[IHU]
4/9/2011
Por lutarem
contra a exploração sexual de crianças e adolescentes, religiosos do interior
do Pará viraram alvo de quadrilhas que aliciam as meninas.
Nos últimos
anos, as denúncias de exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil
têm se multiplicado. Como resposta, o poder público, as organizações não
governamentais e os religiosos se uniram em campanhas contra as quadrilhas.
Esse embate, no entanto, não é fácil e em pelo menos um recanto do País
enfrentar o problema representa sério risco de vida: o interior do Pará.
Ali, em
pequenas cidades onde a pobreza torna mais fácil o trabalho dos aliciadores de
menores e os matadores de aluguel cedem sua mão de obra por poucos reais, os
principais porta-vozes da luta contra as quadrilhas são bispos católicos.
Instalados há décadas na região, os religiosos sabem muito bem que quem
atravessa no caminho dos criminosos vira alvo.
No episódio
mais recente, há quatro meses, o bispo de Marajó, dom José Luiz Ascona,
71 anos, foi avisado pela Polícia Federal que bandidos articulavam uma ação
contra ele. Apesar disso, dispensa a segurança que os agentes lhe oferecem.
“Que direito eu tenho de colocar em risco um pai de família?”, questiona o
bispo. “Diante da morte, que pode chegar a qualquer momento, Deus me dá
coragem.” Além de Ascona, também os bispos de Abaetetuba, dom Flávio Giovenale, e
Altamira, dom Erwin Krautler,
lutam contra a exploração sexual e sofrem ameaças por isso.
Como se não
bastasse o crime, a faixa etária das crianças que sofrem abusos ou se
prostituem tem baixado cada vez mais. Em um dos últimos episódios, descobriu-se
uma menina de 8 anos que sofria violência sexual. Algumas vezes, as crianças e
adolescentes trocam dinheiro por sexo com a aprovação das próprias famílias,
que geralmente sofrem com a pobreza. “Há pais que sabem e outros que fingem não
saber, pois se beneficiam da renda que as adolescentes levam para casa”, conta dom
Flávio Giovenale, 57 anos, bispo de Abaetetuba, que fica a 60 quilômetros
de Belém. Na cidade, formada por várias ilhas fluviais, o tráfego descontrolado
de barcos favorece o tráfico de pessoas. Muitas jovens são levadas para o Amapá
e depois cruzam a fronteira para o Suriname e para a Guiana, onde são
submetidas à prostituição e ao trabalho escravo.
Dom
Giovenale não tem dúvida quanto à periculosidade das
quadrilhas. “Aqueles que promovem a exploração sexual e o tráfico de pessoas
são os mesmos que traficam drogas e armas”, diz. Apesar disso, segue o padrão
de seu colega de Marajó e, mesmo denunciando constantemente a ação desses
criminosos, não lança mão de segurança. “Não gostaria de morrer, mas não acho que
seja o caso de andar cercado de agentes”, argumenta. A última ameaça clara
contra ele aconteceu no ano passado.
Dos três, o
bispo de Altamira é o único que recorre a policiais para manter longe os
bandidos. Isso acontece porque dom Erwin Krautler, 72 anos, sempre fez
questão de marcar sua posição em várias questões candentes. Ele denunciou
conflitos agrários ao lado de Dorothy Stang, foi um dos primeiros a se
posicionar contra a construção da usina de Belo Monte e fez, há alguns anos, a
acusação de que crianças e adolescentes eram vítimas de exploração sexual por
parte de políticos importantes da região. Isso lhe rendeu ameaças de todos os
tipos que continuam até hoje e o obrigam a lançar mão de quatro policiais para
garantir sua integridade. “Meus inimigos têm desejo de enriquecimento rápido e
não duvido que não hesitariam em passar por cima do meu cadáver”, diz ele.
A luta dos
bispos tem rendido frutos. Nos últimos anos, a ação da polícia se tornou mais
frequente e vários setores da sociedade paraense estão se engajando no combate.
Na última semana, os empresários do ramo hoteleiro do Estado criaram um código
de conduta para evitar o chamado turismo sexual, prática que pode aumentar
bastante durante a realização da Copa de 2014. Outra iniciativa importante vem
do governo federal. A Secretaria de Direitos Humanos prepara um pacote de ações
para prevenir a exploração sexual em áreas como Belo Monte, já que normalmente
a migração intensa de operários em obras de grande porte resulta no aumento da
prostituição. “Nossa atitude é totalmente preventiva, estamos planejando ações
de fortalecimento dos conselhos tutelares e há uma operação já organizada para
a região”, adiantou a ministra Maria do Rosário.
A SDH
é responsável pelo Disque 100, número que recebe reclamações de violações de
direitos humanos e principalmente de exploração sexual. A ideia é boa, mas no
Pará ainda não pegou. “É difícil fazer divulgação desse tipo de serviço aqui.
Em muitos lugares do interior o telefone simplesmente não funciona”, explica dom
Flávio Giovenale.
Como solução
para o problema, os religiosos sugerem duas providências: prevenção e
repressão. A primeira parte ficaria por conta das políticas de educação e
criação de emprego e renda. A segunda, por conta da polícia. “De qualquer forma,
notamos que as pessoas estão mais atentas ao problema. Antes muitos fingiam que
não viam”, afirma dom Ascona. Para ele, esse é o primeiro estágio para a
solução: “Sem conhecer a verdadeira dimensão do problema, não há como
remediá-lo.”
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