretendiam ser os únicos senhores de seus destinos e disporem de si a seu bel prazer, recusando-se a depender d'Aquele que os criara, pervertendo assim, a relação que unia o homem a Deus.
Segundo a narrativa da criação (cf. Gn 2), esta relação não era apenas de dependência, mas de amizade. Ao homem criado à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1, 26s), o Deus da cultura vétero-testamentária nada havia recusado, nada reservara para Si, nem mesmo a vida (cf. Sb 2, 23). E eis que, por instigação do pai da mentira, Eva e depois Adão se põem a duvidar desse Deus infinitamente generoso: o preceito dado para o bem do homem (cf. Rm 7, 10) não passaria dum estratagema inventado por Deus para salvaguardar seus privilégios e a ameaça acrescentada ao preceito não passaria de uma mentira (cf. Gn 3, 4s). Desconfia o homem de Deus que se tornou seu rival.
A própria noção de Deus está pervertida. A noção de Deus soberanamente desinteressado, porque soberanamente perfeito, a quem nada falta e que não pode senão dar está substituída pela de um ser indigente, interessado, todo ocupado em se proteger contra sua criatura.
Antes de provocar o gesto do homem, o pecado corrompeu seu espírito e, como atinge na sua própria relação com Deus, de cujo é a imagem, não se poderia conceber perversão mais radical nem se espantar de que acarrete consequências tão graves. Mudou tudo entre Deus e o homem: esse é o veredicto da consciência.
Antes mesmo de sobrevir o castigo propriamente dito (cf. Gn 3, 23), Adão e Eva, que gozavam da familiaridade divina (cf. Gn 2, 25) ocultaram-se de Javé, entre as árvores (cf. Gn 3, 8). Partiu do homem a iniciativa e a ele cabe a responsabilidade da culpa. Foi ele que nada mais quis com Deus e lhe fugiu à presença. A expulsão do Paraíso ratificará essa vontade do homem mas, este então, há-de verificar que a ameaça não era uma mentira. Longe de Deus (cf. Gn 3, 22), não há acesso à árvore da vida. Resta apenas a morte definitiva.
Tal fato introduz uma ruptura entre os membros da sociedade humana desde o Paraíso, no próprio seio do casal primeva. Imediatamente após cometerem o pecado, desolidariza-se Adão acusando àquela que lhe dera Deus como companheira (cf. Gn 2, 18.33) e o castigo consagra esta ruptura (cf. Gn 3, 16). Em seguida, essa ruptura estender-se-á aos filhos de Adão (cf. Gn 4, 8.24).
A narrativa deste primeiro pecado não termina sem que seja dada ao homem uma esperança. Veio do homem a iniciativa da ruptura, é claro que a iniciativa da reconciliação não pode vir, senão, de Deus. E exatamente, já desse primeiro relato faz Deus entrever que tornará um dia tal iniciativa (cf. Gn 3, 15). A bondade de Deus, desprezada pelo homem, finalmente há-de triunfar; ela vencerá o mal (cf. Rm 12, 21).
Este é o drama do pecado causado pela desobediência. Desobedecendo, Adão arrasta consigo todos os seus descendentes (cf. Rm 5, 19) e, mesmo que o homem quisesse obedecer a Deus, já não é capaz (cf. Rm 7, 14), porque escravo do pecado. Soubesse, ao menos, aprender da criação (cf. Br 3, 34s).
Santinácio, L. Caminhos de Santidade. pp. 47-49.

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