quarta-feira, 20 de julho de 2011

‘Uma fé certa abre para o diálogo com todos’. Entrevista com o cardeal Angelo Scola


Estudioso e pastor, o cardeal Angelo Scola foi um amigo próximo do Papa Bento XVI durante mais de quatro décadas, e em Roma é considerado por muitos como o favorito italiano para suceder o papa alemão, em caso de conclave em um futuro próximo.
Este intelectual, filho de um caminhoneiro socialista e de uma católica, foi durante muitos anos membro ativo do Movimento Comunhão e Libertação, ao qual reconhece a promoção da sua vocação sacerdotal.
Estudante brilhante, obteve o doutorado em Filosofia pela Universidade Católica de Milão, e em Teologia pela Universidade de Friburgo (Suíça), onde também deu aulas. Nomeado por João Paulo II reitor da Universidade Lateranense em 1995, é reconhecido por ter elevado o status acadêmico da instituição durante os seis anos em que ocupou o cargo.
No começo dos anos 1970, colaborou com Henri de Lubac, Hans Urs Von Balthasar e Joseph Ratzinger na prestigiosa revista católica internacional Communio, da qual foi editor durante muitos anos. Poliglota e autor de vários livros e incontáveis artigos, é considerado o intelectual mais destacado da hierarquia italiana.
Com 14 anos de experiência pastoral no governo de duas dioceses, este original e criativo pastor e pensador é também um homem de diálogo. Como Patriarca de Veneza, trabalhou arduamente para construir pontes com as Igrejas ortodoxas e com o mundo muçulmano, neste último caso lançando o Projeto Oásis, em 2004. Este líder religioso com grande capacidade de expressão, muitas vezes falando sem temor em defesa dos direitos humanos fundamentais, da Igreja, da família e dos valores morais.
A entrevista que segue é parte de uma entrevista mais longa que o Cardeal concedeu a Gerard O’Connell e está publicada na agência de notícias Vatican Insider, 29-06-2011. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Quais são os principais desafios que a Igreja enfrenta atualmente?
Creio que o principal desafio é a interpretação do mundo pós-moderno, um desafio que a Igreja compartilha com o resto da sociedade. Para mim, a pergunta é: entramos ou não no mundo pós-moderno?
Certamente, a queda do Muro de Berlim marcou uma transformação bastante radical que pode ser vista em certos fenômenos macroscópicos. De fato, o que está acontecendo hoje no Magreb, no Oriente Médio, é como que a segunda fase do que aconteceu em 1989. Existe, certamente, um grande desejo de liberdade por parte dos povos no cenário mundial, e isso vem acompanhado de uma exigência urgente de participação real.
Isto complicou ainda mais o que chamo de processo de mestiçagem de civilizações e culturas, um processo de movimento e deslocamento de povos que se tornará ainda mais radical nas décadas vindouras. Tudo isto torna mais urgente para a Europa a necessidade de conhecer mais profundamente o islã.
Além disso, há a questão do potente e veloz progresso das tecnologias, especialmente a bioengenharia, a clonagem, a bioconvergência, a informática, a biologia, a física molecular, a neurociência, a civilização das redes sociais, etc.
Todos estes fenômenos estão produzindo um tipo diferente de homem, e então o desafio para a Igreja é o mesmo que para toda a humanidade: que tipo de ser humano deseja ser o homem do Terceiro Milênio?
Qual é o seu ponto de vista sobre isto?
Há aproximadamente dez anos, quando estava em Munique, comprei uma cópia do jornal Die Welt, onde um filósofo alemão chamado De Jong escreveu uma página inteira intitulada: “O homem é apenas seu próprio experimento!”.
É claro que aqui nos defrontamos com um marco que é radicalmente diferente daquele que prevaleceu até os anos 1980, e me parece que a Igreja, neste contexto, deve insistir sobre o fato de que o “Eu” não existe sem relações. Este é o ponto. Porque é a partir do “Eu em uma relação” que se documenta a dinâmica da Verdade, do Bem e da Beleza na família humana e, do meu ponto de vista, este fato é irreprimível.
Devemos nos questionar muito sobre o significado do nascimento. Na história da humanidade, o nascimento significou, e continuará representando, um fato que é para mim global: “é impossível autoprocriar e sempre será assim”. Embora dentro de 100 anos seja possível clonar-me automaticamente, o clone que irei produzir será diferente de mim, e não se produzirá a partir de si mesmo.
