Cardeal Juan Luis Cipriani |
Artigo publicado em 15/01/2013
ihu - A decisão do cardeal Juan Luis Cipriani, de proibir aos sacerdotes e leigos do Departamento de Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Peru
de frequentar o curso de teologia e exercer algum cargo na
universidade, é "inconstitucional e arbitrária", afirma em nota
publicada no dia 31 de dezembro de 2012, o Instituto de Defesa Legal, entidade
da sociedade civil do Peru, "independente dos partidos políticos,
aberta às opiniões plurais de muitos, que trata de combinar a
capacidade de proposta com a mais exigente fiscalização aos
responsáveis dos assuntos públicos".
A tradução é de Benno Dischinger.
Eis a nota.
Ante a decisão do cardeal Juan Luis Cipriani,
de proibir aos sacerdotes e leigas do Departamento de Teologia da
Pontifícia Universidade Católica do Peru de ditar o curso de teologia e
exercer algum cargo na universidade, o Instituto de Defesa Legal quer
manifestar à opinião pública o seguinte:
1. - A decisão do Cardeal Cipriani
contra os sacerdotes e as leigas da PUCP tem conteúdo sancionatório. Se
tivermos em conta que a sanção é uma repressão de condutas contrárias às
regras estabelecidas, de castigo ao culpado da infração e de prevenção
de futuras infrações, podemos coligir que a proibição imposta aos
sacerdotes e às leigas do Departamento de Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Peru pelo Cardeal, além da denominação, constitui materialmente uma verdadeira sanção aos mesmos.
2. - As garantias do devido processo se aplicam aos
procedimentos sancionadores privados. As garantias ao devido processo
também se aplicam ao exercício do poder sancionador pelos entes privados
e, entre eles, à Igreja. Com efeito, o Tribunal Constitucional tem
estabelecido em reiterada jurisprudência que os direitos fundamentais
que compõem o devido processo e a tutela jurisdicional efetiva “são
exigíveis a todo órgão que tenha natureza jurisdicional (jurisdição
ordinária, constitucional, eleitoral e militar) e que podem ser
estendidos, no que for aplicável, a todo ato de outros órgãos estatais
ou de particulares (procedimento administrativo, procedimento
legislativo, arbitragem e relações entre particulares, entre outros)”
(STC. Nº 0023-2005-PI/TC, f. j. 43).
3. - Foram violadas garantias do devido processo dos
sacerdotes e das leigas da PUCP, que têm a condição de direitos
fundamentais e categoria constitucional. A decisão do Cardeal Cipriani de
proibir os sacerdotes e as leigas da PUCP, de ensinar teologia e ocupar
cargos administrativos, viola o direito à defesa (art. 139 da
Constituição), o direito à motivação (art. 139.5 da Constituição), e o
princípio de interdição da arbitrariedade (STC 00090-AA/TC, f. j. 12),
toda vez que estes não tiveram a oportunidade de conhecer as razões da
sanção e menos ainda de ser escutados e de defender-se, antes que o
Cardeal adotasse a mencionada sanção, sendo que a mesma carece de
motivação e sustento. Todo o contrário, como o próprio Cardeal o
reconheceu, se sanciona estes sacerdotes e leigas em represália porque
as autoridades da PUCP resistem a cumprir com um pedido do Vaticano, que
é matéria de controvérsia no sistema de justiça. Ademais, esta
arbitrariedade se faz mais evidente, caso se repare em que a sanção tem
sido massiva, isto é, dirigida de forma indistinta a todos os membros do
Departamento de Teologia.
4. - Os [indivíduos] privados também devem respeitar
os direitos fundamentais. Embora os direitos fundamentais tenham
surgido frente ao Estado, hoje se reconhece que estes não só são
exigíveis aos poderes públicos, senão aos particulares. O artigo 1º e 38
da Constituição são muito claros em reconhecer que não só o Estado está
obrigado a respeitar os direitos fundamentais, senão também os [entes]
privados. Sobre isto há consenso na teoria e na jurisprudência nacional e
comparada, e a mesma é denominada a “eficácia horizontal dos direitos
fundamentais”.
5. - A faculdade sancionadora do Arcebispado de Lima
não constitui um poder ilimitado. Embora o artigo 103 do estatuto
vigente da PUCP reconheça ao arcebispo de Lima a atribuição de outorgar
ou retirar o mandato canônico aos docentes de cursos de teologia, no
marco de um Estado Constitucional de Direito, não se pode interpretar
que esta faculdade constitua um poder absoluto e ilimitado. Esta
faculdade, para ser válida, isto é, conforme ao ordenamento jurídico,
deve respeitar e observar um conjunto de garantias do devido processo e
da tutela judicial efetiva. Em tal sentido, não há zonas isentas da
força normativa dos direitos fundamentais e do controle constitucional.
