Após resumir os pontos principais da Instrução “Universae Ecclesiae”, DICI, o órgão de imprensa oficial da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, reproduziu alguns comentários sobre o documento, cuja tradução apresentamos abaixo:
Muito atento às oposições e preocupado em ter em conta os pontos de vista divergentes, este documento romano tem um carácter diplomático facilmente perceptível. Neste sentido, é possível constatar vários paradoxos que, apesar do declarado desejo de unidade, evidenciam as divergências que devem ser consideradas:1) Parece estranho que os mesmos bispos que desejam aplicar generosamente o Motu Proprio se encontrem impossibilitados de ordenar seminaristas de suas dioceses segundo o rito tradicional. Com efeito, o parágrafo 31 aponta: “Somente aos Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica que dependem da Pontifícia Comissão Ecclesia Dei, e àqueles nos quais se conserva o uso dos livros litúrgicos da forma extraordinária, se permite o uso do Pontifical Romano de 1962 para o conferimento das ordens menores e maiores”.A esse respeito, o texto recorda a legislação pós-conciliar que suprimiu as ordens menores e o subdiaconato. Os candidatos ao sacerdócio são incardinados apenas quando recebem o diaconato, porém, é possível conferir a tonsura, as ordens menores e o subdiaconato segundo o rito antigo, sem que por isso se lhes reconheça qualquer valor canônico. Este ponto se opõe claramente ao princípio recordado no parágrafo terceiro, sobre a adesão aos “usos universalmente aceitos da ininterrupta Tradição apostólica”.2) Paradoxalmente, são excluídos das disposições do documento romano os sacerdotes mais apegados à missa tradicional enquanto “tesouro precioso a ser conservado” (nº 8), os quais, por esta mesma razão, não são bi-ritualistas. Efetivamente, o nº 19 afirma: “Os fiéis que pedem a celebração da forma extraordinária não devem apoiar nem pertencer a grupos que se manifestam contrários à validade ou à legitimidade da Santa Missa ou dos Sacramentos celebrados na forma ordinária, nem ser contrários ao Romano Pontífice como Pastor Supremo da Igreja universal”.Notemos aqui um matiz: a Instrução fala de “validez” ou “legitimidade”, enquanto a carta de Bento XVI aos bispos de 7 de julho de 2007 exigia um “reconhecimento do valor e santidade” do Novus Ordo Missae, e a não exclusividade da celebração tradicional. Todavia, este nº 19 oferece aos bispos a possibilidade de neutralizar facilmente a Instrução, paralizando o desejo de uma aplicação ampla do Motu Proprio “para o bem dos fiéis” (nº 8)Alguns comentários precipitados levaram a pensar que se excluía a Fraternidade São Pio X também por conta de sua oposição ao Pontífice Romano. Isso não é exato, já que o levantamento das “excomunhões” de seus bispos foi realizado precisamente porque Roma considerou que a mesma não se opõe ao primado do Papa. Com efeito, o decreto de 21 de janeiro de 2009 reproduzia os termos de uma carta dirigida por Dom Fellay ao Cardeal Castrillón Hoyos em 15 de dezembro de 2008: “crendo firmemente no primado de Pedro e em suas prerrogativas”.* * *Os paradoxos dessa Instrução manifestam os compromissos diplomáticos realizados com o fim de tornar mais fácil a aplicação – até o momento difícil – do Motu Proprio Summorum Pontificum, mas se fundamentam sobre a reiterada afirmação da continuidade doutrinal entre a Missa Tridentina e o Novus Ordo Missae: “Os textos do Missal Romano do Papa Paulo VI e daquele que remonta à última edição do Papa João XXIII são duas formas da Liturgia Romana, definidas respectivamente ordinária e extraordinária: trata-se aqui de dois usos do único Rito Romano, que se põem um ao lado do outro. Ambas as formas são expressões da mesma lex orandi da Igreja” (nº 6).Pois bem, vemos uma oposição sobre este ponto entre dois Prefeitos sucessivos da Congregação para a Doutrina da Fé, o Cardeal Alfredo Ottaviani, em seu Breve exame crítico da nova missa¸ e o Cardeal William Levada, que assinou a presente Instrução.Em seu estudo, entregue a Paulo VI em 3 de setembro de 1969, o Cardeal Ottaviani escrevia: “O Novus Ordo Missae se afasta de maneira impressionante, tanto no conjunto quanto nos detalhes, da teologia católica da Santa Missa tal qual formulada definitivamente pelo Concílio de Trento”. O Cardeal Alfons Maria Stickler, bibliotecário da Santa Igreja Romana e arquivista dos Arquivos Secretos do Vaticano, por ocasião da reedição do Breve exame crítico dos Cardeais Ottaviani e Bacci, escreveu, em 27 de novembro de 2004, o seguinte: “A análise do Novus Ordo feita por estes dois cardeais não perdeu em nada o seu valor, nem – lamentavelmente – a sua atualidade… Hoje em dia muitos julgam que os resultados da reforma foram devastadores. Os cardeais Ottaviani e Bacci tiveram o mérito de descobrir rapidamente que a modificação dos ritos levava a uma mudança fundamental da doutrina”.Essas graves carências do Novus Ordo Missae e das reformas introduzidas sob Paulo VI são a causa do sério questionamento que faz a Fraternidade São Pio X, se não sobre a validez em princípio, ao menos sobre a “legitimidade da Santa Missa ou dos sacramentos celebrados na forma ordinária” (nº 19), na medida que, segundo havia observado já em 1969 o Cardeal Ottaviani, é muito difícil considerar que a missa de São Pio V e a de Paulo VI se situem na mesma “ininterrupta Tradição apostólica” (nº 3).Não resta dúvida que a Instrução Universae Ecclesiae, que se inscreve na linha do Motu Proprio Summorum Pontificum, constitui uma importante etapa no reconhecimento dos direitos da missa tradicional. Todavia, o fim que objetiva a Instrução – a remoção das dificuldades de aplicação – não será alcançado plenamente senão estudando a profunda divergência que existe, não tanto entre a Fraternidade São Pio X e a Santa Sé, mas entre a missa tradicional e o Novus Ordo Missae. Essa divergência não pode ser objetivo de um debate sobre a forma (“extraordinária” ou “ordinária”), mas sobre o fundo doutrinal.DICI nº 235, 19/05/11 – Tradução: Fratres in Unum.com
Fonte: http://fratresinunum.com
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