[domtotal]
Por Cardeal Odilo Pedro Scherer*
Há meses, os noticiários estão recheados de fatos
de corrupção. De tal modo já nos habituamos, que as enormes somas em
jogo nem mais impressionam, como se fossem fatos corriqueiros.
Infelizmente, tinha razão quem vinha alertando, há vários anos, que um
dos maiores males do Brasil era a corrupção; assim se manifestou o
cardeal Geraldo Majella Agnelo em 2005, arcebispo de Salvador e
presidente da CNBB naquele ano. Suas palavras causaram protestos
indignados, por levantarem suspeitas contra a honradez da vida política
nacional... E hoje?!
Como em tudo, podemos ver também aqui um lado ruim e outro, bom. Ruim
é o tamanho e a ramificação da corrupção em vários setores da vida
pública, como vai sendo revelado. O lado bom é que os problemas começam a
ser enfrentados seriamente em vez de serem varridos para debaixo do
tapete. Somente admitindo os fatos, e indo às consequências, é que se
pode mudar certa cultura de tolerância em relação à corrupção. Para
debelar a corrupção, são fundamentais a independência dos Poderes do
Estado e a autonomia das instituições, para cumprirem seu papel sem
ingerências interesseiras e corruptoras.
Mas ninguém se engane: a corrupção não ronda apenas a administração
pública, nem se refere apenas ao desvio de bens do Estado aos bilhões e
milhões. Também são atos de corrupção os pequenos desvios, a sonegação
de impostos ou as propinas para obter ou aceitar benefícios através do
descumprimento dos deveres cívicos. E a pequena corrupção, quando não é
corrigida em tempo, abre caminho para as grandes falcatruas.
A corrupção primeira e mais grave é a da consciência moral. Toda
pessoa traz em si as noções básicas de bem e de mal e a capacidade de
perceber o que é correto ou detestável na conduta. Vários fatores podem
ajudar a aprimorar ou deteriorar a sensibilidade da consciência, como a
educação, o convívio social e a cultura circunstante. Mas é, sobretudo, a
prática repetida de ações desonestas que leva à insensibilidade e à
corrupção da consciência moral, abrindo caminho para ações desonestas
maiores.
Os atos e fatos de corrupção estão relacionados com um grave problema
ético e moral; são fruto de um desvio de conduta caracterizado pela
desonestidade e a falta de senso de justiça. Além disso, decorrem da
falta de solidariedade e da insensibilidade em relação aos direitos e
necessidades alheias. Será ainda necessário dizer que a corrupção não
combina com o bom caráter, a confiabilidade e a honradez?
Em sua visita a Nápoles, em 21 de março deste ano, o Papa Francisco
usou palavras severas contra a corrupção e destacou a necessidade da
vigilância constante, para ninguém se corromper: “todos nós temos a
possibilidade de ser corruptos e ninguém pode achar que está isento da
tentação de enveredar por negócios fáceis, por caminhos de delinquência e
da exploração de pessoas”. E observou que o conceito “corrupção” se
refere a algo deteriorado, que perdeu a sua genuinidade e deixou de ser
bom e prestável: “a corrupção cheira mal; a sociedade corrupta cheira
mal”, concluiu o Pontífice.
A corrupção, talvez, nos faz pensar logo em desvios de dinheiro e de
bens, mas também existe a corrupção política, que é uma grave
deterioração do sistema democrático, pois desvirtua e trai os princípios
da ética e as normas da justiça social; ela compromete gravemente a
relação entre governantes e governados e introduz uma crescente
desconfiança em relação à própria política e aos seus representantes,
com o consequente enfraquecimento das instituições.
A corrupção política distorce a origem e a razão de ser das
instituições representativas porque as usa como terreno para a barganha
política de solicitações clientelistas e favores dos governantes. Assim,
as opções políticas favorecem os objetivos restritos daqueles que
possuem os meios para influenciá-las e impedem a realização do bem comum
de todos os cidadãos. A política acaba transformada num pragmático
balcão de negócios, ou num instrumento de benemerências personalistas.
Ao se unirem as duas formas de corrupção, a política e a econômica,
surge um combinado extremamente devastador da vida social. Não será por
isso que tantos cidadãos preferem, de maneira equivocada, a distância em
relação à participação na vida política? “Meter-se em política”
significa, para muitas pessoas, o mesmo que participar de negócios
desonestos...
Existe remédio para a corrupção? Certamente que sim. É indispensável,
desde a mais tenra infância, a educação para a honestidade e o senso de
justiça e solidariedade, como também o discernimento crítico diante dos
fatos públicos de corrupção e desonestidade: estes não são bons
exemplos a serem seguidos por crianças, jovens e adultos. Mas também é
necessário que a justiça realize o seu curso e chame às contas os
agentes da corrupção. O maior estímulo para a corrupção seria a
convicção de que a desonestidade compensa e a honestidade é uma tolice.
Na bula de proclamação do ano santo extraordinário da misericórdia de
Deus, de abril de 2015, o papa Francisco conclama os culpados de
corrupção ao arrependimento e ao pedido de perdão: “esta praga
apodrecida da sociedade é um pecado grave que brada aos céus, porque
mina as próprias bases da vida pessoal e social. A corrupção impede de
olhar para o futuro com esperança porque, com sua prepotência e avidez,
ela destrói os projetos dos fracos e esmaga os mais pobres”. Para
erradicá-la da vida pessoal e social, são necessárias a prudência, a
vigilância constante aliada à fortaleza do caráter, a lealdade,
transparência e a coragem da denúncia. “Se não se combate abertamente a
corrupção, mais cedo ou mais tarde ela nos faz seus cúmplices e nos
destrói” (n. 19).
CNBB 10-08-2015.
*Cardeal Odilo Pedro Scherer é arcebispo de São Paulo (SP).
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