terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A confusão.

Se a trombeta só der sons confusos, quem se preparará para a batalha?” (I Cor 14,8)
Por Marcela A. de Castro
- Acorda, Fabrício! O Gabriel tá no telefone. Ele disse que tentou te ligar umas três vezes pelo celular.
- Nhum nhum nhum, – balbuciou o jovem relutante enquanto cobria a cabeça com o travesseiro. – Mãe, diz pra ele que eu tô dormindo.
- Menino, levanta dessa cama que já são quase 10h e você tem que me levar no shopping para comprarmos o presente do seu avô.
Na noite anterior Fabrício fora para a cama às duas da manhã, completamente exausto. Depois do trabalho agitado na corretora de valores e da faculdade de Letras à noite, ainda tivera que dar uma mexidinha no visual do blog. Tudo o que queria era ter a manhã de sábado livre para relaxar. À tarde iria ao Carmelo de Santa Maria ouvir Missa Tradicional com sua noiva Luiza.
Para o jovem de Guarulhos, o Pro Traditione tornara-se uma parte essencial de sua rotina diária. Ele e seu amigo Gabriel, da capital, traduziam com prazer as mais diversas notícias do mundo católico, especialmente, aquelas relacionadas à promoção do Rito Antigo. Criam firmemente que estavam prestando um serviço à Igreja, na medida em que proporcionavam aos católicos tradicionais do Brasil notícias e traduções inéditas de tudo o que envolvesse a Missa de São Pio V, denúncias do modernismo e estudos sérios sobre os frutos não muito doces do Concílio Vaticano II.
Gabriel, por sua vez, já concluíra a faculdade de biblioteconomia e trabalhava em uma importante instituição francesa no centro de São Paulo. Os dois se comunicavam várias vezes ao dia por e-mail para trocarem idéias sobre o blog. Gabriel era o responsável pelas traduções do francês, italiano e alemão, além da moderação dos comentários. Fabrício ficava com a parte de inglês e espanhol, além da diagramação. Às vezes recebiam uma contribuição de Reginaldo, que entendia tudo de informática e também manjava um pouco de italiano. Ao menos uma vez por mês os três jovens se reuniam na capital para trocar idéias. Algumas vezes convidavam o padre Prudêncio, do Oratório de São Geraldo Majela; outras vezes tinham a companhia do Dr. Cláudio, um dentista aposentado, que era um verdadeiro especialista em canto gregoriano e freqüentava a missa tradicional na mesma capela que Gabriel.
O fato era que em poucos anos o Pro Traditione tornara-se uma fonte de consulta indispensável, respeitado tanto por tradicionalistas, que liam avidamente os artigos ali postados, como por católicos ditos conservadores, que pouco a pouco passaram a perceber que existia vida católica pulsante fora de seus esquemas contaminados de modernismo.
* * *
- Cara, cê já tá sabendo?
- Como assim, meu?
- Dom Precipitácio escreveu um artigo horrível no sítio dele!
- Ah? Do que cê tá falando?
- Vai lá no Resistência e dá uma olhada. Ele armou a maior confusão. Já recebemos vários comentários. Até o pessoal da Fraternidade de São Gregório Magno percebeu a mancada dele.
- Peraí, Gabriel. Ainda tô inicializando. Ontem fui dormir tarde pra caramba.
- Vem cá, cê não quer dar um pulo aqui em Sampa amanhã? A gente vai à missa de manhã e depois sai pra almoçar.
- Fechado. Agora me deixa acabar de dormir. A gente se vê amanhã. – despediu-se Fabrício com os cabelos arrepiados, olhos remelentos e um longo bocejo.
* * *
- O que nos chateou foi que ele escreveu um artigo confuso e desonesto. Ele leu uma coisa e respondeu outra completamente diferente. Tive a impressão que ele leu às pressas e correu pro computador. – desabafou Gabriel.
- Eu fiquei pasmo. Como alguém que se diz monge tradicional, que, provavelmente, recebeu uma dose cavalar de lógica aristotélica no seminário, pode ter dado uma mancada dessas? – indagou-se Fabrício.
- Acho que ele queria fazer uma média com a Fraternidade de São Gregório Magno. – acrescentou Reginaldo. – Gunhé gunhé gunhé, a onde está o meu mingauzinho? Vou berrar pra chamar a atenção das pessoas. – debochou Fabrício, rolando os olhos e fazendo trejeitos de bebê, o que provocou a gargalhada instantânea de seus interlocutores.