Portanto, os desafios radicam nos níveis antropológico, social, cosmológico e ecológico, e são desafios da humanidade. Devido ao fato de que a Igreja de Cristo seja a presença de um Deus que se encarnou, que se envolveu, e que continua envolvido com a humanidade, tem que responder a estes desafios da humanidade.
Neste sentido, creio que temos que avaliar com muito realismo todos os aspectos positivos que emergem destas importantes mudanças e descobertas, ao mesmo tempo que aceitamos os elementos de contradição que se encontram em cada passagem de civilização.
A Igreja está abordando este problema de modo adequado?
O problema em si é comum: quem é este homem do Terceiro Milênio? Certamente, existe hoje o risco da dominação de uma identidade individualista. No exemplo em que “O homem é simplesmente seu próprio experimento”, esta identidade é sensacionalista.
O risco é que o homem se pense a si mesmo como libertado de todo vínculo e, portanto, como “homem que se fez a si mesmo”. Isto anula o intercâmbio entre gerações, anula a educação no sentido próprio do termo, e desencadeia muitos fenômenos que vemos nas transformações antropológicas e nos modos de entender a sexualidade, o amor, a paternidade, o trabalho, etc.
Me parece que neste contexto, a missão da Igreja é mais relevante que nunca. De fato, creio que a proposta cristã é particularmente relevante agora, porque se lemos o Evangelho, vemos que se centra no tema da felicidade e da liberdade: Jesus disse: “Se deseja ser feliz, segue-me, e quem me seguir será verdadeiramente livre”. Introduz a dinâmica da Verdade, do Bem e da Beleza dentro do horizonte da Felicidade e da Liberdade.
Então, quando a proposta cristã é libertada – sobretudo na Europa e no hemisfério norte – de tudo aquilo que exerce pressão sobre ela, devido às contradições e aos pecados dos homens e mulheres da Igreja, e é proposto novamente em sua simplicidade jovem como um encontro com uma humanidade feita plena por Cristo, então se torna mais relevante que nunca.
Quais são as fortalezas e as debilidades da Igreja ao enfrentar estes desafios?
São aquelas que Bento XVI formulou no começo de sua primeira encíclica, Deus Caritas Est (Deus é Amor), a saber, que a natureza do cristianismo é um encontro pessoal com Cristo na comunidade cristã. Vemos isto claramente naquelas pessoas que encontraram Cristo e dão testemunho da beleza de uma humanidade que triunfou.
A debilidade é a existência irresoluta do que Paulo VI já havia denunciado: o dualismo entre a fé e a vida. Isto é evidente quando alguém não experimenta o modo como impacta a relação com Cristo na vida cotidiana, incluindo a vida afetiva e do trabalho, ou a relevância que a vida da Igreja tem em tudo isto, e então se tende a concluir que a prática da vida cristã é inútil, e se tende a abandona-la.
A tarefa primordial da Igreja – que o Papa entendeu bem decidindo criar o Pontifício Conselho para a Nova Evangelização – é anunciar Cristo em todos os cenários da existência humana e simplificar a vida da comunidade cristã nas paróquias e nas dioceses de modo que se adéque melhor às pessoas de hoje, especialmente os jovens, às pessoas que têm família e trabalham.
É um problema substancial recuperar o vínculo entre a fé e a vida, entender como a fé é relevante para a minha vida. É um problema que, para poder ser solucionado, necessita das relações; não pode ser resolvido individualmente, requer uma comunidade viva de pessoas que possam comunicar suas experiências.
Você visitou muitas Igrejas no hemisfério sul e as descreveu como “faróis de esperança”. Por quê?
Estas são Igrejas da primeira evangelização, e mantêm uma vitalidade e um frescor nas quais a primazia da vida renovada por Cristo é palpável. Além disso, se vê um espírito de jovialidade em todas as igrejas africanas, onde a liturgia é muitas vezes encarnada positivamente, e onde a profundidade das relações fraternais em Cristo é tangível, não obstante os problemas e contradições que todas as pessoas têm. É particularmente impressionante ver como a experiência do mistério é uma experiência de alegria.
Vi isto muitas vezes na África e também na Ásia, nas Filipinas, no Brasil e em outras partes da América Latina, se bem que as situações são bastante diferentes. Por isso considero que estas Igrejas são sinais de esperança, porque creio que podem rejuvenescer toda a Igreja católica. Mas ainda resta por ver qual será o impacto dos temas de que falamos anteriormente.
