Por Padre Renato Leite
“Também a língua é um fogo, um mundo de  iniquidade. A língua está entre os nossos membros e contamina todo o  corpo; e sendo inflamada pelo inferno, incendeia o curso da nossa vida.”  (Tiago 3,6)
Quem de nós não poderia contar, ao menos,  um caso de alguém que amargou graves prejuízos, vítima que foi da  “língua alheia”? Como o vício da detração, que tem na fofoca um dos seus  sintomas mais evidentes, é um mal comum e disseminado  entre os maus  católicos que, apesar de somados anos de frequência à Igreja, não se  corrigem. Queremos, com o presente artigo, baseado na sólida doutrina da  Igreja sobre o assunto, oferecer uma advertência aos que não se emendam  e, aos que buscam a plenitude da vida cristã, um auxílio doutrinal  seguro em vista de uma conformação cada vez maior com Jesus Cristo,  cujas palavras são “Espírito e Vida”.
A detração é a difamação injusta do próximo, e, para levá-la a cabo, pode-se usar tanto da murmuração (fofoca), que consiste em revelar e/ou criticar, sem  justo motivo, os defeitos ou pecados ocultos dos outros,  como da calúnia que consiste em imputar a alguém defeitos ou pecados que ele não tem, nem cometeu ou simplesmente em exagerar os defeitos dele.
Posto isso, diga-se que a gravidade do pecado de detração ou difamação é medida:
• pela importância do que se divulgou ou murmurou;• pelo prejuízo ou dano causado não só à reputação de alguém, mas também por se ter-lhe provocado grave desassossego e desgosto;
• pela condição do murmurador(a) ou  fofoqueiro(a): uma autoridade civil ou eclesiástica causa mais dano ao  murmurar que uma pessoa comum considerada leviana;
• pela condição de quem foi detratado,  porque não é a mesma coisa dizer que um “moleque” é mentiroso e fazer o  mesmo a respeito de uma autoridade, de um padre ou de um chefe de  família.
Desgraçadamente, porém, o pecado da detração é tão comum como o furto, ou melhor: a detração ou fofoca é um furto,  como diz Santo Tomás de Aquino: “De duas formas pode o próximo ser  prejudicado por uma obra:  manifestamente, como sucede quando ele é  vítima de um roubo ou de qualquer outra violência aberta; ou  ocultamente, como no furto, ao modo de traição. De duas formas  pode-se causar prejuízo ao próximo pela palavra: de modo manifesto, pela  injúria; e de modo oculto, pela detração” (Suma Teológica, IIa.-IIa., 73, a. 1.). 
Mas a detração ou fofoca é, dentre todas as formas de furto, a mais grave,  e torna-se ainda mais grave quanto maior é o prejuízo que causa. O dano  será tão mais grave quanto mais estimado for o objeto furtado. Ora,  como diz a Escritura, “é melhor um bom nome do que muitas riquezas” (Provérbios 22,1). Logo, a detração ou fofoca é não só o pior dos furtos, mas também, “em si, pecado grave” (Santo Tomás, ibid).
Além do mais, quem furta algo nem sempre atua com cúmplices; o  detrator ou fofoqueiro, ao contrário, sempre os tem, porque, se não os  tivesse, a fama do próximo não padeceria nenhum prejuízo. Ora, como diz o  Apóstolo São Paulo, “quem faz tais coisas é digno de morte; e não só quem as faz, mas também os que junto com ele as praticam” (Romanos 1,32). Sim, porque quem dá ouvidos ao detrator fofoqueiro, ou o aplaude, é “copartícipe” do seu pecado:  peca contra a caridade, por estimular o difamador a levar adiante o seu  crime, e contra a justiça, por permitir que na sua presença se manche a  boa reputação do próximo.Há, porém, um caso bem mais grave: aquele em que a  detração se torna pecado contra o Espírito Santo por ser movida pela  inveja das graças ou dons divinos recebidos por um irmão de fé. Quanto a pecados desse tipo, são muito duras as palavras do Evangelista: eles “não serão perdoados neste século nem no futuro” (Mateus 12,32), e o repete Santo Agostinho no Sermão do Senhor da Montanha, o qual, porém, em suas Retratações atenua  um pouco a afirmação, dizendo: “Enquanto houver vida, porém, não há que  desesperar”. O mesmo, aliás, fará Santo Tomás de Aquino na Suma Teológica,  dizendo, no entanto, que sim, quem peca contra o Espírito Santo tem  grandíssima dificuldade de arrepender-se e pedir perdão a Deus. Foi o  caso de Judas Iscariotes.
