quinta-feira, 5 de maio de 2011

AVISOS ÚTEIS PARA A VIDA ESPIRITUAL (Parte 8)


CAPÍTULO 23
Das quatro coisas que produzem grande paz
1.     Jesus: Filho, vou agora te ensinar o caminho da paz e da verdadeira liberdade.

2.     A alma: Fazei, Senhor, o que dizeis, que muito grato me é ouvi-lo.
1.     Jesus: Filho, trata de fazer antes a vontade alheia que a tua. Prefere sempre ter menos que mais. Busca sempre o
2.     último lugar e sujeita-te a todos. Deseja sempre e roga que se cumpra plenamente em ti a vontade de Deus. O homem que assim procede penetra na região da paz e do descanso.
3.     A alma: Senhor, este vosso discurso é breve, mas encerra muita perfeição. Poucas são as palavras, cheias, porém, de sabedoria e de copioso fruto. Se eu as praticasse fielmente, não me deixaria perturbar com tanta facilidade. Pois, todas as vezes que me sinto inquieto e aflito, verifico que me desviei desta doutrina. Vós, porém, que tudo podeis e desejais sempre o progresso da alma, aumentai em mim a graça, para que possa guardar vossos ensinamentos e levar a efeito minha salvação.
4.     Oração contra os maus pensamentos:
3.     Senhor, meu Deus, não vos aparteis de mim, meu Deus dignai-vos socorrer-me (Sl 70,13). Pois me invadem vários pensamentos, e grandes temores afligem minha alma. Como escaparei ileso, como poderei vencê-los?
4.     Diante de ti, são palavras vossas, irei eu e humilharei os soberbos da terra (Is 14,1); abrir-te-ei as portas do cárcere e te revelarei mistérios recônditos.
1.     Fazei Senhor, conforme dizeis e dissipe vossa presença todos os maus pensamentos. Esta é a minha única esperança e consolação: a vós recorrer em toda tribulação, em vós confiar, invocar-vos de todo o coração e com paciência aguardar a vossa consolação. Amém.
2.     Oração para pedir o esclarecimento do espírito:
5.     Iluminai-me, ó bom Jesus, com a claridade da luz interior e dissipai todas as trevas que reinam em meu coração. Refreai as dissipações nocivas e rebatei as tentações, que me fazem violência. Pelejai valorosamente por mim, e afugentai as más feras, essas traiçoeiras concupiscências, para que se faça a paz por vossa virtude, e ressoe perene louvor no templo santo, que é a consciência pura. Mandai aos ventos e às tempestades; dizei ao mar: aplaca-te, e ao tufão: não sopres; e haverá grande bonança.
6.     Enviai vossa luz e vossa verdade (Sl 42,3), para que resplandeçam sobre a terra; porque sou terra vazia e estéril, enquanto não me iluminais. Derramai sobre mim vossa graça e banhai o meu coração com o orvalho celestial; abri as fontes de devoção, que reguem a face da terra, para que produza frutos bons e perfeitos. Erguei meu espírito abatido pelo peso dos pecados e dirigi meus desejos paras as coisas do céu, para que, antegozando a doçura da suprema felicidade, me aborreça em pensar nas coisas da terra.
7.     Desprendei-me e arrancai-me de toda transitória consolação das criaturas, porque nenhuma coisa criada pode consolar-me plenamente ou satisfazer meus desejos. Uni-me convosco pelo vínculo indissolúvel do amor, porque só vós bastais a quem vos ama, e sem vós tudo o mais é vaidade. Amém.
CAPÍTULO 24  
Como se deve evitar a curiosa inquirição da vida alheia
1.     Jesus: Filho, não sejais curioso, nem te preocupes com cuidados inúteis. Que tens tu com isto ou aquilo? Segue-me. Pois que te importa saber se fulano é assim ou assim ou se sicrano procede e fala deste ou daquele modo? Tu não és responsável pelos outros, mas de ti mesmo deves dar conta; por que, pois, te intrometes naquilo? Eu conheço a todos e vejo tudo que se faz debaixo do sol; sei como cada um procede, o que pensa e quer, e a que fim tende sua intenção. Deixa, pois, tudo ao meu cuidado, conserva-te em santa paz e deixa o inquieto agitar-se quando quiser. Sobre ele recairá tudo o que fizer ou disser, porque não me pode enganar.
2.     Não te preocupes da sombra dum grande nome, nem da familiaridade de muitos, nem de amizade particular dos homens. Pois tudo isso gera distrações e grande perplexidade ao coração. Eu não duvidaria falar-te e descobrir-te os meus segredos, se atento esperasses minha chegada e me abrisses a porta de teu coração. Sê cauteloso, vigia na oração, e humilha-te em todas as coisas.
