IHU - A imprensa começou a repercutir uma palestra dada pelo Papa Francisco em novembro no colóquio com os membros da União dos Superiores Gerais - USG - dos institutos religiosos masculinos, publicada em reportagem da revista Civiltà Cattolica no dia 03-01-2014. Temos visto manchetes como a do Globo, "Papa afirma que casamento gay é desafio educativo para a Igreja", ao do G1, "Papa Francisco pede nova atitude da Igreja com os filhos de homossexuais", e a do UOL, "Papa Francisco pede nova atitude da igreja com os filhos de homossexuais". Desde ontem, vi essas matérias despertarem reações positivas e negativas dentro da comunidade LGBT. Contudo, me parece que há um esclarecimento importante a fazer, que coloca o caso sob uma nova perspectiva.
O comentário é de Cristiana Serra e publicado por Diversidade Católica, 5-01-2014.
Um exame do documento revela que o papa não se referiu ao casamento
gay em sua palestra em nenhum momento, ao contrário do que essas
manchetes podem dar a entender. Provavelmente o mal entendido se deve ao
fato de que o papa citou o caso de uma menina que estava triste porque
"a namorada da minha mãe não gosta de mim". Esse é o único momento em
que ele fala em gays. Acontece que o trecho completo é o seguinte:
"Para o Papa, os pilares da educação são:
'transmitir conhecimentos, transmitir modos de fazer, transmitir
valores. Através deles se transmite a fé. O educador deve estar à altura
das pessoas que educa, de interrogar-se quanto a como anunciar a Jesus
Cristo a uma geração em transformação'. Para tanto, insistiu: 'a tarefa
da educação hoje é uma missão chave, chave, chave!', e citou algumas de
suas experiências em Buenos Aires sobre a preparação necessária para que
se receba, em contextos educativos, crianças, adolescentes e jovens que
vivem em situação complexa, especialmente em família: 'lembro-me do
caso de uma menina muito triste que acabou confidenciando à professora o
motivo de sua tristeza: 'a namorada da minha mãe não gosta de mim'. A
porcentagem de crianças que estudam nas escolas e têm pais separados é
altíssima. As situações que hoje vivem criam, portanto, novos desafios
que, para nós, às vezes são até difíceis de entender. Como anunciar
Cristo a esses meninos e meninas? Como anunciar Cristo a uma geração em
transformação? É preciso que estejamos atentos, para que não lhes
ministremos uma vacina contra a fé." (p. 14)
O curioso, portanto, é que essa frase da menina não é citada para
falar sobre casais gays. Não é uma crítica aos gays, como a matéria do G1,
por exemplo, pode fazer parecer. Pelo contrário: ele está falando sobre
os desafios da educação da nova geração, fala que há situações
complexas, dá esse exemplo, da menina que estava triste porque "a
namorada da minha mãe não gosta de mim", e segue falando sobre a alta
porcentagem de filhos da pais separados nas escolas, que as situações
requerem novas estratégias, etc. Quer dizer: ele se refere, no contexto
de um colóquio para religiosos, falando sobre a formação de religiosos, a
um casal de mulheres com uma filha como um casal separado qualquer.
Vou repetir: o papa se refere a um casal de mulheres
como um casal separado qualquer e que usa esse exemplo para refletir
sobre como as fórmulas antigas para se lidar com as novas situações
familiares não servem mais, estão alienando e afastando as pessoas
("ministrando uma vacina contra a fé"), e, em vez de assumir alguma
postura rígida e preestabelecida, pergunta e convida os demais a pensar
com ele:
"Como anunciar Cristo a esses meninos e meninas?".
Pode parecer sutil, mas o impacto disso, no contexto de uma instituição
milenar que não pode mudar por meio de grandes rupturas, é imenso, e vai
muito, mas muito além do que a maneira apressada e até equivocada como a
imprensa vem repercutindo essas suas palavras.
Que a abertura do papa Francisco para a dúvida, o
questionamento das certezas preestabelecidas, o encontro e o diálogo com
o outro nos sirvam de exemplo e inspirem, também nós, a partir ao
encontro do nosso irmão.
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