- Mas porque será ele não falou do blog que primeiramente publicou o artigo e se voltou justamente para nos atacar?
- Fabrício não seja bobinho, ele criticou o Pro Traditione porque é um blog em evidência, cada vez mais lido e consultado pelos trads – respondeu Reginaldo.
- Devo admitir que essa atitude de Dom Precipitácio também me espantou. O artigo escrito pelo padre do Instituto Bom Redentor versava basicamente sobre um suposto conselho do superior do Distrito Francês da Fraternidade de São Gregório Magno para que os fiéis não freqüentassem missas celebradas por padres em situação canônica regular. Ele mencionou também outro padre que, em 2008, havia dado um conselho no sentido de que caso os fiéis fossem a tais missas se abstivessem de comungar. Então, o padre do Bom Redentor pedia explicações sobre esse procedimento. Era disso que o artigo tratava. Até então sabíamos que esse era um conselho básico para a missa nova, mas não para a missa tradicional celebrada por outros institutos tradicionais. Aí veio Dom Precipitácio e escreveu aquele artigo chinfrim deturpando tudo e falando sobre Assis, que não tinha nada a ver com o artigo publicado. Ele confundiu alhos com bugalhos e ainda nos ofendeu, dizendo que o pano tinha caído. – resumiu Gabriel.
- Meus jovens, não fiquem tão agitados. Acho que Dom Precipitácio estava num mau momento. Creio que ele já está nessa batalha há tanto tempo que acabou se confundindo. Ele apontou as flechas para o inimigo errado. Já vi esse filme antes em outros lugares. Creio que ele vai cair em si e ver que fez uma confusão.
- Pois é, Dr. Cláudio, mas se ele é mesmo um monge da Tradição não faltará com a verdade. Mesmo que o texto do padre do Bom Redentor defendesse o encontro em Assis, o que não é verdade, todo mundo já tá careca de saber a posição do blog a esse respeito. Antes mesmo desse episódio, já tínhamos publicado várias matérias sobre o encontro de Assis, inclusive a carta daquele grupo de católicos que implorava ao papa para cancelar o evento.
- Essa estória de dizer que ‘o pano caiu’ é uma grande palhaçada. Nós nunca dissemos que éramos assessores de imprensa da Fraternidade de São Gregório Magno. Acho que deveríamos escrever um editorial com o título “Em Defesa da Razão” ou “Em Defesa da Lógica”. Ele deu o chilique dele e escondeu pra debaixo do tapete a cutucada do padre do Bom Redentor. A quem o engraçadinho pensa que engana? – esclareceu Fabrício.
- Então, o título teria que ser “Em defesa da interpretação de textos”. – corrigiu Gabriel.
- Meus jovens, não fiquem com os corações pesados por causa disso. Tudo passa. Façam o trabalho de vocês e esqueçam esse episódio. Vamos fazer o seguinte, vamos oferecer o nosso próximo Terço pelos padres da Tradição. Vamos pedir a Nosso Senhor que nos proteja e ilumine, porque somos humanos e nos equivocamos de vez em quando. A guerra contra o modernismo é tão extenuante que com o tempo corremos o risco de perder o foco e atacarmos até mesmo outros batalhões aliados. – recomendou o bom padre Prudêncio, pondo, assim, um fim à discussão.
- É isso mesmo, padre Prudêncio. Também pediremos que Deus nos ajude para que não façamos nada que O desagrade. – aquiesceu Fabrício abaixando a cabeça com um olhar contrito.
- Eu topo rezar o Terço nessa intenção. – disse Gabriel.
- E eu também não vou ficar de fora. – prontificou-se o Dr. Cláudio.
- Ótimo! Então, agora podemos pedir a sobremesa. Eu vou de sorvete de manga e vocês? – sugeriu o religioso diplomaticamente.
* * *
Os nomes dos personagens e os fatos narrados neste conto são fictícios, qualquer semelhança é mera coincidência.
Leia também:
Fratres in Unum
O auxiliar
Os radicais
A designação
A fundação
A panfletagem
A visão equilibrada
A equipe de liturgia.
O jovem cura de Taboão da Serra
O homem que tinha duas mães 
 
http://fratresinunum.com/2011/02/08/a-confusao/

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