Isto é, nenhum poder público pode eximir-se do cumprimento destes, sob
sanção de nulidade.
6. - A separação entre o Estado e a Igreja tem
limites. Embora num Estado laico a relação entre o corpo político e as
igrejas se reja pelo princípio de incompetência recíproca; vale dizer
que, de um lado, o Estado reconhece a existência de “espaços” na vida
das pessoas, nos quais lhe está vedado regular e atuar. De maneira
concordante, “as igrejas aceitam como vedante ético e jurídico a
intervenção institucional em assuntos propriamente estatais” (sentença
do Tribunal Constitucional 03283-2003-AA, f. j. 22). Assim, esta
proibição de interferências do Estado nos assuntos eclesiais tem um
limite: a vigência dos direitos fundamentais. Desde o momento em que se
adverte a violação a um direito fundamental no âmbito próprio da igreja,
o Estado pode e deve intervir para revisar esta decisão e restituir a
vigência do direito constitucional transgredido. Não se pode invocar
esta separação entre Igreja e Estado para justificar e menos para
convalidar decisões e condutas arbitrárias que implicam violações aos
direitos fundamentais.
7. - A Concordata entre a Santa Sé e o Estado
peruano deve aplicar-se em consonância com os tratados internacionais de
proteção dos direitos humanos. Se bem que as relações entre o Estado
peruano e a Santa Sé se regulem por Concordata aprovada por ambos em
1980, a aplicação das normas nela contidas não pode dar-se
desconsiderando os tratados internacionais de direitos humanos,
subscritos e firmados pelo Estado peruano. Neste sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP),
que reconhece as garantias do devido processo e que neste caso tem sido
transgredidas, constituem normas que não podem ser desconhecidas no
momento de aplicar a referida Concordata.
8. - A decisão do Cardeal Cipriani viola
a autonomia universitária da PUCP. Se tivermos em conta que a autonomia
universitária aparece como um “(...) conjunto de poderes que, dentro de
nosso ordenamento jurídico, se tem outorgado à universidade, com o fim
de evitar qualquer tipo de intervenção de entes estranhos em seu seio”
(STC N.º 4232-2004-AA/TC, f.j. 28), podemos concluir que a decisão do
cardeal Juan Luis Cipriani, de proibir aos sacerdotes e leigas do
Departamento de Teologia da PUCP, de ditar o curso de teologia e exercer
algum cargo na universidade, segundo os fatos implica e constitui uma
violação da autonomia universitária da PUCP, uma vez que interfere em
sua faculdade de configurar a apresentação dos cursos de forma autônoma.
A melhor prova é que o curso de Teologia não será oferecido neste
semestre. O Cardeal Cipriani desconhece que “A
Instituição universitária requer margens de liberdade para a realização
de uma adequada e ótima prestação do serviço educativo. Efetuar
ingerências irracionais e desproporcionais nos mencionados âmbitos de
autonomia só produziria a desnaturalização de uma instituição à qual a
Constituição outorgou um tratamento especial, toda vez que ali se efetua
a formação profissional, a difusão cultural, a criação intelectual e
artística e a investigação científica e tecnológica, além do
desenvolvimento de uma opinião pública crítica”. (STC Nº
423202004-AA/TC, f.j.29).
9. - Os sacerdotes e as leigas também têm direitos
fundamentais. A condição de sacerdote não implica uma renúncia à
condição de cidadão titular de direitos constitucionais. O artigo 2º da
Constituição é muito claro ao reconhecer que “todos” têm direitos
fundamentais. Por sua vez, o artigo 2º, inciso 2, proíbe a discriminação
por nenhum motivo. Mal se pode, então, sustentar que, ao assumir o
sacerdócio, a pessoa se despoja da condição de cidadania e perde seus
direitos fundamentais. O fundamento disso é muito simples: os direitos
fundamentais não os cria o Estado nem a Igreja, eles têm seu fundamento
na dignidade humana que assiste a toda pessoa, a todo ser humano.
Em atenção a estas razões, consideramos que a decisão do Cardeal Cipriani
de proibir aos sacerdotes da PUCP de ensinar teologia e ocupar cargos
administrativos, é arbitrária e tem um vício de nulidade, uma vez que
lesa os direitos fundamentais à defesa, o direito à motivação e a
proscrição da arbitrariedade. Esta autoridade eclesial, com todo o
respeito, deve entender que não está acima do ordenamento jurídico.
Por todo o exposto, consideramos que esta é uma arbitrariedade a mais das muitas que vem cometendo o Arcebispo Cipriani, frente às quais reiteramos igualmente nossa condenação.
Por todo o exposto, consideramos que esta é uma arbitrariedade a mais das muitas que vem cometendo o Arcebispo Cipriani, frente às quais reiteramos igualmente nossa condenação.
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