Como quer que seja a gravidade do pecado  da detração, bem pode ser avaliada pelo seguinte episódio que se deu com  São Francisco de Sales, Bispo de Genebra, na Suíça. Certo católico que  por uma fofoca destruíra uma família, causando separação matrimonial  entre outros fatos, o Santo lhe impôs uma estranha penitência:  primeiramente depenar muitas galinhas, espalhar as penas por toda a  cidade e depois voltar para saber a segunda parte da penitência. Voltou o  penitente após cumprir aquela primeira parte e perguntou qual seria a  segunda. Respondeu São Francisco: “Agora, vá e recolha todas as penas”.  Disse o homem: “Mas isso é impossível”. Concluiu o Bispo: “Também é  impossível recolher os cacos da família que você destruiu”.
Como se pode ver, desse pecado surgem  males sem conta, pois um fofoqueiro, é muitas vezes, culpado de que se  percam bens materiais, a reputação, a vida e até a salvação da alma.  Isso pode atingir tanto o ofendido, que não sabe sofrer o agravo com  paciência e procura revidá-lo, como também o próprio ofensor que, por  orgulho e respeito humano, se recusa a dar satisfação ao ofendido. Lemos  nas Sagradas Escrituras:
“Seis coisas há que o Senhor  odeia e uma sétima que lhe é uma abominação: olhos altivos, língua  mentirosa, mãos que derramam sangue inocente, um coração que maquina  projetos perversos, pés rápidos em correr ao mal, um falso testemunho  que profere mentiras e aquele que semeia discórdias entre irmãos.” (Provérbios 6,16-19).
Ora, se o homem mentiroso é singularmente  abominado por Deus, quem o poderia livrar dos mais rigorosos castigos?  Depois, haverá coisa mais torpe e infame, como reparou São Tiago, do que  “servir-nos da mesma língua com que bendizemos a Deus Pai  para maldizer os homens, feitos à imagem e semelhança de Deus. É como  uma fonte que, pela mesma abertura, jorra água doce e água salobra.” (Tiago  3,9-11). Com efeito, a mesma língua que antes louvava e glorificava a  Deus, põe-se depois, pela mentira, a cobri-Lo, quanto pode, de injúrias e  ofensas.
Essa é a razão por que os mentirosos são  excluídos da posse da celeste bem-venturança. Por isso, quando Davi se  dirigiu a Deus com a pergunta: “Quem  morará na Vossa casa?” – o Espírito Santo lhe respondeu: “Aquele que diz a verdade no seu coração, e que não solta em calúnias a sua língua”. (Salmo 14,1-3).
O pior dano da mentira é que ela  constitui doença do espírito quase incurável, pois o pecado de calúnia e  o de detração ou fofoca, contra a fama e o bom nome do próximo, não são  perdoados enquanto o acusador não prestar satisfação ao ofendido pelas  injustiças praticadas. Isso, porém, se torna muito difícil aos homens,  antes de tudo, porque se deixam levar por sentimentos de falsa vergonha e  falsa dignidade. Ora, não podemos duvidar que com tal pecado na  consciência a pessoa se condena aos eternos suplícios do inferno.
Ninguém pode, tampouco, esperar o perdão  de suas calúnias e detrações se antes não der satisfação a quem foi por  ele lesado na fama ou consideração, quer em juízo público quer em  conversas familiares e reservadas, segundo a grave advertência de Nosso  Senhor Jesus Cristo que disse: “No dia do juízo os homens prestarão contas de toda palavra vã que tiverem proferido.” (Mateus 12,36).
 
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