quinta-feira, 2 de abril de 2015

Jesus, servidor de todos


Aquele que ama até o fim irá vencer as trevas da morte.


Por Marcel Domergue*

Jesus não fica à espera de que os homens venham privá-lo do que é seu: da sua liberdade, da sua honra, da sua integridade física e, por fim, da sua vida. Para surpresa de todos, ele entrega antecipadamente o que lhe vão tirar. Judas sairá à noite para entregá-lo. Mas, antes que o faça, Jesus, se entrega a si próprio: “Tomai e comei! Isto é meu corpo. Tomai e bebei! Isto é meu sangue”. E age da mesma forma para com todos os protagonistas da sua Paixão: os sumos sacerdotes irão entregá-lo a Pilatos, para que o crucifique. Pilatos o entrega de volta, para que eles o crucifiquem. E o entregarão finalmente á morte.
O verbo “entregar” é utilizado por todos os evangelistas (Mateus, sobretudo) em relação a todos os que, no relato, tomam alguma decisão, sem que, contudo, saibam que estão cumprindo ou consumando as Escrituras. E que Jesus antecipou-se a todos eles na última Ceia: “Ninguém a tira de mim, mas eu a dou livremente” (João 10,18). A última Ceia fornece assim a chave de toda a Paixão e ficamos cientes de que a vida, uma vez dada, transforma-se em alimento do ser humano. Como diz Irineu, até mesmo o pão comum, provindo da criação, já era o corpo do Cristo. Deus já se entregava a nós no pão das nossas mesas.

Senhor que serve

A insistência de Paulo no “fazei isto em memória de mim” poderia levar-nos a uma excessiva ritualização da vida cristã. Para sermos fiéis ao Cristo, bastaria refazer os gestos da última Ceia e repetir as palavras pronunciadas por Jesus. É por certo uma prática salutar, que nos permite atualizar aquele evento, tornando-nos contemporâneos d’Ele. Hoje, como sempre, temos necessidade de receber a vida que Deus nos concede.
Refazer, no entanto, o que fez Cristo não consiste primeiramente em copiar os seus gestos, mas em reproduzir em nós “as atitudes que foram as de Cristo Jesus” (Filipenses 2,5) o qual “deu sua vida por nós, para que também déssemos a nossa vida por nossos irmãos” (1 João 3,16). A verdadeira forma de “fazer em memória” do Cristo é, portanto, amar. Eis porque, no evangelho segundo São João, onde esperaríamos encontrar os gestos e as palavras pronunciadas sobre o pão e o vinho, vemos Jesus, de joelhos ante os discípulos, a lavar-lhes os pés. Este gesto simbólico tem o mesmo significado do dom do pão e do vinho: se Deus, a quem chamamos Mestre e Senhor, se faz nosso servo, também nós, com maior razão, devemos nos pôr a serviço dos nossos irmãos.

Tudo ao contrário!

Tudo isso significa, é claro, a Paixão que irá acontecer em seguida ou que, de fato, já começou. Assistimos aqui à reversão de todas as nossas habituais categorias, de todas as nossas maneiras usuais de pensar. Salientamos acima que a onipotência se transformava em fraqueza. Vemos, agora, o Senhor que se faz servo. Tudo se passa ao contrário. O justo ocupa o lugar do injusto, do culpado, e o juiz substitui o condenado. Até mesmo as realidades naturais são subvertidas: o pão e o vinho, frutos da criação, tornam-se presença e vida do Criador.
E, finalmente, como derradeira e grandiosa mutação, a morte se transforma em vida. De fato, a vida, quando a entregamos em prol dos outros, nós não a perdemos: bem ao contrário, a engrandecemos. Jesus já havia dito que “quem perder a sua vida, a salvará”. O grão de trigo deve apodrecer na terra, perder a sua condição de grão, para dar fruto. Um fruto que lhe confere a imortalidade! Jesus nos dá a senha de como refazer o que Ele fez: “Também vós deveis lavar-vos os pés uns aos outros”. Evitemos, também, quanto a isto, neutralizar o significado do gesto e das palavras de Cristo, limitando-nos à celebração de um rito tornado estéril, se não for símbolo das ações do nosso cotidiano. Vivamos não apenas ritual, mas efetivamente, uma Aliança realmente nova!


Croire

*Marcel Domergue é sacerdote jesuíta. O texto é baseado nas leituras da Missa da Quinta-Feira Santa, em memória da Ceia do Senhor (02 de Abril de 2015). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara, e José J. Lara.

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