CAPÍTULO 25
Em que consiste a firme paz do coração e o verdadeiro aproveitamento
1.     Jesus: Filho, eu disse a meus discípulos: Eu vos deixo a paz; dou-vos a minha paz; não vo-la dou como a dá o mundo (Jo 14,27). Todos desejam a paz, mas nem todos buscam as coisas que produzem a verdadeira paz. A minha paz está com os humildes e mansos de coração. Na muita paciência encontrarás a tua paz. Se me ouvires e seguires a minha voz, poderás gozar grande paz.
2.     A alma: Que hei de fazer, pois, Senhor?
3.     Jesus: Em tudo olha bem o que fazes e dizes, e dirige toda a tua intenção só para meu agrado, sem desejar ou buscar coisa alguma fora de mim. Não julgues temerariamente das palavras e obras dos outros, nem te intrometas em coisas que não te dizem respeito; deste modo poderá ser que pouco ou raras vezes te perturbes.
4.     Nunca sentir, porém, inquietação, nem sofrer moléstia alguma do corpo ou do espírito, não é próprio da vida presente, senão do estado do eterno descanso. Não julgues, pois, ter achado a verdadeira paz, se não sentires nenhuma aflição; nem que tudo está bem, se não tiveres nenhum adversário, ou tudo perfeito, se tudo correr a teu gosto. Nem penses que és grande coisa ou singularmente amado por Deus, se sentes muita devoção e doçura, porque não são estes os sinais pelos quais se conhece o verdadeiro amante da virtude, nem consiste nisso o aproveitamento e a perfeição do homem.
5.     A alma: Em que consiste, pois, Senhor?
6.     Jesus: Em te ofereceres de todo o teu coração à divina vontade, sem buscares o teu próprio interesse em coisa alguma, nem eterna; de sorte que com igualdade de ânimo dês graças a Deus na ventura e na desgraça, pesando tudo na mesma balança. Se fores tão forte e constante na esperança que, privado de toda consolação interior, disponhas teu coração para maiores provações, sem te justificares, como se não deveras sofrer tanto, e antes louvares a santidade e a justiça em todas as minhas disposições, então andarás no verdadeiro e reto caminho da paz e poderás ter certíssima esperança de contemplar novamente minha face com júbilo. E, se chegares ao perfeito desprezo de ti mesmo, fica sabendo que então gozarás da abundância da paz, no grau possível nesta peregrinação terrestre.
CAPÍTULO 26
Excelência da liberdade espiritual, à qual se chega antes
pela oração humilde que pela leitura
1.     A alma: Senhor, é próprio do varão perfeito: nunca perder de vista as coisas celestiais, e passar pelos mil cuidados, como que sem cuidado, não por indolência, mas por um privilégio duma alma livre, que não se apega, com desordenado afeto, a criatura alguma.
2.     Peço-vos, ó meu benigníssimo Deus! Preservai-me dos cuidados desta vida, para que não me embarace demasiadamente neles; das muitas necessidades do corpo, para que não me escravize a sensualidade; e de todas as perturbações da alma, para que não me desalente sob o peso das angústias. Não falo das coisas que a vaidade humana busca tão empenhadamente, mas das misérias que, pela maldição comum de todos os mortais, penosamente oprimem a alma de vosso servo, e a impedem de elevar-se à liberdade perfeita de espírito, sempre que o quiser.
3.     Ó meu Deus, doçura inefável! Convertei-me em amargura toda consolação carnal, que me aparta do amor das coisas eternas e me fascina pelo encanto de um prazer momentâneo. Não me vença, Deus meu, não me vença a carne e o sangue; não me seduza o mundo, com sua glória passageira; não me faça cair o demônio, com sua astúcia. Daí-me força para resistir, paciência para sofrer, constância para perseverar. Daí-me, em lugar de todas as consolações do mundo, a suavíssima unção do vosso espírito e, em lugar do amor terrestre, infundi-me o amor de vosso nome!
4.     O comer, o beber, o vestir e outras coisas necessárias ao corpo são um peso para a alma fervorosa. Concedei-me usar com moderação de tais lenitivos, sem me prender a eles com demasiado afeto. Não é lícito rejeitar tudo, pois devemos sustentar a natureza; mas buscar as coisas supérfluas e o que mais delicia, proíbe-o vossa santa lei, porque de outro modo a carne se rebelará contra o espírito. Entre estes dois extremos, Senhor, peço-vos que me dirijas e governes na vossa mão, para que não pratique algum excesso.
