domingo, 22 de setembro de 2013

Alguém deixou as janelas abertas

[bibliacatolica]
20 setembro 2013 

Mais terrível que as tempestades que agitam a barca de Pedro é a cegueira de quem pensa que nada está acontecendo

O barco da Igreja tem enfrentado um mar bravio e são muitos os tripulantes a abandonar a segurança de estar cum Petro et sub Petro para uma aventura perigosa em outras navegações. “Não se tem mais confiança na Igreja; põe-se confiança no primeiro profeta profano que nos vem falar em algum jornal ou em algum movimento social, para recorrer a ele pedindo-lhe se ele tem a fórmula da verdadeira vida”, dizia o Papa Paulo VI. Foi constatando esta realidade que o otimista Papa Montini declarou, com lamento, que “por alguma brecha a fumaça de Satanás entrou no templo de Deus”01.
Não há por que esconder isto: o ambiente eclesial passa por uma verdadeira crise. Negá-la significaria edificar um otimismo irrealista, que só anestesiaria e deixaria ainda mais inertes os seguidores de Jesus Cristo. Eles precisam tomar consciência de que, além do combate espiritual do dia-a-dia, no decorrer do qual correm o risco de perder a sua alma eternamente, há uma guerra cultural sendo travada, guerra que já tomou todos os setores da vida pública, desde a mais inocente escola de jardim até os mais altos tribunais de justiça do mundo. E, se é assim, não há dúvida que cabe à Igreja, enquanto realidade ainda imersa nas realidades seculares, uma dramática responsabilidade por tudo isto. Melhor dizendo, se esta “crise de valores” impregnou tão fortemente o convívio social, certamente não deixou de afetar a Igreja, cuja contribuição para a Civilização se ofusca com a obra de alguns trabalhadores negligentes, preguiçosos ou, muitas vezes, comprometidos com o mal. 
O filósofo Olavo de Carvalho diz: “Ao confessar que (…) ‘a fumaça de satanás entrara pelas janelas do Vaticano’, o papa Paulo VI esqueceu de observar que isso só podia ter acontecido porque alguém, de dentro, deixara as janelas abertas”02.
Não é preciso ir muito além para perceber que inúmeras ovelhas, ao redor do mundo, ao invés de serem apascentadas por bons pastores – exemplos do Pastor supremo das almas, Jesus Cristo –, eram conduzidas e ameaçadas por lobos vorazes. Estes lobos vestidos em pele de cordeiro, ao invés de oferecer aos filhos da Igreja o seu ensinamento de dois mil anos, o seu riquíssimo patrimônio espiritual e o valoroso exemplo dos santos, deixavam perdidas as ovelhas com um falso evangelho que eles mesmos tinham inventado. Enquanto a tábua dos Dez Mandamentos era pisoteada e destruída, em nome de um mundo novo nesta terra, eles trocavam o Credo Apostólico pelas Teses de Abril03, os Sacramentos católicos pela foice e pelo martelo. Clamavam “paz”, “justiça social” e “doçura”, enquanto o rebanho era espiado, coagido e assassinado. 
Foi destes falsos pastores que São Paulo falou quando anteviu a vinda de um “tempo em que os homens já não suportarão a sã doutrina da salvação. Levados pelas próprias paixões e pelo prurido de escutar novidades, ajustarão mestres para si. Apartarão os ouvidos da verdade e se atirarão às fábulas” (2 Tm 4, 3-4). Mais claro que isto, impossível. Esta verdade pode ser facilmente observada por quem não esteja anestesiado ou cegado por uma ilusão infantil de que “tudo está bem” e “tudo é maravilhoso”.
Esta mentalidade de jogar panos frios em água quente foi recorrente em muitos ambientes cristãos nas últimas décadas. Pensou-se estar inaugurando na Igreja um “novo Pentecostes”. A perspectiva de muitas pessoas na década de 1960 e também nas gerações seguintes era que se vivia uma “primavera” na Igreja. Ao contrário, hoje se experimenta o que o Cardeal Walter Kasper chamou de “uma Igreja com aspecto de inverno”, com “claros sinais de crise”04. 
A terrível situação pela qual a Igreja passa neste século é real, mas não deve ser motivo de desespero. O próprio Cristianismo nasceu em crise. Jesus chamou doze apóstolos para estarem com Ele, mas, aos pés da Cruz, apenas o discípulo que ele amava permaneceu firme – isto sem falar da infidelidade de Judas, que traiu Jesus, e do próprio São Pedro, primeiro Papa, que O negou três vezes. “Também hoje, a barca da Igreja, com o vento contrário da história, navega através do oceano agitado do tempo. Frequentemente dá a impressão de que vai afundar. Mas o Senhor está presente, e vem no momento oportuno”05. Permanece viva no coração da Igreja a promessa de nosso Senhor de que contra ela “as portas do inferno não prevalecerão” (Mt 16, 18).

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