Começo este dia que para nós católicos é o dia do Senhor, com o seguinte texto retirado do livro "Vida em Plenitude", do Padre Isac Isaías Valle. Talvez você esteja se sentindo não amado(a), e por isso vive a sofrer na solidão, eu digo e afirmo a você: não existe amor mais perfeito e que nos completa por inteiro, do que o amor de Deus. Pense nisto, somente o amor de Deus pode completar em nós o que falta para amarmos o nosso irmão. O apóstolo São João diz o seguinte: Se alguém disser: Amo a Deus, mas odeia seu irmão, é mentiroso. Porque aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê. (1 Jo 4, 20)
Aconselho-te a lê toda a primeira carta do apóstolo São João. Vamos ao texto:
A revelação do amor de Deus por nós cria em
nosso ser um forte desejo de amá-lO também. É próprio do amor de Deus submeter
a si todos os outros amores. Esta ordem que se estabelece, por um mandamento do
Senhor (conf. Mt 22, 34-40) quer mostrar-nos o caminho da perfeição e da
felicidade.
Toda vez que, por alguma atitude, ferimos esta
ordem, ou a invertemos, criamos problemas para nós; pecamos, não cumprindo o
primeiro mandamento: “Amar a Deus sobre todas as coisas.” Se
não amamos a Deus acima de tudo e ao irmão por causa desse primeiro amor,
amaremos outras realidades e acabaremos tendo dentro de nós um amor contrário e
contraditório: o amor do mundo!
Parece não caber na pedagogia divina o amor de
Deus e, simultaneamente, o amor do mundo. Quem se sentiu um dia, tocado pelo
amor divino, vai deixando de lado, lentamente, todo outro amor que se oponha a
ele. Jesus, a respeito disso, nos lembra que: “Nenhum servo pode servir a dois
senhores: ou há de odiar a um e amar o outro, ou há de aderir a um e desprezar
o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Lc 16, 13). A palavra
“servir” provém de servo, alguém que está a serviço, que depende de outro. O
homem não pode estar a serviço ou ser dependente de outro “senhor” que não seja
Deus. Esses contrários e outras ilustrações no Evangelho – como as condições do
discipulado (conf. Mc 8, 34-36) – nos ajudam a compreender a prioridade
substancial e fundamental que o amor de Deus deve ter em nossas vidas, e a
secundariedade dos valores e do amor do
mundo.
Não podemos ser do mundo e de Deus ao mesmo
tempo. E na medida em que o amor de Deus vai ordenando, purificando e
santificando nossa vida, o amor do mundo e dos seus valores vão perdendo força
e significado. Vamos “nos convertendo sempre mais a Deus,
abandonando todos os ídolos” (I Ts 1, 9). Quanto mais o amor de Deus
vai penetrando em nós, menos poder sobre nós exercerá o amor do mundo. Quanto
mais santos, menos pecadores; quanto mais espiritualizados, menos carnais,
menos mundanos seremos; quanto mais pertencemos a Deus, menos o espírito do
mundo exercerá sobre nó o domínio.
Não há compatibilidade entre o amor de Deus e o
amor do mundo; entre os valores de Deus e as realidades mundanas. Nesse
contexto, a palavra “mundo” contém todo um significado e realidade contrários
às realidades de Deus. É tudo o que se opõe a Deus e seu plano de amor para com
o homem e a sua felicidade.
O apóstolo São Paulo, ilustrou de forma
magistral esse antagonismo, com estas palavras: Não vos prendais ao mesmo jugo com os infiéis. Que união pode haver
entre a justiça e a iniqüidade? Ou que comunidade entre a luz e as trevas? Que
compatibilidade pode haver entre Cristo e Belial? Ou que acordo entre o fiel e
o infiel? Como conciliar o templo de Deus e os ídolos? (2 Cor 6, 1416ª)
“A
escritura ainda nos diz: o amor do mundo é abominado por Deus”
(Tg 4,4), por não ser um amor santo, puro, desinteressado, verdadeiro e
libertador, mais eivado de egoísmo, falsidade e desamor. Deus abomina tudo que
contraria a verdade e a santidade no coração humano. O amor do mundo visa a
interesses contrários da intenção de Deus e, por isso, não realiza o coração
humano, sempre desejoso das coisas elevadas! Mesmo que, por vezes, o homem
possa sentir as atrações do mundo do mundo e por elas se deixar escravizar, ele
sabe que o próprio Jesus “se entregou por nossos pecados para nos
libertar da perversidade do mundo presente, segundo a vontade de Deus, nosso
Pai” (Gl 1,4). Sem essa entrega de Jesus para nossa salvação, jamais
nos sentiríamos livres da perversidade do mundo! Seríamos seus escravos,
vivendo na impossibilidade de atingir aquela liberdade que somente Jesus nos
poderia conquistar.