Muitas destas Igrejas se veem frente ao problema de se relacionar com outras religiões, sendo geralmente Igrejas minoritárias. Você dedicou muita atenção a este assunto. Acredita que a Igreja hoje entendeu bem este problema?
A Igreja católica, do meu ponto de vista, particularmente desde o Concílio Vaticano II e também devido a que deu uma importância muito grande à prática do ecumenismo, enfrenta a questão do diálogo inter-religioso com grande realismo. Mas demora para encontrar um equilíbrio adequado.
Lembro de uma afirmação do Cardeal Ratzinger, que foi mais ou menos a seguinte: o diálogo inter-religioso é uma experiência intrínseca à Igreja cristã, não é algo contingente, imposto de fora. Não é imposto pelo fato de que hoje temos 15 milhões de muçulmanos na Europa, se bem que isto faz com que seja mais urgente que nos envolvamos em um diálogo inter-religioso.
A necessidade de diálogo é intrínseca à experiência cristã. Isto é assim porque a experiência cristã é um encontro com o Cristo Ressuscitado que desperta fé, mas fé em um ser humano que tende por sua própria natureza à religião. O homem se expressa em ritos, em culto, em tradição. Assim, dentro da fé cristã existe esta relação contínua entre a fé e a religião, razão pela qual a fé é tomada pela religião e a religião deve ser tomada e purificada pela fé.
Neste sentido, não estou de acordo com a tese de Karl Barth de que o cristianismo é apenas fé e não religião, porque cada fé tende a ser fé das pessoas e, então tende a se converter em religião. Portanto, minha fé como cristão tem que estar de acordo com a religião.
Uma dimensão crucial da religião é a Tradição (com “T” maiúsculo), que para mim se expressa especialmente na Eucaristia iluminada pela Palavra de Deus, interpretada autenticamente pela autoridade docente da Igreja (Magistério), na qual foram, e continuam sendo, introduzidas tradições contingentes, mas que podem ser modificadas.
Refere-se à religião popular?
Sim. A religião popular assume muitas formas. E então esta atitude, pela qual a minha fé encontra as expressões religiosas do cristianismo, me ajuda também a me relacionar com expressões religiosas de diferentes tipos: muçulmanas, hindus, etc.
Um diálogo efetivo que demanda que comprometa a minha fé de modo dinâmico. Implica uma identidade, mas uma identidade dinâmica, e então retornamos ao que falávamos anteriormente: o que é o cristianismo?
O acontecimento de Cristo, pelo qual se doa como dom à humanidade para ser o Caminho, a Verdade e a Vida, está inteiramente aberto ao diálogo. Mas se reduzimos o cristianismo a uma questão simplesmente de doutrina, então o reduzimos a um diálogo puramente especulativo.
Certamente, o cristianismo implica um ensino doutrinal e moral, mas este está encarnado na vida de uma pessoa e na vida de uma comunidade. Portanto, se praticamos a vida cristã pelo que ela é – “a boa vida” documentada e atestada pelo Evangelho – então podemos dialogar com todos.
Basta ir à Índia, onde se celebram muitíssimos casamentos mistos entre hindus e cristãos, e ali se pode ver como as pessoas praticam o diálogo inter-religioso na vida cotidiana, por exemplo, no modo como o marido e a mulher se amam mutuamente, ou no modo como educam seus filhos.
Por outro lado, também é necessário fazer uma reflexão de tipo teológico e cultural, como está acontecendo em muitos lugares hoje. Um exemplo disto é a pequena experiência Oásis, que começamos aqui em Veneza e que é dedicada, principalmente, ao conhecimento recíproco.
O primeiro passo para o diálogo é o conhecimento. Isto é fundamental porque, como é evidente hoje, se perguntássemos a um católico italiano ou a um europeu o que é o islã, mais de 90% não saberia responder. Estou certo de que a situação contrária seria a mesma.
Me parece que, falando em termos gerais, como cristãos estamos encaminhados no que se refere ao diálogo inter-religioso, mas é uma questão de grande relevância histórica e requer muito tempo.
A partir de sua experiência com o projeto Oásis, poderia descrever uma experiência inter-religiosa que o tenha encorajado e uma que o tenha deprimido?
As coisas que me dão alento são pequenas coisas, mas oferecem a oportunidade de avaliar, de apreciar “o islã das pessoas”.