CAPÍTULO 27 Como o amor-próprio afasta no máximo grau do sumo bem
1.     Jesus: Filho, cumpre que dês tudo por tudo, sem reservar-te a ti mesmo. Fica sabendo que teu amor-próprio te prejudica mais que qualquer coisa do mundo. Cada objeto mais ou menos te prende, segundo o amor e afeto que lhe tens. Se teu amor for puro, simples e bem ordenado, de nenhuma coisa serás escravo. Não cobices o que não te é lícito possuir, nem possuas coisa alguma que te possa impedir a liberdade interior ou dela privar-te. É de estranhar que te não entregues a mim, do íntimo do teu coração, com tudo que possas ter ou desejar.
2.     Por que te consomes em vã tristeza? Por que te afanas em cuidados supérfluos? Conforma-te com a minha vontade e nenhum dano sofrerás. Se buscares isto ou aquilo, se desejares estar aqui ou ali, por tua comodidade ou teu capricho, nunca estarás quieto, nem livre de cuidados, porque em todas as coisas há algum defeito, e em todo lugar quem te contrarie.
1.     De nada te serve, pois, adquirir ou acumular bens exteriores, mas muito te aproveita desprezá-los e desarraigá-los do coração. Isso não se entende somente do dinheiro e das riquezas, senão também da ambição das honras, e do desejo de vãos louvores porque tudo isso passa com o mundo. Pouco resguarda o lugar, se falta o espírito de fervor; nem durará muito tempo aquela paz procurada fora, se faltar ao teu coração o verdadeiro fundamento. Isto é, se não se firmar em mim. Mudar tu podes, mas não melhorar, porque, chegada a ocasião, e aceitando-a, encontrarás de novo aquilo de que fugiste e pior ainda.
2.     Oração para implorar a limpeza do coração e sabedoria celestial:
3.     Confirmai-me Senhor, pela graça do Espírito Santo. Confortai em mim o homem interior e livrai meu coração de todo cuidado inútil e de toda ansiedade, para que não me deixe seduzir pelos vários desejos das coisas terrenas, sejam vis ou preciosas, mas para que as considere todas como transitórias, e me lembre que eu mesmo sou passageiro, como elas: Pois nada há estável debaixo do sol, onde tudo é vaidade e aflição de espírito (Ecle 1,14). Como é sábio quem assim pensa!
4.     Dai-me, Senhor, sabedoria celestial, para que aprenda a buscar-vos, e achar-vos, antes que tudo, a gostar-vos e amarvos acima de tudo, e a compreender todas as coisas como são, segundo a ordem de vossa sabedoria. Dai-me prudência, para afastar-me do lisonjeiro, e paciência para suportar a quem me contraria. Porque é grande sabedoria não se deixar mover por todo sopro de palavras, nem prestar ouvidos aos traiçoeiros encantos da sereia; pois só deste modo prossegue a alma com segurança no caminho começado.
CAPÍTULO 28
Contra as línguas maldizentes
1.     Filho, não te aflijas se alguém fizer de ti mau conceito ou disser coisas que não gostas de ouvir. Pior ainda deves julgar de ti mesmo, e avaliar-te o mais imperfeito de todos. Se praticares a vida interior, pouco te importarás de palavras que voam. É grande prudência calar-se nas horas da tribulação, volver-se interiormente a mim, e não se perturbar com os juízos humanos.
2.     Não faças depender tua paz da boca dos homens; porque, quer julguem bem, quer mal de ti, não serás por isso homem diferente. Onde está a verdadeira paz e a glória verdadeira? Porventura não está em mim? Quem não procura agradar aos homens, nem teme desagradar-lhes, esse gozará grande paz. É do amor desordenado e do vão temor que nascem o desassossego do coração e a distração dos sentidos.
CAPÍTULO 29
Como, durante a tribulação, devemos invocar a Deus e bendizê-lo
1.     A alma: Senhor, bendito seja para sempre o vosso nome! Pois quisestes que me sobreviesse esta tentação e este trabalho. Não lhes posso fugir, mas tenho necessidade de recorrer a vós, para que me ajudeis e tudo convertais em meu proveito. Eis-me, Senhor, na tribulação, com o coração aflito; e quanto me atormenta o presente sofrimento. Pois que direi eu agora, Pai amantíssimo? Apertado estou entre angústias: "Salvai-me nesta hora. Veio sobre mim este transe, só para que vós fôsseis glorificado (Jo 12,17), quando eu estivesse muito abatido e fosse por vós livrado". "Dignai-vos, Senhor, livrar-me" (Sl 39,14); pois, pobre de mim, que farei e aonde irei, sem nós? Daí-me, Senhor, paciência ainda por
2.     esta vez. Socorrei-me, Deus meu, e não temerei, por mais que seja atribulado.
