sumateologica
Giorgio Vasari (1511-1574), O Martírio de Estêvão (1565)
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Parece que a morte não pertence à razão de martírio:
1. Com efeito, Jerônimo escreve: “Direi  com muita propriedade que a mãe de Deus é virgem e mártir, embora tenha  terminado seus dias na paz”. E Gregório: “Embora não ofereça muitas  oportunidades de perseguições, a paz tem também seu martírio, porque  embora não submetamos nossos pescoços ao grilhão, contudo, trucidamos na  mente os desejos carnais com a espada espiritual. Logo, pode haver  martírio sem sofrer a morte.
2. Ademais, lemos que algumas mulheres,  para conservar a integridade do corpo, louvavelmente, desprezaram a  própria vida; assim, parece que a integridade corporal é preferida à  vida corporal. Ora, às vezes, a integridade do corpo é subtraída, ou se  ameaça subtrair, pela confissão da fé cristã. Como se vê no caso de Inez  e de Luzia. Logo, parece que se deveria falar de martírio quando uma  mulher perde a integridade de seu corpo pela fé em Cristo, mais do que  quando perde também a própria vida. Daí esta palavra de Luzia: “se tu me  fazes violência contra a minha vontade, minha castidade vai me valer  uma coroa dupla”.
3. Além disso, o martírio é um ato da  fortaleza. Como diz Agostinho, cabe a fortaleza não apenas não ter medo  da morte, como também não ter medo de nenhuma outra adversidade. Ora,  existem muitas outras adversidades, afora a morte, que podem suportar  pela fé no Cristo: a prisão, o exílio, espoliação dos bens, como mostra a  Carta aos Hebreus (10, 34). É assim que a Igreja celebra o martírio do  Papa Marcelo, que no entanto morreu na cadeia. Logo, não é necessário  sofrer a pena de morte para ser mártir.
4. Ademais, o martírio é um ato  meritório. Ora, não existe ato meritório após a morte. Logo, este ato  precede a morte. E como tal não pertence à razão do martírio.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, Máximo diz, em um panegírico de mártir: “Ele é vencedor, morrendo pela fé e seria vencido se sem fé continuasse vivendo”.
Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:
1. Os textos citados, e outros semelhantes, empregam a palavra martírio no sentido metafórico.
2. No caso das mulheres que perdem a sua  integridade física, ou que são condenadas à violação por causa de sua fé  cristã, não fica automaticamente evidente aos olhos humanos, se ela é  vítima de seu amor à fé cristã, ou se pode haver desprezo da castidade. E  por isso, aos olhos dos homens, não há nisso um testemunho suficiente e  este ato não tem razão suficiente de martírio. Ora, para Deus, que  penetra nos corações, isto pode credenciá-las para uma recompensa,  segundo a palavra de Luzia.
3. A fortaleza se manifesta  principalmente frente aos perigos de morte, e, por conseqüência, frente a  outros perigos. É por isso que não se pode falar de martírio  propriamente dito no caso daqueles que sofreram apenas a prisão, o  exílio ou a espoliação dos bens, a menos que estas penas tenham  resultado em morte.
4. O mérito do martírio não se situa  depois da morte, mas na própria aceitação voluntária da morte. Ocorre às  vezes que, após ter recebido por causa de Cristo, feridas mortais e  outras violências prolongadas até quase à morte, o mártir tenha  conseguido sobreviver ainda por muito tempo. Nesse estado, o ato do  martírio é meritório e também no momento mesmo em que se suportam os  suplícios.
Fonte: Suma Teológica II-II, q.124, a.4
 
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