[sumateologica]
Parece que as crianças não alcançam no batismo a graça e as virtudes
1. Com
efeito, não há graça e virtudes sem fé e caridade. Ora, “a fé”, diz
Agostinho, “reside na vontade de quem crê”. Semelhantemente a caridade
reside na vontade de quem ama. As crianças não têm o uso de sua vontade e
assim não têm nem fé nem caridade. Logo, as crianças não recebem no
batismo a graça e as virtudes.
2. Além
disso, sobre o texto do Evangelho de João “Fará até obras maiores”, diz
Agostinho que, para que alguém, sendo ímpio, se torne justo, “Cristo age
nele, mas não sem ele”. Ora, a criança, não tendo o uso do
livre-arbítrio, não coopera com Cristo para sua justificação e às vezes
até resiste, quanto está em seu poder. Logo, não é justificada pela
graça e pelas virtudes.
3. Ademais,
diz Paulo: “Para aquele que não realiza obras, mas crê naquele que
justifica o ímpio, a sua fé é levada em conta de justiça, segundo o
propósito da graça de Deus”. Ora, a criança não “crê naquele que
justifica o ímpio”. Logo, não alcança nem a graça da justificação nem as
virtudes.
4. Ademais, o
que se faz por intenção carnal, não tem efeito espiritual. Ora, às
vezes as crianças são levadas ao batismo por intenção carnal, por
exemplo: para que se curem corporalmente. Logo, não alcançam o efeito
espiritual da graça e das virtudes.
EM SENTIDO CONTRÁRIO,
ensina Agostinho: “Renascendo as crianças morrem àquele pecado que
contraíram nascendo. Por isso, vale delas o que diz Paulo: “Pelo batismo
nós fomos sepultados com ele na sua morte” – e acrescenta: ‘a fim de
que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, também
nós levemos uma vida nova’”. Ora, a vida nova é a vida da graça e das
virtudes. Logo, as crianças no batismo alcançam a graça e as virtudes.
Mas isso é
evidentemente falso por dois motivos. Primeiro, porque, como os adultos,
as crianças no batismo se tornam membros de Cristo. Segue-se que
necessariamente recebem da cabeça o influxo da graça e das virtudes.
Segundo, porque nesse caso as crianças que morrem depois do batismo, não
chegariam à vida eterna, já que, como diz Paulo, “a graça de Deus é a
vida eterna”. E assim terem sido batizadas não lhes teria adiantado nada
para a salvação.
A causa do
erro foi não terem sabido distinguir entre hábito e ato. Reconhecendo as
crianças incapazes de atos de virtude, acreditaram que depois do
batismo não tinham a virtude de nenhuma maneira. Mas essa impotência
para atuar não ocorre nas crianças por falta dos hábitos, mas por um
impedimento corporal, como também quem está dormindo, embora tenha o
hábito das virtudes, está contudo impedido pelo sono de realizar atos de virtude.
Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:
1. A fé e a
caridade residem na vontade dos homens, mas, se é verdade que os hábitos
dessas e das outras virtudes requerem a potência volitiva que existe
nas crianças, os atos de virtude requerem um ato de vontade, que não
existe nas crianças. Deste modo, Agostinho escreve: “O que faz de um
pequenino um fiel, ainda que não seja aquela fé que consiste na vontade
dos que crêem, contudo já é o sacramento da mesma fé” que causa o hábito
da fé.
2. A
afirmação de Agostinho: “Ninguém renasce da água e do Espírito Santo se
não o quiser”, não se deve entender das crianças pequenas, mas dos
adultos. Semelhantemente se deve entender como referida aos adultos a
afirmação de que não somos justificados por Cristo sem nossa cooperação.
Que as crianças pequenas que vão ser batizadas, resistem quanto suas
forças o permitem, “não se lhes imputa, porque de tal modo ignoram o que
fazem, que nem parece que o fazem”, como diz Agostinho.
3. Diz
Agostinho: “A mãe Igreja oferece às crianças pequenas os pés dos outros
para que venham, o coração dos outros para que creiam, a língua dos
outros para que confessem”. E assim as crianças crêem não por ato
próprio, mas pela fé da Igreja que lhes é comunicada. E pela força dessa
fé são conferidas a graça e as virtudes.
4. A
intenção carnal dos que trazem as crianças para o batismo não as
prejudica, como a culpa de alguém não prejudica a outrem, a não ser que
este consinta. Por isso diz Agostinho: “Não te perturbe o fato de que
alguns trazem os pequeninos para receberem o batismo, não porque crêem
que pela graça espiritual eles renascem para a vida eterna, mas porque
julgam que com este remédio conservarão ou alcançarão a saúde corporal.
As crianças não deixarão de nascer de novo por não terem sido trazidas
com a intenção correta”.
Suma Teológica III, q.69, a.6
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