No Oásis gostamos da expressão “islã moderado”, porque com frequência se identifica o “islã moderado” com algum intelectual muçulmano isolado que tem suas ideias próprias, que, falando de modo geral, não têm muita influência nas pessoas. Não obstante, as relações com os filósofos ou os pensadores muçulmanos “moderados” é importante, e não deveria ser deixada de lado.
No Oásis, por outro lado, começamos a encontrar algumas experiências disseminadas daquilo que chamamos de “islã das pessoas”, que são muito belas.
Uma destas experiências do “islã das pessoas” se encontra na Jordânia. É um dado conhecido que uma grande porcentagem de jordanianos sofre de deficiências de diferentes tipos – aproximadamente 10% da população – devido a problemas relacionados aos casamentos entre tribos. Por esta razão, se fundou uma associação para ajudar estas pessoas, que é composta por muçulmanos e cristãos e que envolve centenas de milhares de pessoas em todo o país, com uma série de lares e atividades realmente impressionante que responde a esta grande necessidade de ajuda. Trabalham fantasticamente bem juntos. Há também lugares muito belos para a reflexão. Este é um sinal do “islã das pessoas” que nós no Oásis tanto apreciamos, é um verdadeiro sinal de esperança.
Outra experiência muito bonita foi em Kosovo, onde a minoria cristã – em Pristina e Pec – estabeleceu lugares de encontro, “cenáculos”, para a superação do ódio. As famílias cujos filhos foram assassinados se uniram a outras famílias que viveram situações similares. Os cristãos começaram esta experiência e incluíram também os muçulmanos em um modo excelente.
Nesta mesma região de Pec, eu mesmo conheci os líderes muçulmanos da cidade, que haviam decidido reconstruir uma igreja católica que foi destruída em uma aldeia durante a guerra.
Estes sinais positivos de diálogo estão se multiplicando silenciosamente, e estão retomando a grande tradição dos missionários cristãos nesse contexto, que sempre trabalharam e respeitaram a todos, especialmente através das escolas e dos hospitais que estabeleceram, onde aceitaram a todos sem discriminação.
Considero que estas experiências são alguns dos elementos mais positivos sobre os quais devemos insistir no diálogo inter-religioso.
O pequeno é belo!
Espero que isto se estenda cada vez mais, porque vejo que quando as pessoas não são manipuladas, querem fazer este tipo de coisas. Mas talvez o elemento mais delicado, que se vê na crise que se desatou no Magreb e em todo o Oriente Médio, seja a necessidade de fomentar uma evolução no islã para chegar a uma distinção entre a dimensão religiosa e a dimensão civil.
Sabemos que os regimes do Oriente Médio foram modelados de acordo com uma certa estrutura jurídica e institucional de uma marca ocidental, mas isto logo foi utilizado pelas monarquias ou as oligarquias para seus próprios interesses. Agora devemos esperar e ver se os espaços que estão se abrindo podem permitir esta evolução.
A partir desta perspectiva, nós na Europa temos uma grande responsabilidade atualmente. Quando começamos com o Projeto Oásis há seis ou sete anos, eu estava um pouco cético sobre falar de um islã italiano, de um islã francês, de um islã europeu. Mas então, em alguns comitês científicos do nosso projeto, vimos que na França já estava emergindo algo assim, e agora entendemos que a Europa pode se converter em um laboratório através do qual o diálogo com o islã pode fomentar uma evolução recíproca.
Certamente, a Igreja tem muito a dizer aqui, assim como toda a sociedade civil. A Igreja pode se fazer presente, especialmente recebendo os muçulmanos e abrindo espaços para o diálogo.
No norte da Itália, por exemplo, as estruturas eclesiásticas vinculadas a paróquias são frequentadas regularmente por muitos muçulmanos e, de algum modo, as crianças católicas e muçulmanas conseguem se conhecer nas escolas católicas.
Do meu ponto de vista, a evolução e a superação de uma concepção imprecisa do multiculturalismo, tanto nas versões inglesa como francesa, parece ser hoje um fato significativo. A Europa é, portanto, um laboratório para o futuro no qual esta dificuldade do islã – que degenera em fundamentalismo e terrorismo quando não é interpretada corretamente – se supera. Isto dá esperança.
Falando do Islã, acredita que o efeito negativo da conferência de Regensburg do Papa Bento foi superado?