Quando, pela graça de Deus, seu amor nos atinge,
tudo o mais “é tido em conta de esterco” (Fl 3,8), e vamos “morrendo
aos princípios deste mundo” (Cl 2,20). E começa a ocupar nosso
pensamento, nossos atos, nossas intenções, “tudo o que é verdadeiro, tudo o que é nobre
o que é justo, tudo o que é puro, amável o que é boa fama, tudo o que é
virtuoso e louvável” (Fl 4,8), que são princípios de Deus. Instaura-se,
assim, uma constante preocupação pelas “coisas do alto”, uma “afeição
às coisas lá de cima e não às da terra” (Cl 3,1-2); as coisas do mundo,
do pecado, da carne e suas tendências são gradualmente vencidas pelo amor de
Deus, que vai lentamente se instaurando no coração do homem: “Porque
o desejo da carne é hostil a Deus, pois a carne não se submete à lei de Deus, e
nem o pode. Os que vivem segundo a carne não podem agradar a Deus”. (Rm
8, 7-8). A expressão “carne” é, nesse contexto, entendida como a natureza
humana decaída da graça, entregue às suas paixões e concupiscências, à falta de
autodomínio e moderação. Os “desejos da carne” se opõem aos
desejos do Espírito, pois são contrários uns aos outros (Gl 5, 17). O amor de
Deus vai purificando, de tudo o que nele há de terreno; e ali coloca os
sentimentos mais nobres do coração, divinizando-os pela ação sobrenatural da
graça.
Jesus, na oração sacerdotal (Jo 17), reza ao
Pai, dizendo: “Não peço que os tires do mundo, mas sim que os preserves do mal. Eles
não são do mundo, como também eu não sou do mundo”. (v. 15-16). Jesus
sabia que os seus apóstolos e discípulos viveriam no mundo; mas eles, como o
próprio Jesus, nada tem com o mundo: “O mundo... odeia-me, porque eu testemunho
contra ele que suas obras são más” (Jo 7,7).
Os cristãos, ao contrário, são chamados a ser no
mundo sinais de realidades celestes, que ali não estão presentes, nem
consideradas. Nesse sentido, no Sermão da Montanha, Jesus diz aos discípulos: “Vós
sois o sal da terra. Se o sal perde o sabor, com que lhe será restituído o
sabor? Para nada mais serve senão para ser lançado fora e calcado pelos homens.
Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre uma
montanha nem se acende uma luz para colocá-la debaixo do alqueire, mas sim para
colocá-la sobre o candeeiro, a fim de que brilhe a todos os que estão em casa.
Assim, brilhe vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras
e glorifiquem vosso Pai que está nos céus”. (Mt 5, 13-16). São Paulo
afirma que o cristão “é o perfume de Cristo para os que se salvam
quanto para os que se perdem” (2 Cor 2, 15): ele continua sendo um
sinal, identificado por aqueles que são de Cristo, quanto por aqueles que vivem
a vida no mundo.
Se o cristão tem em si a consciência do amor de
Deus que abomina o amor do mundo, ele saberá “conservar-se puro da corrupção
deste mundo” (Tg 1,27), “inconformado com este mundo” (Rm
12,2), e levando a este uma proposta diferente daquela que aí encontrou. Mesmo
vivendo imerso neste mundo de pecado e discórdia, saberá ser ali uma presença
diferente, tendo a consciência de que nada poderá apartá-lo do amor que Deus
lhe testemunha em Jesus Cristo (Rm 8, 39).
A exortação de São Paulo: “não vos conformeis com este
mundo” (Rm 12,2) traduz muito bem qual o tipo de presença cristã que se
exige daqueles que vivem o amor de Deus, em meio ao mundo: “são os que crucificaram a carne
com suas paixões e concupiscências” (Gl 5, 24). Somente assim, poderão
sentir em si mesmos a liberdade interior diante dos valores do mundo, os quais
jamais poderão escravizá-lo. São Paulo chegou a exclamar: “estou pregado à cruz,
com Cristo” (Gl 2, 19). Certamente era por isso que sabia distinguir
imediatamente o que era de Cristo e o que a Ele não pertencia. Por meio da
sabedoria divina e discernimento espiritual, sabia julgar as diferentes realidades:
as que são de Cristo, e as que são do mundo. A mesma “sabedoria do mundo declarada
loucura por Deus” (1 Cor 1, 20), não pode saborear, apreciar, nem
aceitar o que a sabedoria de Deus inspira no coração do homem. Deus, no seu
amor sábio, escolhe pessoas, inspira-lhes atitudes, heroísmos, virtudes que o
mundo não pode aceitar nem compreender: “O que é astuto no mundo, Deus o escolheu
para confundir os sábios; e o que é fraco no mundo, Deus o escolheu para
confundir os fortes” (1 Cor 1, 27).
Sabedoria de Deus e amor de Deus não coincidem
com a sabedoria do mundo. O modo de Deus amar o mundo, e levar o homem a amar
seu semelhante, é oposto aos modos do mundo; jamais poderão coincidir – é o que
nos revela a Palavra de Deus!
O homem está sempre sendo chamado a apreciar o
amor de Deus, a elevar até Ele o seu coração; está vocacionado a dar a primazia
ao amor de Deus, sobre qualquer outra realidade deste mundo. Mesmo que “venha
a arrefecer o seu primeiro amor” (Ap 2, 4), poderá novamente deixar-se
inflamar pelo amor divino e a purificar todas as formas de expressão desse
amor. Ele sabe que Deus “o ama com amor eterno” (Jr 31, 3),
e “com
profunda afeição Deus a acolhe de novo, tendo dele compaixão, no seu amor
eterno” (Is 54, 7-8)
É este amor divino, vivido em plenitude,
renovado a cada dia, que faz o homem vencer em si o amor do mundo e fazer
reinar o amor de Deus. Por este amor divino, o homem “conservar-se-á puro da corrupção
do mundo” (Tg 1, 27), onde está chamado a brilhar “como luzeiro no mundo”
(Fl 2, 15). É este amor que o faz ponderar com sabedoria, que “o
mundo passa com suas concupiscências, mas quem cumpre a vontade de Deus
permanece eternamente” (1 Jo 2, 17)
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