Carolina Farias
Capa do Manual de Bioética para Jovens, que será
 distribuído pela Igreja Católica durante a Jornada Mundial da Juventude
 no Rio de Janeiro
A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) vai aproveitar a 
Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro, evento que ocorre entre 
os dias 23 e 28 de julho com a presença do papa Francisco, para 
distribuir 2 milhões do "Manual da Bioética para Jovens". Com linguagem 
científica, a publicação classifica o uso das pílulas anticoncepcionais e
 do dia seguinte, além do DIU (dispositivo intra-uterino) como abortivos
 e condena a prática.
 O manual não trata de prevenção à gravidez e nem mesmo à doenças sexualmente transmissíveis
A publicação da fundação francesa Jeròme Lejeune trata, em 65 páginas 
divididas em sete capítulos, do aborto e de métodos contraceptivos com 
base nos dogmas católicos. Um capítulo da publicação fala sobre 
eutanásia e uso de células tronco. Para especialistas, o manual é um 
desserviço aos jovens, pois não lhes dá o direito a uma informação 
técnica sem valores religiosos.
 A publicação também diz que a mulher vítima de estupro que ficar 
grávida deve ter a criança. O manual não trata de prevenção à gravidez e
 nem mesmo à doenças sexualmente transmissíveis.
 É a primeira vez que a publicação será distribuída no Brasil. Existem 
edições na França e Portugal, onde o aborto é permitido por lei. Nas 
publicações desses países existem tópicos que mostram a legislação sobre
 o tema.  
 De acordo com o padre Rafael Cerqueira Fornasier, assessor da Comissão 
para a Vida e Família da CNBB, os trechos que falam sobre a legislação 
dos países europeus foram retirados do manual que será distribuído 
durante a JMJ porque a edição será publicada em quatro línguas - 
português, espanhol, inglês e francês. 
 "Como o evento é internacional, com pessoas de vários países, ia ficar 
complicado colocar a legislação dos países de cada língua, então 
deixamos só algumas referências das leis de alguns lugares", disse 
Fornasier.
A iniciativa da CNBB tem como objetivo "acabar com a banalização" 
desses temas entre os jovens. Segundo o assessor da comissão, o manual 
foi redigido com fundamentos científicos, mas com uma abordagem fácil e 
baseado na ética cristã. 
 "Estamos envolvidos em debates que tocam a vida, como o aborto e a 
eutanásia. Os jovens se questionam, ainda mais hoje, com os avanços 
tecnológicos. A vida é uma grande questão para nós", afirmou o padre.
 Segundo dom João Carlos Petrini, bispo de Camaçari (BA) e presidente da
 Comissão para a Vida e Família da CNBB, a ideia é que os jovens que 
receberem a publicação a levem para suas comunidades, grupos, amigos e 
paróquias para discutir os temas abordados.
 "Às vezes, eles têm pouca informação, aí compram a ideia da maneira 
mais simplificada que a mídia oferece. É uma oportunidade única que 
temos, com jovens de idade semelhante, de muitos países, com o mesmo 
tipo de problemática. Na juventude o cinismo não venceu, tem ainda esse 
frescor", disse Petrini. "Então esse contexto é favorável para se 
dialogar."
 De acordo com o manual, todas as pílulas contraceptivas (convencional e
 do dia seguinte) e o DIU produzem o aborto. "A mentalidade 
contraceptiva (recusa da criança) conduz a aceitar mais facilmente o 
abortamento em caso de gravidez 'não desejada'. A contracepção favorece 
relações sexuais com parceiros múltiplos, no quadro de relações 
instáveis, o que multiplica de fato as ocasiões de gravidezes não 
assumidas", diz a publicação.
 A medicina explica que a pílula anticoncepcional impede a ovulação e, 
com isso, a fecundação. Já a pílula do dia seguinte, usada em casos de 
estupro ou quando o método anticoncepcional falhou, altera a liberação 
do óvulo, caso a mulher não tenha ovulado, ou altera o endométrio 
(parede do útero) impedindo a fixação do óvulo fecundado –a chamada 
nidação.
