quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Quando a missa vira espetáculo

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O alerta dos liturgistas: as assembleias se tornaram plateias, como testemunha a abordagem aos ritos virtuais. E as paróquias perderam o vínculo com o território

A reportagem é de Giacomo Gambassi, publicada em Avvenire, 02-09-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Na agenda eclesial, a pandemia será lembrada também como o tempo das missas virtuais. Porém, as celebrações na tela são uma espécie de déjà-vu. Até porque “as nossas assembleias já começaram a se assemelhar a plateias que, mesmo quando animadas por uma certa cumplicidade participativa, assimilaram os esquemas mentais típicos do espetáculo”, afirma o teólogo e padre Giuliano Zanchi, diretor da Revista do Clero Italiano e responsável científico da Fundação Bernareggi, “braço” cultural da Diocese de Bérgamo.

Em seguida, ele acrescenta: “Não é por acaso que as muitas pessoas que passaram da missa presencial à missa em vídeo não perceberam uma diferença de verdade”. Espectadores da Eucaristia, quase como se estivéssemos no teatro.

Mas tem mais. Está se afirmando um “crescente retrocesso do enraizamento territorial” das comunidades cristãs. E “muitas pessoas de fé não encontram mais as formas para poderem ser também pessoas da Igreja”, diz o teólogo.

O resultado? “A missa volta a ser uma experiência minoritária”, continua o Pe. Zanchi. E a Covid “esvaziou” as celebrações.

A análise da sacerdote lombardo sacode a Semana de Estudos da Associação dos Professores e Cultores da Liturgia, sediada na Villa Cagnola, em Gazzada, na Arquidiocese de Milão. Um evento que volta a ser realizado, em meio às limitações anti-Covid.

No centro da edição de número 48, o tema é a “assembleia eucarística” lida também à luz da emergência sanitária. “Essa situação complexa marcada pelo coronavírus evidenciou algumas faltas e carências que já eram precedentes”, afirma o Pe. Paolo Tomatis, presidente da associação.

Olhar para as “pessoas” da missa significa reconhecer que quem participa nas liturgias é o espelho de uma sociedade em que não existe mais uma fé permanente, mas sim “experimental e itinerante”.

“Não estamos mais diante de uma assembleia orgânica e compacta, como a tridentina, em que o preceito festivo se cumpria indo à missa na própria paróquia”, afirma Tomatis. “Em vez disso, temos uma assembleia mais fluida que condiciona as diversas modalidades de participação.” Incluindo pela TV ou pela web.

Mas cuidado com os “efeitos colaterais” dos ritos transmitidos, como definidos pelo Pe. Lorenzo Voltolin, pároco na Diocese de Pádua e professor na Faculdade Teológica do Trivêneto: do “faça-você-mesmo” à “sobreposição midiática”.

“Nem todas as missas na televisão ou online são iguais”, esclarecem Tomatis e Voltolin. “A comunidade real, com o próprio campanário e o próprio pároco, é também a referência física da comunidade digital. Por isso, é bom que a mediação da rede ou da TV assegure o contato com o corpo da própria comunidade.” Na prática, é melhor acompanhar a missa que é proposta ao vivo pela paróquia de pertencimento.

O arcebispo de Milão, Mario Delpini, convidou a não deixar que o pessimismo prevaleça, ao encerrar a semana. “A Covid mortificou muito as celebrações – sublinha – mas também valorizou alguns aspectos, pelo menos no que diz respeito à acolhida.”

Porém, ampliando a perspectiva, a “mensagem” que as liturgias enviam “não parece chegar ao destinatário”, observa o prelado. E assistimos a uma “irrelevância do rito” onde, como ensina o Evangelho, a semente da Palavra cai em “um terreno que não produz fruto se não estiver disposto a acolher e conservar a própria boa semente”, recorda Delpini.

Trata-se de liturgias “afônicas”. Mas também reivindicadas. Há quem as exija, sobretudo quando se vive em realidades pequenas, de extrema periferia, onde é difícil garantir a missa dominical também porque faltam padres. “Acima de tudo, há o dever da comunidade de se enraizar na Eucaristia – reflete Tomatis – da qual brota o direito de cada batizado à própria Eucaristia. Onde isso não for possível, poderiam ser reescritos, por exemplo, as fronteiras da comunidade, para que ela seja mais ampla.”

Certamente, tudo pressupõe aquela participação ativa e consciente, indicada pelo Vaticano II, que é o critério para compreender em profundidade o significado teológico da missa. Daí a referência à “sacramentalidade da assembleia”, evidenciada pelo Pe. Roberto Repole, professor de Teologia Sistemática da Faculdade Teológica de Turim, durante a semana.

“Mesmo nas assembleias menores, o Senhor se faz presente”, sublinha o presidente da associação. “A partir dessa consciência, trata-se de fazer com que cada assembleia eucarística torne visível o mistério de Cristo e da Igreja. Portanto, a assembleia não é apenas o sujeito da Eucaristia, mas também faz parte do próprio mistério que se manifesta nas pessoas, que, em carne e osso, com os seus limites e as suas histórias, a formam.”

Nas paróquias italianas, o novo missal chegou em novembro passado, em meio ao “terremoto” da pandemia, quando as celebrações estavam – e ainda hoje estão – condicionadas pelas medidas anti-Covid. E, na Semana de Estudos dos Professores e dos Cultores da Liturgia, a tradução renovada do livro serviu de marco para as reflexões sobre a assembleia eucarística.

“Fizemos algumas perguntas: a nova edição do missal é um texto para a assembleia ou para o padre? E a missa é aquela coisa que o sacerdote faz ou é a ação de toda a comunidade?”, explica o Pe. Paolo Tomatis, que integrou o grupo da Conferência Episcopal Italiana (CEI) que concluiu a redação do livro litúrgico. As respostas são óbvias.

“O missal – afirma – certamente é para a assembleia, porque marca a participação mediante gestos e palavras que envolvem a todos. Mas é preciso fazer com que ele funcione bem. O livro é muito mais rico em ações comunitárias do que parece. Vale a pena redescobri-las. Estou pensando na oferta dos dons pelos fiéis ou no canto comunitário, ou ainda na procissão para a Comunhão, talvez a ser recebida na plenitude das duas espécies.”

E a ideia de uma homilia dialogada? “Pode ocorrer em assembleias particulares, como os grupos de jovens. Não é apropriada durante as liturgias paroquiais”, assinala Tomatis. “Embora a etimologia da palavra ‘homilia’ remeta ao diálogo, ela é uma comunicação horizontal, ou seja, entre o pregador e a assembleia, mas a serviço de uma comunicação vertical, isto é, do diálogo entre Deus e o seu povo.”

 

Fonte - unisinos

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