07/01/2013
ihu - A revista La Vie se encontrou com o fundador da L'Arche, a associação que acolhe pessoas com deficiência mental. Aos 84 anos, depois de uma vida a serviço dos mais fracos, Jean Vanier fala com doçura e profundidade.
A reportagem é de Jean Mercier, Marie-Lucile Kubacki e Aymeric Christensen, publicada no sítio da revista La Vie, 21-12-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Apenas mencionamos o Natal, e ele abruptamente deixa a cadeira e vai pegar, em uma prateleira, uma bola de lã. Seu rosto se ilumina. Dentro dela, um minúsculo presépio... as paredes e os personagens são fabricados a partir da tosquia de ovelhas de Belém. Humildade, calor e doçura: Jean Vanier está todo nesse objeto...
Encontramo-lo na comunidade da L'Arche de Trosly-Breuil, em Oise, França, onde acolheu, por mais de 40 anos, dezenas de pessoas com deficiência, compartilhando a sua vida diária, a serviço da sua dignidade e da sua felicidade. No seu último livro, Les Signes des Temps (Ed. Albin Michel), esse mestre espiritual volta a abordar a necessidade da humildade e da aceitação, por parte de cada um, da própria pobreza.
Eis a entrevista.
A reportagem é de Jean Mercier, Marie-Lucile Kubacki e Aymeric Christensen, publicada no sítio da revista La Vie, 21-12-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Apenas mencionamos o Natal, e ele abruptamente deixa a cadeira e vai pegar, em uma prateleira, uma bola de lã. Seu rosto se ilumina. Dentro dela, um minúsculo presépio... as paredes e os personagens são fabricados a partir da tosquia de ovelhas de Belém. Humildade, calor e doçura: Jean Vanier está todo nesse objeto...
Encontramo-lo na comunidade da L'Arche de Trosly-Breuil, em Oise, França, onde acolheu, por mais de 40 anos, dezenas de pessoas com deficiência, compartilhando a sua vida diária, a serviço da sua dignidade e da sua felicidade. No seu último livro, Les Signes des Temps (Ed. Albin Michel), esse mestre espiritual volta a abordar a necessidade da humildade e da aceitação, por parte de cada um, da própria pobreza.
Eis a entrevista.
Aos 84 anos, como o senhor acolhe a fraqueza relacionada com a idade?
A minha grande sorte é a vida comunitária. Eu não tenho mais responsabilidade direta na L'Arche desde
os 75 anos. A minha identidade não está no "fazer". O que eu vivo é da
ordem da comunhão. Não há maior felicidade do que não ter mais
necessidade de provar nada a ninguém, mas de ser amado assim como se é.
Tudo ficou mais simples. Eu não poderia estar mais feliz...
Quando o senhor era mais jovem, teve a experiência de se sentir pobre e fraco?
Sim.
Na vida cotidiana, percebi que, para acolher e amar uma pessoa ferida, a
minha motivação não era suficiente. Eu tinha que tomar consciência da
minha fraqueza. Acima de tudo, entendi que eu não podia agir sozinho,
que eu precisava dos outros. Quando Pauline chegou à L'Arche,
em 1973, ela tinha 40 anos e havia sido humilhada, rejeitada durante
anos. Para acolher Pauline, era preciso que eu estivesse cercado por uma
comunidade e por colaboradores que me apoiassem. E, acima de tudo, era
preciso que eu me tornasse pequeno e humilde, que renunciasse a ser
dominador, isto é, a ser aquele que sabe tudo e que fiz a todos o que é
preciso fazer. Porque, para Pauline, não adiantava um profissional que
lhe "fizesse" o bem. Ela precisava de uma pessoa que lhe dissesse: "Eu
estou contente por viver com você". As pessoas com deficiência,
portanto, me ensinaram que, se eu acredito que sou forte, devo me tornar
fraco.
Como se aprende a se tornar fraco?
Se
me encontro diante de uma pessoa que sofre do mal de Alzheimer, por
exemplo, sou pobre, não tenho nada a fazer a não ser tomar a sua mão,
sorrir, cantarolar ou "esboçar" um passo de dança. Faz-se a experiência
do que Jesus disse a São Paulo, quando este suplicou ao Senhor para lhe
tirar a sua fraqueza. Paulo fala a respeito de maneira "imagética" como
de um espinho cravado no seu lado. Mas Jesus lhe diz: "A minha graça te
basta. Porque a minha força se desdobra na fraqueza".
No
seu livro, o senhor fala da "feliz fraqueza da criança". Pode-se usar a
mesma expressão para uma pessoa idosa não mais autossuficiente?
Seja
criança ou velho, a fraqueza não é felicidade se não se é amado. É o
inferno. É preciso que o velho seja amado por aquilo que é, não por
aquilo que faz, de alguém que lhe diga: "Eu amo você como você é". A
questão de saber se sou amável é muito profunda. No fundo, sempre nos
perguntamos secretamente: "Há pessoas que se interessam não por aquilo
que eu faço, mas sim por aquilo que eu realmente sou?". E precisamos de
um verdadeiro encontro, em uma pobreza que não busca poder algum. No meu
livro, eu falo de uma experiência que eu vivi com uma assistente da
nossa comunidade, na Austrália, com um jovem prostituto. Ela havia
acorrido ao leito desse jovem que estava morrendo de overdose, que lhe
jogou na cara: "Você sempre quis me mudar, você nunca aceitou como eu
sou". Ele estava procurando uma pessoa capaz de ouvi-lo sem querer
mudá-lo. Aquela mulher não o tinha encontrado verdadeiramente.
Por que é tão difícil aceitar a própria fraqueza?
