Dom Alberto Taveira Corrêa (foto), arcebispo de Belém do Pará, reflete sobre o discernimento cotidiano.
Por Dom Alberto Taveira Corrêa
BELéM DO PARá, 09 de Janeiro de 2014 (Zenit.org)
- Há muitas expressões na Sagrada Escritura que indicam o Senhor que
fala ao seu povo, e manifestam a força de sua palavra que cria,
repreende, educa, acompanha. Desde a forte palavra criadora do livro do
Gênesis, passando pela intimidade com os patriarcas e profetas, que
"emprestavam" a boca para Deus falar. De Moisés se diz que tinha uma
grande amizade com Deus e o Senhor se entretinha com ele face a face.
Deus fala!
"Muitas vezes e de muitos modos, Deus falou
outrora aos nossos pais, pelos profetas. Nestes dias, que são os
últimos, falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de
todas as coisas e pelo qual também criou o universo. Ele é o resplendor
da glória do Pai, a expressão do seu ser. Ele sustenta o universo com a
sua palavra poderosa. Tendo feito a purificação dos pecados, sentou-se à
direita da majestade divina, nas alturas, elevado tão acima dos anjos
quanto o nome que ele herdou supera o deles" (Hb 1, 1-4).
"Por estas palavras, a carta aos Hebreus dá a entender que Deus
emudeceu, por assim dizer, e nada mais tem a falar, pois o que antes
dizia em parte aos profetas, agora nos revelou no todo, dando-nos o
Tudo, que é o seu Filho. Se agora, portanto, alguém quisesse interrogar a
Deus, ou pedir-lhe alguma visão ou revelação, faria injúria a Deus não
pondo os olhos totalmente em Cristo, sem querer outra coisa ou novidade
alguma. Deus poderia responder-lhe deste modo: Este é o meu Filho amado,
no qual eu pus todo o meu agrado. Escutai-o! (Mt 17,5). Já te disse
todas as coisas em minha Palavra. Põe os olhos unicamente nele, pois
nele tudo disse e revelei, e encontrarás ainda mais do que pedes e
desejas"(Tratado “A subida do Monte Carmelo”, de São João da Cruz,
presbítero, Lib. 2, cap. 22).
A Igreja tem clara a convicção de que tudo o que é estritamente
necessário já foi dito por Deus e encontra o fundamento de sua ação na
Escritura Sagrada. Sabe também a Igreja que lhe foi dada a graça do
discernimento, pela qual o sadio desdobramento daquilo que foi revelado é
expresso nos ensinamentos que são oferecidos pelo longo e seguro
exercício do magistério que acompanha a tradição viva, na qual existe a
certeza da ação do Espírito Santo, que a acompanha e preserva do erro.
E Deus se calou? Temos a certeza de que continua a dizer sua Palavra,
que ele inspira o bem, suscita a pregação corajosa do Evangelho,
sustenta o testemunho dos cristãos. Sabemos que todas as chamadas
revelações particulares são objeto de discernimento cuidadoso, pois são
reconhecidas como estímulo à vivência do que se expressou na Sagrada
Escritura, para que as pessoas não corram de um lado para outro em busca
de novidades e pretensos anúncios, especialmente quando estes apontam
para datas ou eventos extraordinários.
O que falta é o discernimento cotidiano e dedicado do que Deus nos
fala através dos acontecimentos e de uma quantidade imensa de fatos
simples e aparentemente corriqueiros. Deus nos fala através do próximo
que grita pela nossa ajuda e pelo serviço de amor, dizendo que tudo o
que fazemos ao menor dos irmãos é feito a Jesus. Deus nos fala pela
última notícia de violência, que nos assusta e escandaliza, a dizer-nos
que nos foi oferecido o caminho para a paz, através dos mandamentos e a
prática da fraternidade. Deus nos fala pela Igreja que se reúne e
proclama a cada dia a Palavra Sagrada, fonte de vida e santidade. Deus
nos fala pelo testemunho corajoso de pessoas que vivem o Evangelho,
arrastando com seu exemplo gente que vivia na lama do pecado. Deus nos
fala através de seus enviados, e basta pensar na lucidez com que o Papa
Francisco tem oferecido à Igreja e o mundo as propostas de vivência do
Evangelho e amor ao próximo. Não faltam palavras vindas da boca de Deus.
O que pode faltar são ouvidos atentos.
A Igreja celebra neste final de semana o Batismo de Jesus, quando o
Senhor vai ao Rio Jordão, onde João Batista pregava a penitência e a
conversão, justamente na preparação da plena manifestação do Messias
esperado. Diante de um João Batista surpreso, que diz "Eu preciso ser
batizado por ti, e tu vens a mim" (Mt 3,13-17), Jesus entra na fila dos
pecadores, ele que é o Cordeiro sem mancha que tira o pecado do mundo! E
ali, no gesto de imensa humildade de Jesus, acontece a revelação da
intimidade de Deus Trindade. O Filho nas águas, o Espírito em forma de
uma pomba e a voz do Pai: "Este é o meu Filho amado, no qual eu pus o
meu agrado".
O Senhor Jesus confiou uma missão à Igreja, de ir pelo mundo inteiro e
anunciar a Boa-Nova. "Quem crer e for batizado será salvo. Quem não
crer será condenado" (Mc 16,16). Prometeu inclusive "sinais que
acompanharão aqueles que crerem: expulsarão demônios em meu nome;
falarão novas línguas; se pegarem em serpentes e beberem veneno mortal,
não lhes fará mal algum; e quando impuserem as mãos sobre os doentes,
estes ficarão curados” (Mc 16,17-18). O mesmo Senhor Jesus, que falou
com seus discípulos, "foi elevado ao céu e sentou-se à direita de Deus"
(Mc 16,19).
Como os primeiros discípulos, está agora em nossas mãos o anúncio da Boa-Nova. Pedimos a Deus que se multipliquem os operários para a sua messe, vindos de todas os cantos, dispostos a transformar sua vida e sua palavra em testemunho corajoso do Senhor, diante de um mundo que anseia pela palavra de Deus. De fato, a sede e fome da voz de Deus está presente, mesmo quando as pessoas não sabem dar nome ao grito que brota de dentro de si, no cumprimento da palavra profética: "Dias hão de vir, quando hei de mandar à terra uma fome, que não será fome de pão nem sede de água, e sim de ouvir a Palavra do Senhor" (Am 8,11).
Como os primeiros discípulos, está agora em nossas mãos o anúncio da Boa-Nova. Pedimos a Deus que se multipliquem os operários para a sua messe, vindos de todas os cantos, dispostos a transformar sua vida e sua palavra em testemunho corajoso do Senhor, diante de um mundo que anseia pela palavra de Deus. De fato, a sede e fome da voz de Deus está presente, mesmo quando as pessoas não sabem dar nome ao grito que brota de dentro de si, no cumprimento da palavra profética: "Dias hão de vir, quando hei de mandar à terra uma fome, que não será fome de pão nem sede de água, e sim de ouvir a Palavra do Senhor" (Am 8,11).
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