[unisinos]
Em meados de fevereiro de 2016, o Papa Francisco irá para Chiapas, onde centenas de diáconos com esposas pressionam para serem ordenados sacerdotes. Também na Amazônia o ponto de inflexão parece próximo. Estava tudo escrito na agenda do cardeal Martini.
A reportagem é de Sandro Magister e publicada por Chiesa.it, 09-12-2015. A tradução é de André Langer.
Enquanto se aguarda o pronunciamento do Papa Francisco
sobre a comunhão aos divorciados recasados, tema debatido em dois
sínodos e nos quais houve divisões, já é possível vislumbrar qual será o
tema da próxima sessão sinodal: os padres casados.
A escolha do tema cabe ao Papa, como aconteceu com
os sínodos passados e como acontecerá com o próximo, independentemente
do que também propuserem os 15 cardeais e bispos do conselho que faz a
ponte entre uma sessão e outra.
Vários indícios dão a entender que os padres casados será o próximo tema de discussão sinodal.
* * *
O primeiro indício é a clara vontade do Papa Francisco de colocar em prática o programa apresentado em 1999 pelo cardeal Carlo Maria Martini, em uma intervenção memorável no Sínodo daquele ano.
O então arcebispo de Milão, jesuíta e líder
indicustível da ala “liberal” da hierarquia, disse ter “tido um sonho”: o
de uma Igreja capaz de colocar-se em estado sinodal permanente, com um
“debate colegiado e autorizado entre todos os bispos sobre alguns temas
centrais”.
Estes são os “temas centrais” enumerados por ele: “A falta de
ministros ordenados, o papel da mulher na sociedade e na Igreja, a
disciplina do matrimônio, a visão católica da sexualidade, a prática
penitencial, as relações com as Igrejas irmãs da ortodoxia e, mais em
geral, a necessidade de reviver a esperança ecumênica, a relação entre
democracia e valores e a relação entre leis civis e lei moral”.
Da agenda martiniana, os dois sínodos convocados até agora pelo Papa Francisco discutiram precisamente “a disciplina do matrimônio” e em parte “a visão católica da sexualidade”.
Nada proíbe, então, que o “tema central” do próximo sínodo possa ser aquele que Martini colocou à frente de todos os outros: “a falta de ministros ordenados”.
* * *
A falta de padres – que na Igreja católica latina são normalmente
celibatários – é sentida particularmente em algumas regiões do mundo,
sobretudo na América Latina.
Há um ano, o bispo Erwin Kräutler, austríaco de nascimento e titular no Brasil da Prelazia do Xingu, que dispõe de apenas 25 padres para um território maior que a Itália
e, consequentemente, com a possibilidade de celebrar a missa e os
sacramentos apenas duas ou três vezes ao ano nas localidades mais
remotas, transmitiu ao Papa Francisco o pedido de
muitos bispos como ele de suprir a falta de padres celibatários
conferindo a ordem sagrada também a “varões provados”, isto é, a homens
de virtude comprovada e casados.
O pedido não é novo. E os bispos brasileiros – mas não exclusivamente eles – fizeram-no várias vezes. O cardeal Cláudio Hummes, de 81 anos de idade, arcebispo emérito de São Paulo e amigo e grande eleitor de Jorge Mario Bergoglio, já o propôs quando era prefeito da Congregação para o Clero, entre 2006 e 2010.
Atualmente, Hummes é presidente da Comissão para a Amazônia, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, e da Rede Pan-Americana,
que reúne 25 cardeais e bispos dos países da região, além de
representantes indígenas de diferentes etnias locais. No exercício deste
cargo declarou, no mês passado, na Rádio Vaticano que
ele se propõe a “trabalhar para que haja uma Igreja indígena, uma Igreja
imersa na história, na cultura e na religião dos indígenas, uma Igreja
que tenha como guia um clero indígena. Eles têm direito a isso. Eles são
a última periferia que temos, a mais distante”.
Desta vez, Hummes não disse mais. Mas, sabe-se que dizer “clero indígena” neste contexto significa propor um clero também casado.
Este ano correu o boato de que o Papa Francisco teria escrito ao cardeal brasileiro Cláudio Hummes uma carta em apoio a uma reflexão sobre o celibato eclesiástico e sobre a ordenação de “varões provados”. O Pe. Federico Lombardi negou a existência desta carta. Mas, acrescentou, “é verdade que o Papa
convidou mais de uma vez os bispos brasileiros para buscar e propor com
coragem as soluções pastorais que considerem apropriadas para enfrentar
os grandes problemas pastorais de seu país”.
* * *
Em outra área da América Latina, em Chiapas, no sul do México, a pressão pelo clero casado concretizou-se nas décadas passadas na ordenação de um número exorbitante de várias centenas de diáconos indígenas, em uma diocese tão extensa como a de San Cristóbal de Las Casas, na qual os padres são poucas dezenas e quase todos idosos.
A ordenação em massa destes diáconos, todos casados, chegou ao seu
ponto culminante nos 40 anos de episcopado, de 1959 até 2000, de Samuel Ruiz García, que se tornou célebre por sua proximidade com o Subcomandante Marcos, no longo conflito em Chiapas entre o Exército Zapatista de Libertação (EZLN) e o governo federal mexicano.
Mas, em 2000, com a renúncia de Ruiz García, Roma
ordenou a suspensão das ordenações de novos diáconos. Proibiu o costume
de chamá-los “diáconos indígenas”, como se constituíssem uma tipologia
nova e diferente dos ministérios da Igreja. Ordenou que as esposas não
se fizessem chamar “diaconisas”, nem muito menos fazer crer que também
elas tinham recebido uma ordenação sacramental, por causa do costume de
impor as mãos também a elas durante o rito de ordenação dos maridos.
Solicitou aos diáconos já ordenados para que declarassem publicamente
que sua ordenação acabava ali e não constituía de maneira alguma uma
etapa para uma posterior ordenação sacerdotal, como padres casados.
Mas, depois da chegada de Bergoglio ao papado, a proibição foi revogada. Em maio de 2014, Roma autorizou novamente o sucessor de Ruiz García, o bispo Felipe Arizmendi Esquivel,
para retomar as ordenações diaconais. O bispo anunciou rapidamente que
tinha a previsão de ordenar cerca de 100 novos diáconos.
Ao mesmo tempo, em Roma, o Papa Francisco procedia a uma profunda mudança de diretores e de pessoal da Congregação para o Clero, na qual se aninhava a maior resistência contra a introdução de um clero casado.
Mas, há mais. Agora é certo que Francisco, em sua próxima viagem intercontinental, na metade de fevereiro, ao México, fará uma etapa precisamente em Chiapas, em San Cristóbal de Las Casas.
No dia 10 de fevereiro passado, Francisco, ao receber em Santa Marta os 12 padres, dos quais cinco deixaram o ministério porque se casaram, disse, ao ser interpelado: “O problema está presente na minha agenda”.
Já há quem preveja um passo a mais: que Francisco
volte a colocar em discussão não apenas o celibato do clero, mas também a
proibição da ordenação sagrada das mulheres. É o que deseja, por
exemplo, uma famosa irmã beneditina estadunidense, Joan Chittister.
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