Como sabe, a essa conferência se seguiu o famoso manifesto de 138 muçulmanos que assinaram uma carta conjunta dirigida ao Papa e a outros líderes cristãos. E depois aconteceu a visita do Rei da Arábia Saudita, que foi amplamente subestimada, mas que, de fato, foi muito significativa.
É verdade, mas quando visitei a Jordânia, a Palestina e a Turquia, descobri que, embora os líderes e intelectuais nestes países tenham aceitado ou se adequaram ao que o Papa disse, não é bem assim para as pessoas comuns, para o homem muçulmano das ruas. Ali se vê uma falta de confiança no Papa. Sei que isto também é assim em muitos Estados asiáticos de maioria muçulmana. Você também observou isto?
Creio que, certamente, o mal-entendido ao nível das pessoas é ainda muito forte, porque o elemento fundamentalista conta atualmente com meios de propaganda extraordinários.
Aqui, o remédio é a educação paciente, uma iniciativa educacional que deveria ser vivida também como uma iniciativa na qual todos os sujeitos do setor se vejam envolvidos. Neste sentido, a grande tradição cristã de escolas e hospitais segue sendo, na minha opinião, o principal caminho para a superação deste obstáculo.
Tentamos abordar isto criando comitês científicos como parte do projeto Oásis. Fizemos isso em Veneza, no Cairo, em Amã e em Beirute, e agora queríamos iniciar um também em Damasco, mas há algumas dificuldades, razão pela qual teremos que esperar e ver.
Deve-se ter a coragem de manter a integridade da visão cristã, porque se pode ver que os problemas nunca estão separados. Caso não regenerarmos o povo cristão aqui na Europa, todas estas questões se converterão em grandes objeções, porque caso não houver um sujeito, não haverá premissa para enquadrar um diálogo.
Antes falava sobre o quanto o havia impressionado a vitalidade das igrejas na África, Ásia e América Latina, mas qual é a sua opinião sobre o fato de que vemos muito poucas pessoas destas regiões no governo central da Igreja – no caso o Colégio dos Cardeais, na Cúria Romana?
Há alguns. Mas me parece que o processo de internacionalização da natureza verdadeiramente católica do Colégio de Cardeais, dos bispos e da Cúria Romana, é um processo sem retorno, é irreversível.
Pode ser que seja um pouco lento, mas de Paulo VI para cá, está se acentuando. Creio, contudo, que isto está muito vinculado a fatores contingentes, porque na Igreja se procede por uma comunhão viva. Não se procede através das opções de representações democráticas automáticas: tantos católicos no Sul do mundo, portanto, tantos cardeais.
A lógica dos números não é suficiente, tem que ser equilibrada de acordo com as experiências efetivas do que é o governo eclesiástico. De fato, o Sínodo de Bispos, com poder consultivo, tem um peso muito importante, e isto não deveria ser subestimado.
Além disso, como demonstrou claramente a eleição dos dois últimos papas, já não existe o problema da eleição automática de um papa italiano. Creio que para o governo da Igreja todas as portas estão abertas.
Você disse que a eleição automática de um papa italiano está superada; mesmo assim, em Roma, muitas pessoas – no Vaticano e fora dele – estão dizendo que, depois dos papas polonês e alemão, e de todas as crises deste pontificado, necessita-se novamente de um papa italiano que devolva a ordem à Igreja.
Então, vamos ver. Em primeiro lugar, o Santo Padre está muito bem e está fazendo sua tarefa de um modo formidável, dando-nos uma lição do mais alto nível, que está suscitando um diálogo enorme e apaixonado em todo o mundo.
Em segundo lugar, está renovando o trabalho pastoral da Igreja, arraigando-o na liturgia e nos sacramentos.
E, vale dizer mais uma vez, é um papa que representa a natureza profunda do cristianismo como um acontecimento, e neste ponto está liderando, está testemunhando isto.
Não concordo com os que dizem que este é um papado que gerou crises. Houve momentos em que teve que carregar sobre suas costas grandes problemas dos homens da Igreja, e o fez tomando a liderança, sem esmorecer.
Quando se entra no escritório da cúria do Patriarca aqui em Veneza, e se vê estes grandes retratos de seus predecessores, que foram papas no século XX – Pio X, João XXIII e João Paulo I – não se pode evitar pensar que talvez...
Creio que o Espírito Santo guia a Igreja, faz uso de tudo, também da pobreza dos homens, intervém e faz sua escolha.
Pois, na Irlanda chegaram a apostar sobre quem será o próximo papa!
(Risos.)

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