 O DIU, que pode ser de polietileno ou metal, é inserido no útero e 
interfere no transporte do espermatozoide, o que impede a fecundação. 
Além disso, pode causar uma reação inflamatória do útero, o que também 
impede a nidação.
Pessoas manifestam sobre interrupção de gestação de anencéfalo
Um grupo de religiosos faz vigília desde terça-feira (10) em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF), na Praça dos 
 Para a enfermeira e doutora em bioética Dirce Guilhem, membro da 
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa e coordenadora do Laboratório de 
Bioética e Ética em Pesquisa da UNB (Universidade de Brasília), a 
publicação não faz parte da realidade dos jovens brasileiros e por isso 
pode ser um desserviço. Segundo ela, o jovem católico faz sexo e se vê 
diante da "culpa" em usar a pílula do dia seguinte e provocar um aborto.
 "A publicação coloca a culpa, e no contexto brasileiro é perigoso. No 
Brasil, as meninas começam a vida sexual aos 13, 15 anos, e 85% dos 
jovens se dizem católicos, como mostram pesquisas do Ministério da 
Saúde. Os jovens vão ler isso e se sentir culpados", afirmou Dirce. "O 
manual não fala de preservativos."
 Dirce explica que é um equívoco dizer que as pílulas e o DIU são 
abortivos porque os métodos impedem a fecundação. "Mas tudo o que não é 
natural eles dizem que é aborto. É dogmático, a pílula aparece como 
monstro, não pode se recorrer a ela", afirmou.
 A especialista diz que o item que fala que a mulher estuprada "vai 
aprender a amar" a criança é uma violência. "Obrigar a mulher a ter o 
bebê nessa situação pode ser mais violento que retirar a criança. Nessa 
publicação, a mulher não trabalha na tomada de decisão e quem fala sobre
 a vida das mulheres é um homem", afirmou Dirce.
 O ginecologista e presidente da SGORJ (Associação de Ginecologia e 
Obstetrícia do Estado do Rio de Janeiro), Marcelo Burlá, diz que a 
informação equivocada na vida sexual da mulher é prejudicial e que elas 
precisam ter conhecimento sobre seu aparelho reprodutor sem a 
interferência religiosa. Para isso, elas devem sempre procurar um 
especialista e evitar buscar a igreja para esse fim.
 "É fundamental o uso de contraceptivos, principalmente para evitar 
doenças. A mulher tem o direito de iniciar sua vida sexual quando 
quiser, mas quando ficam grávidas com 13, 14 anos, atrapalha todo o 
planejamento de uma vida. Por isso é importante a informação técnica 
para evitar a gravidez e usar o melhor método para isso", afirmou o 
médico. "Por mais que a informação religiosa seja bem intencionada, ela é
 tendenciosa."
 Burlá diz que já atendeu pacientes que lhe trouxeram publicações 
religiosas sobre sexualidade com erros técnicos. "Já vi publicações 
assim. As pacientes chegam cheias de dúvidas: se houve ovulação, se ouve
 concepção, se abortou. Imagina uma menina de 13 anos com dúvida se está
 tirando uma vida", disse o ginecologista. "Eu tenho que explicar que 
não é aborto. Eu digo que pode usar os métodos porque não é aborto."
Estatuto do Nasciturno
 A divulgação do manual acontece em meio à polêmica causada no Brasil pelo Projeto de Lei (PL) 478/2007 que estabelece o Estatuto do Nasciturno
 e prevê, entre outros pontos, o direito ao pagamento de pensão 
alimentícia, equivalente a um salário mínimo, às crianças concebidas de 
violência sexual.
 A proposta estabelece também que o nascituro é o ser humano concebido, 
mas ainda não nascido, e inclusive "os seres humanos concebido in vitro,
 os produzidos por meio de clonagem ou por outro meio científico e 
eticamente aceito.  O texto diz ainda que o nascituro adquire 
personalidade jurídica ao nascer com vida, mas sua natureza humana será 
reconhecida desde a concepção.
 
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