sábado, 7 de março de 2020

A Transfiguração tem alguma coisa a ver com o Espiritismo?

Ao ser visto conversando com Moisés e Elias, estaria Nosso Senhor nos ensinando, por acaso, a falar com os mortos?



Por Equipe Christo Nihil Praeponere
Recebemos por esses dias a seguinte pergunta, à qual queremos dar especial atenção agora, porque, além de ser uma dúvida compartilhada por muitas pessoas, envolve o evangelho da Transfiguração do Senhor, proclamado pela Igreja neste domingo:
Padre, sou católico e totalmente contrário ao espiritismo. Tenho notado que muita gente por ignorância está cada vez mais acreditando nesta doutrina. Sempre digo que, se a pessoa acredita no espiritismo, deve jogar a Bíblia fora, porque não encontrei nenhuma passagem onde Jesus menciona coisas do tipo “morrer e se reencarnar para a evolução” (muito mencionado pelos espíritas).

Mas tem uma passagem na Bíblia com a qual eu não gostaria de ser pego “de surpresa” por um espírita, que é a passagem em que Jesus, no monte Tabor, conversa com Moisés e Elias (cf. Mt 17, 3; Mc 9, 4; Lc 9, 30). Como posso me defender de um espírita e argumentar que este momento não tem nada a ver com espiritismo?
Para responder a esta questão, partamos, em primeiro lugar, de um fato já reconhecido por nosso interlocutor: em nenhuma passagem contida nos Evangelhos Jesus ensina a reencarnação. Muito pelo contrário, são vários os lugares em que encontraremos ensinamentos destoando dessa que é a principal crença do espiritismo. Veja-se, por exemplo, o que diz Hb 9, 27: que “está determinado que os homens morram uma só vez, e depois vem o julgamento”; ou ainda, o que o próprio Senhor ensina na parábola do pobre Lázaro e do rico banqueteador (cf. Lc 16, 19-31), a saber, que as pessoas morrem e vão ou para o Céu ou para o Inferno, sem “novas vidas” nem mudança de destino.



O episódio da Transfiguração, no entanto, seria interpretado pelos espíritas de modo a defender não tanto a reencarnação, mas a comunicação com os mortos. Falando com o patriarca Moisés, falecido há muitíssimo tempo, e com o profeta Elias, arrebatado aos céus sem notícia de morte (cf. 2Rs 2, 1-12), Nosso Senhor talvez estivesse querendo ensinar seus discípulos a estabelecerem contato com as almas do além.
O primeiro modo de rebater essa distorção dos Evangelhos seria apelar para a unidade das Sagradas Escrituras, já que em diversos trechos bíblicos Deus condena expressamente a evocação dos mortos e, sendo Jesus Cristo seu Filho, em tudo obediente à sua vontade, não poderia Ele ensinar uma coisa tão explicitamente contrária à Lei.

Na verdade, como explica Santo Tomás de Aquino em seu comentário à Transfiguração [1], a própria aparição de Moisés no monte Tabor tinha como finalidade confirmar, para os discípulos, o fato de que Cristo não tinha vindo para abolir a Lei de Moisés, mas para levá-la à perfeição, como ele próprio já havia defendido em seu Sermão da Montanha (cf. Mt 5, 17).
Porém, como os espíritas não compartilham com os cristãos a fé na inerrância das Escrituras, esse argumento seria de pouca ou nenhuma valia. Mesmo aceitando, de qualquer modo, que o Antigo e também o Novo Testamento condenem o contato com os mortos, um espírita poderia muito bem dizer: “Tudo bem, mas, se é proibido, por que Jesus está falando com Moisés e Elias?
Simplesmente porque existe uma grande diferença entre uma aparição do além por iniciativa divina e uma tentativa humana de provocá-la, por meio da evocação das almas de pessoas falecidas. De fato, não consta nos Evangelhos que Jesus, Pedro, Tiago e João tenham se reunido para fazer “baixar” no monte os espíritos de Elias e Moisés, como sói acontecer em sessões espíritas. Moisés e Elias “apareceram-lhes”, como está escrito, por pura vontade de Deus, que operou aquele milagre diante dos três apóstolos para confirmar-lhes a fé na divindade de Jesus (outra verdade, a propósito, na qual os espíritas não acreditam).
Lembremo-nos, neste sentido, de uma orientação oportuníssima do Frei Boaventura Kloppenburg, grande estudioso do assunto:
A Bíblia menciona várias vezes aparições perceptíveis de espíritos do além. Assim o evangelista Lucas nos relata que “o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um varão chamado José, da casa de Davi; e o nome da virgem era Maria. Entrando na casa onde ela estava, disse-lhe: Alegra-te, cheia de graça, o Senhor é contigo” (Lc 1, 26-28). Jesus ressuscitado apareceu a Saulo a caminho de Damasco e falou com ele (cf. At 9). A Igreja aprovou aparições de Nossa Senhora em Lourdes e em Fátima.

Trata-se, nestes casos, evidentemente, de comunicações perceptíveis vindas do além. A fé cristã, por conseguinte, admite não somente a mera possibilidade de comunicações sensíveis, mas afirma fatos reais deste tipo de trato entre o além e o aquém.

Não devemos, porém, esquecer que Lucas nos informa que o Anjo “foi enviado por Deus”. Quem negará a Deus todo-poderoso a capacidade de enviar-nos seus mensageiros? Quando Deus manda, a iniciativa é sua; e a conseqüente manifestação do além toma para nós um caráter espontâneo. Bem outra é a situação quando a iniciativa é nossa, querendo nós provocar alguma conversação com entidade do além. [2]
Esse esclarecimento aos católicos é muitíssimo importante para afastar a ideia, muito difundida em nosso país, de que qualquer coisa que seja espiritual tenha algo a ver com espiritismo. Quem nunca ouviu, por exemplo, pessoas tratarem o tema da “vida após a morte” — praticamente onipresente nos Evangelhos — como se fosse uma “novidade” trazida pelo espiritismo ou um “tabu” para a Igreja Católica?
Não, ainda que o principal expoente do espiritismo, no Brasil e no mundo, tenha escrito um “Evangelho segundo o Espiritismo”, a doutrina espiritual de Cristo não tem nada a ver com isso. Basta examinar um pouco os Evangelhos, os ensinamentos de sempre do Magistério da Igreja, para ver a tremenda discrepância entre o que pregava Cristo e o que escreveu Allan Kardec; entre o que revelou, de um lado, o próprio Verbo de Deus encarnado e o que “revelou”, de outro, uma legião de espíritos pretensamente desencarnados.

Referências

  1. Santo Tomás de Aquino, Comentário ao Evangelho segundo São Mateus, c. XVII, l. 1, n. 1428.
  2. Fr. Boaventura Kloppenburg, Espiritismo: Orientação para Católicos. 9.ª ed. São Paulo: Loyola, 2014, pp. 50-51 (trecho disponível também em nosso site).

Fonte - padrepauloricardo

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