20 setembro 2013
Mais terrível que as tempestades que agitam a barca de Pedro é a cegueira de quem pensa que nada está acontecendo

O barco da Igreja tem enfrentado um mar bravio e são muitos os 
tripulantes a abandonar a segurança de estar cum Petro et sub Petro para
 uma aventura perigosa em outras navegações. “Não se tem mais confiança 
na Igreja; põe-se confiança no primeiro profeta profano que nos vem 
falar em algum jornal ou em algum movimento social, para recorrer a ele 
pedindo-lhe se ele tem a fórmula da verdadeira vida”, dizia o Papa Paulo
 VI. Foi constatando esta realidade que o otimista Papa Montini 
declarou, com lamento, que “por alguma brecha a fumaça de Satanás entrou no templo de Deus”01.
Não há por que esconder isto: o ambiente eclesial passa por uma 
verdadeira crise. Negá-la significaria edificar um otimismo irrealista, 
que só anestesiaria e deixaria ainda mais inertes os seguidores de Jesus
 Cristo. Eles precisam tomar consciência de que, além do combate 
espiritual do dia-a-dia, no decorrer do qual correm o risco de perder a 
sua alma eternamente, há uma guerra cultural sendo travada, 
guerra que já tomou todos os setores da vida pública, desde a mais 
inocente escola de jardim até os mais altos tribunais de justiça do 
mundo. E, se é assim, não há dúvida que cabe à Igreja, enquanto
 realidade ainda imersa nas realidades seculares, uma dramática 
responsabilidade por tudo isto. Melhor dizendo, se esta “crise de 
valores” impregnou tão fortemente o convívio social, certamente não 
deixou de afetar a Igreja, cuja contribuição para a Civilização se 
ofusca com a obra de alguns trabalhadores negligentes, preguiçosos ou, 
muitas vezes, comprometidos com o mal. 
O filósofo Olavo de Carvalho diz: “Ao confessar que (…) ‘a 
fumaça de satanás entrara pelas janelas do Vaticano’, o papa Paulo VI 
esqueceu de observar que isso só podia ter acontecido porque alguém, de 
dentro, deixara as janelas abertas”02.
Não é preciso ir muito além para perceber que inúmeras ovelhas, ao 
redor do mundo, ao invés de serem apascentadas por bons pastores – 
exemplos do Pastor supremo das almas, Jesus Cristo –, eram conduzidas e 
ameaçadas por lobos vorazes. Estes lobos vestidos em pele de cordeiro, 
ao invés de oferecer aos filhos da Igreja o seu ensinamento de dois mil 
anos, o seu riquíssimo patrimônio espiritual e o valoroso exemplo dos 
santos, deixavam perdidas as ovelhas com um falso evangelho que eles 
mesmos tinham inventado. Enquanto a tábua dos Dez Mandamentos era 
pisoteada e destruída, em nome de um mundo novo nesta terra, eles 
trocavam o Credo Apostólico pelas Teses de Abril03,
 os Sacramentos católicos pela foice e pelo martelo. Clamavam “paz”, 
“justiça social” e “doçura”, enquanto o rebanho era espiado, coagido e 
assassinado. 
Foi destes falsos pastores que São Paulo falou quando anteviu a vinda de um “tempo
 em que os homens já não suportarão a sã doutrina da salvação. Levados 
pelas próprias paixões e pelo prurido de escutar novidades, ajustarão 
mestres para si. Apartarão os ouvidos da verdade e se atirarão às 
fábulas” (2 Tm 4, 3-4). Mais claro que isto, impossível. Esta 
verdade pode ser facilmente observada por quem não esteja anestesiado ou
 cegado por uma ilusão infantil de que “tudo está bem” e “tudo é 
maravilhoso”.
Esta mentalidade de jogar panos frios em água quente foi recorrente 
em muitos ambientes cristãos nas últimas décadas. Pensou-se estar 
inaugurando na Igreja um “novo Pentecostes”. A perspectiva de muitas 
pessoas na década de 1960 e também nas gerações seguintes era que se 
vivia uma “primavera” na Igreja. Ao contrário, hoje se experimenta o que
 o Cardeal Walter Kasper chamou de “uma Igreja com aspecto de inverno”, 
com “claros sinais de crise”04. 
A terrível situação pela qual a Igreja passa neste século é real, mas
 não deve ser motivo de desespero. O próprio Cristianismo nasceu em 
crise. Jesus chamou doze apóstolos para estarem com Ele, mas, aos pés da
 Cruz, apenas o discípulo que ele amava permaneceu firme – isto sem 
falar da infidelidade de Judas, que traiu Jesus, e do próprio São Pedro,
 primeiro Papa, que O negou três vezes. “Também hoje, a barca da Igreja,
 com o vento contrário da história, navega através do oceano agitado do 
tempo. Frequentemente dá a impressão de que vai afundar. Mas o Senhor 
está presente, e vem no momento oportuno”05.
 Permanece viva no coração da Igreja a promessa de nosso Senhor de que 
contra ela “as portas do inferno não prevalecerão” (Mt 16, 18).
 
Nenhum comentário:
Postar um comentário