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O mundo assiste perplexo mas, parece pouco convencido da gravidade da atual situação.
Refugiados sírios: carga explosiva se alimenta de episódio em episódio. |
Por Dom Odilo Pedro Scherer*
Nesta sexta-feira, 8 de maio, na Catedral da Sé, em São Paulo, será
celebrada uma Missa em sufrágio das vítimas do primeiro grande massacre
do século 20, conhecido como "Genocídio Armênio". Em 1915, o partido dos
"Jovens Turcos", que mandava no império turco-otomano, resolveu
suprimir a minoria armênia que viva em seu território; na ocasião,
morreram cerca de um milhão e meio de armênios. Já no final do século
19, de 1894 a 1896, o sultão Abdul Hamid, do mesmo império, havia
promovido a eliminação de cerca de 300 mil armênios.
Na raiz desse genocídio, esteve a situação territorial do povo
armênio não resolvida, a discriminação étnica das presentes em várias
partes do território turco, bem como a intolerância e o racismo. O ódio
crescente contra os armênios levou à “solução final”, ou seja, à
expulsão e eliminação dessa minoria. Circunstâncias históricas, como as
atenções do mundo concentradas sobre as frentes de batalha da primeira
grande guerra mundial, favoreceram o descaso geral em relação ao
sofrimento do povo armênio.
Os armênios, no entanto, vivendo na pequena República da Armênia
criada naquelas circunstâncias ou nos vários países do mundo, inclusive
no Brasil, para onde emigraram, sempre lutaram pelo reconhecimento do
massacre sofrido e pela dignidade da memória de suas vítimas.
Embora a Turquia moderna não aceite que aquela tragédia promovida
pelo império turco-otomano mereça a qualificação de “genocídio”, muitos
países assim a reconhecem e qualificam. Recentemente, em meados de abril
deste ano, a União Européia afirmou, em bloco, que foi um genocídio.
Também a Santa Sé tem se manifestado nesse sentido e, em 12 de abril
passado, o papa Francisco celebrou no Vaticano uma Missa pelas vítimas
daquela tragédia.
No século 20, o mundo assistiu a vários outros genocídios, como o dos
judeus promovido pelo regime nazista da Alemanha durante a segunda
grande guerra; mais para o final do século, houve também genocídio e
limpeza étnica nas guerras balcânicas, que sucederam à fratura da
Yugoslávia pós-comunista. No século 21, já estamos assistindo ao
genocídio promovido no Iraque e na Síria pelo “Estado Islâmico”.
Genocídio é um crime contra a humanidade, que consiste em promover
todo tipo de ações com o objetivo de destruir ou eliminar total ou
parcialmente um grupo nacional, étnico, racial ou religioso (cf.
Aurélio). Embora não seja sempre fácil ter de imediato a informação e a
noção exatas dessas ocorrências criminosas, elas devem ser condenadas
com firmeza e veemência, não sendo aceitável nenhuma cumplicidade com
elas.
Vale uma reflexão para o que acontece atualmente em várias partes do
mundo, onde novos genocídios estão em curso. Em diversas regiões da
África (“África esquecida”), estão sendo dizimados ou eliminados
inteiros grupos étnicos e religiosos. O mesmo faz o “Estado Islâmico”,
impondo-se com terror e violência sobre minorias cristãs e outras, no
Iraque e na Síria. O mundo assiste, perplexo; mas parece pouco
convencido da gravidade da situação e do risco do alargamento desse
crime para outras áreas.
O genocídio, geralmente, é a “solução final” de um longo processo de
discriminação, intolerância e ódio, alimentado no meio da população por
grupos fundamentalistas radicais e fanáticos, ou por partidos
oportunistas. No início, parece apenas ação de alguns “extremistas”, que
até são vistos como anti-sociais e intratáveis; no entanto, geralmente,
decide-se ignorá-los e seguir em frente.
Grupos assim, porém, podem alimentar a discriminação e o ódio que,
não corrigidos, acabam tomando força e levando a verdadeiras paranóias
de intolerância e ódio na sociedade. Não raro, tais arroubos de
intolerância têm alguma motivação político-religiosa equivocada. Quem
pensa ou crê diferente, passa a ser visto como inimigo perigoso, que
precisa ser destruído. A carga explosiva se alimenta de episódio em
episódio, até que um estopim de conflito se acende e deflagra a
tragédia.
Alimentar ódios e discriminações de qualquer tipo pode ser cômodo
para caudilhos sedentos de poder. Para o convívio social, no entanto,
isso pode ser fermento de imensas tragédias, como o genocídio armênio
que recordamos.
CNBB, 07-05-2015.
*Dom Odilo Pedro Scherer é cardeal e arcebispo de São Paulo (SP).
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