2.     E que direi em tamanha necessidade? Senhor, seja feita a vossa vontade. Bem mereço ser atribulado e angustiado. Convém-me sofrer, e oxalá seja com paciência, até que passe a tempestade e volte a bonança. Bastante poderosa é, entretanto, vossa mão onipotente para tirar-me esta tentação, e moderar-lhe a violência, a fim de que não sucumba de todo; assim como já tantas vezes tendes feito comigo, ó meu Deus e minha misericórdia. E quanto mais difícil para mim, tanto mais fácil para vós é esta mudança da destra do Altíssimo (Sl 76,11).
CAPÍTULO 30
Como se há de pedir o auxílio divino e confiar para recuperar a graça
1.     Jesus: Filho, eu sou o Senhor, que te conforta no dia da tribulação (Na 1,7). Vem a mim quando te achares aflito. O que mais te impede de receber a consolação é que tarde recorres à oração. Antes que ores com atenção, procuras consolar-te, recreando-te com vários divertimentos exteriores. Daqui vem que pouco proveito tiras de tudo, até que conheças que sou eu quem salva do perigo os que em mim esperam, e que fora de mim não há auxílio valioso, nem conselho útil, nem remédio durável. Uma vez, porém, que recobraste alento depois da tempestade, procura readquirir forças à luz das minhas misericórdias; pois estou perto, diz o Senhor, para tudo restaurar, não só com integridade, mas também com abundância e profusão.
2.     Porventura há para mim alguma coisa dificultosa (Jer 32,37), ou sou semelhante àquelas que dizem e não fazem? Onde está a tua fé? Tem firmeza e segurança! Mostra-te corajoso e magnânimo, e a seu tempo te virá a consolação. Espera por mim, espera! Virei e te curarei. É tentação o que te atormenta, é temor vão o que te assusta. Que ganhas com a solicitude de um futuro contingente, senão que tenhas tristeza sobre tristeza? A cada dia basta seu fardo (Mt 6,34). Coisa vã e inútil é entristecer-se ou regozijar-se com as coisas futuras, que talvez nunca venham a realizar-se.
3.     É próprio do homem deixar-se iludir por tais imaginações, mas é sinal de pouco ânimo ceder tão facilmente às sugestões do inimigo. A ele pouco importa se é por meios verdadeiros ou falsos que te seduz e engana, se é com amor dos bens presentes, ou com o temor dos males futuros que te deita a perder. "Não se perturbe, pois, teu coração, nem se amedronte" (Jo 14,27). Crê em mim, e tem confiança em minha misericórdia. Quando te julgas muito longe de mim, mais perto estou, às vezes, de ti. Quando pensas que está tudo quase perdido, muitas vezes está próxima a ocasião de granjeares maior merecimento. Nem tudo está perdido, por te acontecer alguma contrariedade. Não julgues pela impressão do momento, nem te aflijas com qualquer tribulação, venha donde vier, como se não houvesse esperança de remédio.
4.     Não te julgues inteiramente desamparado, ainda quando, de tempos a tempos, te mando alguma tribulação ou te privo de alguma consolação desejada; porque é este o caminho por onde se vai ao reino dos céus. E isto, sem dúvida, convém mais a ti e a todos os meus servos, serdes exercitados nas adversidades, do que se tudo vos sucedesse à vossa vontade. Eu conheço os pensamentos escondidos, e sei que muito importa à tua salvação seres, às vezes, privado de toda consolação espiritual, para que não te exalte o bom progresso e te desvaneças do que não és. O que dei posso tirar, e dar de novo, quando me aprouver.
5.     É sempre meu o que dou, e quando o tiro; não tomo coisa tua, pois "de mim procede qualquer dádiva boa de todo dom perfeito" (Tg 1,17). Se eu te enviar qualquer pena ou contrariedade, não te revoltes nem desfaleça teu coração; eu posso num momento aliviar-te e transformar tua mágoa em alegria. Todavia, procedendo eu assim para contigo, sou justo e digno de louvor.
6.     Se refletires bem e julgares as coisas segundo a verdade, não deves afligir-te tanto com a adversidade, nem desanimar, mas, ao contrário, alegrar-te e dar-me graças. Até deve ser tua única alegria que eu te aflija com dores, sem poupar-te. Assim como meu Pai me amou, também eu vos amo a vós (Jo 15,19), disse eu a meus diletos discípulos, e, entretanto, não os enviei às delícias temporais, mas às grandes pelejas, não às honras, mas aos desprezos, não aos passatempos, mas sim a produzir fruto copioso na paciência. Meu filho, lembra-te bem destas palavras. 

(Continua...)

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