Etty Hillesum se
compara a um poço, no fundo do qual Deus existe, mas que está obstruído
por detritos. Esses detritos representam a minha tendência compulsiva a
provar que sou melhor do que os outros. Quero ser reconhecido, com
títulos, etiquetas. É um modo de me pôr em uma hierarquia, muitas vezes
cultural, que me tranquiliza. Mas Jesus me diz: "Quando você oferece um
almoço ou uma janta, não convides os seus amigos, nem os seus vizinhos
ricos, mas convide os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos. Então,
você será abençoado". E acrescenta: eu serei realmente feliz quando as
minhas barreiras, os do poder e do conformismo, começarem a cair. É uma
luta, porque a promoção e o sucesso estão no centro de tudo. Mesmo nas
escolas católicas, coloca-se em primeiro lugar o 100% de sucesso no
vestibular... O meu objetivo é ajudar as pessoas a descobrir que são um
poço e que podem dar a vida no seu encontro com o outro. É uma
verdadeira luta em uma cultura da normalidade, em que a obsessão é
mendigar a aprovação dos chefes, em vez de ajudar as pessoas a serem
verdadeiras.
Há aqueles que fantasiam um mundo sem pessoas com deficiência. Como seria esse mundo?
Eliminar
a deficiência? Então, seria preciso impedir todas as doenças mentais!
Tal idealização sonha com um mundo sem morte. A tirania da normalidade e
da competitividade leva a humilhar cada vez mais as pessoas que não
estão na norma. Quer-se um mundo perfeito, como se quer um filho
perfeito. Se eu quero criar uma criança para satisfazer os meus desejos,
eu crio um conflito, porque uma criança deve ser claramente liberta do
desejo dos seus pais.
Ser "fraco" e verdadeiro é algo que implica em riscos?
Certamente, é perigoso ser você mesmo, até porque posso me equivocar. Uma palavra de Etty Hillesum me
ajudou: "A possibilidade da morte está perfeitamente integrada na minha
vida". Em outras palavras: eu aceitei que façam parte da minha vida a
perda e o fracasso, ou seja, o risco. Quando eu comecei a L'Arche,
eu tomei comigo dois homens que vinham do manicômio e vivia com eles.
Eu não sabia o que eu estava fazendo, não refleti muito a respeito.
Confiei-me ao que eu sentia que era o meu dever. E eu acreditei na
Providência. Para viver, é preciso aceitar a insegurança, ousar ser
diferente, fazer com que as coisas mudem. Corremos riscos quando fazemos
ouvir uma voz diferente.
Algumas pessoas se mostraram
vulneráveis, e a sua confiança foi traída. Elas dizem: "Não caio mais
nessa!". O que o senhor responde a elas?
Quando a
confiança é destruída, é muito duro. É preciso que a pessoa traído ouça
alguém lhe dizer: "Sim, você sofreu terrivelmente, o que você viveu é
assustador".
Stéphane Hessel disse aos jovens: "Indignai-vos!". E o senhor, o que diz a eles?
Seria
simples demais, um slogan... Eis o que eu digo a eles: "Vocês sabem que
são belos? Vocês são preciosos, você carregam dentro de si capacidades
extraordinárias de bondade, podem dar a vida através da sua compaixão.
Mas, para isso, é preciso se levantar, agir!".
Na Igreja,
estamos entrando em um período de fragilidade e de pobreza, as pessoas
estão preocupadas. Qual é a sua mensagem de esperança?
Muitas pessoas são como Pedro antes do Pentecostes:
não suportava que Jesus falasse de fraqueza, de sofrimento, de que ele
lavaria os seus pés. A tal ponto que acabou dizendo, quando Jesus foi
preso: "Eu não conheço esse homem!". Sim, Jesus é forte. Mas há também
um Jesus fraco, que quer entrar em uma comunicação coração a coração
conosco. Há também uma Igreja humilhada, sobretudo por causa das suas
próprias culpas. Uma Igreja que me oferece o corpo e o sangue de Jesus. O
Verbo se fez carne. É preciso que o meu coração de pedra se torne um
coração de carne. "É preciso que você coma a minha carne para se tornar
como eu", disse Jesus. É surpreendente, não? Ele acrescenta: "Digo-lhes
isso para que a minha alegria esteja em vocês, e a sua alegria seja
perfeita". Sonho que somos pessoas felizes em pequenas comunidades, em
que os fracos e os fortes são alegres juntos, em um lugar de comunhão em
que não teremos que provar que somos melhores do que os outros. Que
damos vida revelando-nos reciprocamente que somos cada vez mais belos do
que pensamos.
Esse é o centro da mensagem evangélica?
Deus
se revela na fraqueza e na vulnerabilidade. Eu descubro quem Jesus
realmente é quando eu descubro que sou fraco e que preciso de um
Salvador que me salve dos meus medos e das minhas atitudes compulsivas.
Que me ajude sobretudo a aceitá-los, isto é, que as coisas não mudarão
rapidamente, como podemos desejar. Devo aceitar a minha realidade, isto
é, que eu não sou perfeito. É preciso aceitar a própria fraqueza. Nisso
está a verdadeira beleza do ser humano.
Percurso de Jean Vanier
1928 - Nasce em Genebra (Suíça).1942 - Entra, a seu pedido, no Colégio da Marinha Real (Reino Unido) aos 13 anos.1950 - Renuncia à Marinha e estuda teologia.1964 - Estabelece-se em Trosly-Breuil (Oise) com dois deficientes mentais. Assim começa a aventura da comunidade de L'Arche, que se espalhou a partir dos anos 1970 por todos os continentes.
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