[unisinos]
4/11/2011
É um sinal muito esperançoso que, enquanto os
jovens vão às ruas protestar contra um mundo desconjuntado, o Vaticano tenha
a coragem de se juntar a eles e a verdadeira sabedoria para oferecer ao debate
político que todos nós desesperadamente precisamos travar.
A análise é de Vincent Miller,
professor da cátedra Gudorf em Teologia e Cultura Católica da Universidade
de Dayton, EUA, em artigo publicado no sítio National
Catholic Reporter, 28-10-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
É um sinal de esperança que a nota do Conselho Justiça e Paz sobre
a "reforma do sistema financeiro e monetário internacional na perspectiva
de uma autoridade pública de competência universal" esteja recebendo uma
boa cobertura pela imprensa. O Vaticanonovamente somou a sua voz à
daqueles que pedem (alguns a partir das ruas) um retorno da ética e da
supervisão política do poder titânico das instituições financeiras que
cresceram além do controle político depois de décadas de desregulamentação e de
inovação tecnológica. E, sim, o Vaticano se posiciona junto ao "sentimento
básico" dos manifestantes de Wall Street e de todo o
mundo.
Grande parte da cobertura se concentrou
no pedido do documento de uma autoridade governamental global através da qual a
comunidade global possa "orientar suas instituições à realização do bem
comum". É verdade, como George Weigel cuspiu entre
explosões de raiva de "tolice, tolice, tolice!", que esse documento tem
um baixo nível de autoridade.
O ponto central desse documento – a
necessidade de uma estrutura global de governo – não é nada novo. Ele foi
ensinado por todos os papas desde João XXIII (isso, é claro,
não será suficiente para Weigel, esse John Dominic Crossan da Doutrina Social da Igreja, que rejeita as
declarações papais, a menos quando ele julga que elas expressam a "letra
de ouro" “ipsissima verba” do verdadeiro papa da sua própria imaginação).
A mensagem, infelizmente, é chocante
para mais pessoas além dos neocons mais velhos. Fundações
neoliberais (aquilo que chamamos de "conservadoras" nos Estados
Unidos) têm investido incontáveis centenas de milhões (muito poucas das
quais mediante a casa de Wiegel, o Ethics and Public Policy
Center) para tornar a palavra "governo" uma palavra suja.
Mas vale a pena parar por um minuto e
perguntar: a ideia de algum tipo de governo global é realmente tão radical?
Houve um tempo em que o governo democrático significava mais do que um voto
para cada dólar, quando era senso comum que as instituições políticas e a
participação política eram essenciais para o bem comum. É uma acusação de como
nos tornamos radicais que uma proposta moderada como essa tenha sido recebida
como controversa. Não admira que as pessoas sintam que não têm opção a não ser
ir para as ruas.
O documento levanta questões morais
fundamentais – bem dentro do campo de ação apropriado do ensino magisterial.
Ele desafia a redução da existência humana a uma lógica econômica estreita,
como a nossa ordem econômica global atual tem feito. Ele adverte que essa
abordagem bane o moral e espiritual, ignorando "aquilo que não se explica
com a simples matéria".
Esse refrão sobre o materialismo da Caritas in veritate não é algo
pequeno. É a mesma crítica que já foi elevada contra os regimes comunistas.
Esse documento acusa a economia neoliberal de ter se espiralado em uma rigidez
ideológica semelhante, que promove leis de mercado abstratas, "sem
confrontá-las com a realidade".
O documento é eminentemente moderado. A
Igreja abraça o bem potencial que as economias de mercado podem oferecer, mas
rejeita o que João Paulo II chamou de "idolatria do
mercado", que ignora questões de justiça e se esquiva da necessidade de
gerenciar o potencial destrutivo do mercado. Ele aplica a observação muito
razoável deBento XVI de que a emergência de uma economia
verdadeiramente global colocou os mercados além da regulação e do controle dos
governos e da política nacionais. Assim, precisamos de alguma forma de governo
político global para administrar uma economia global para servir o bem comum
mundial.
O documento propõe o pedido de Bento
XVI por uma reforma das organizações financeiras e governamentais
internacionais "para que o conceito de família das nações possa ter uma
real concretização". Enquanto o Vaticano não faz a revolução,
as demandas são revolucionárias... e tão antigas quanto os profetas hebreus.
Qualquer ordem justa deve atender às necessidades dos pobres. Qualquer sistema
justo de governança global deve dar ao mais fraco um assento significativo à
mesa. Ele realmente abraça uma coragem revolucionária que se une a um pedido de
pensamento criativo com o Magnificat de Maria:
"Não devemos ter medo de propor coisas novas, mesmo que possam
desestabilizar equilíbrios de forças pré-existentes que dominam sobre os mais
fracos".
As propostas do documento, no entanto,
são decisivamente gradualistas. Ele se une à chamada taxa
"Tobin" sobre as transações financeiras e propõe rédeas para
a recapitalização pública dos bancos. Ele pede a reforma e a melhoria dos
atuais sistemas de governança global, como a ONU, o FMI e
o G20. Essas propostas são substanciais, mas não são exatamente um
convite às barricadas.
Ele imagina uma sociedade
"poliárquica", que compreenda muitas organizações diferentes e
diferentes perspectivas culturais. Ele oferece uma visão de governo construída
fora das organizações regionais e locais e que seja amplamente participativo.
O princípio católico que sustenta essa
visão, é claro, é subsidiariedade. O documento pressupõe seu pleno significado
– tanto os limites negativos quanto as obrigações positivas para ajudar.
Durante a era da Guerra Fria, o princípio foi implantado primeiramente
como um limite ao governo. Nos anos seguintes, os neocons católicos
norte-americanos podaram o conceito como uma planta em vaso, tomando cuidado
para que ele nunca crescesse mais alto do que a sua pequena agenda de governo.
Durante todo esse tempo, corporações e instituições financeiras
"privadas" cresceram de forma cada vez mais poderosa.
Nos últimos 30 anos, o mundo
testemunhou a emergência epocal de poderes massivos que rivalizam com os dos
Estados. Organizações financeiras e corporações transnacionais "muito
grandes para falir" agem em mercados sombrios e territórios globais além
do alcance regulador do Estado. Esses são os poderes que diariamente usurpam a
autoridade legítima das comunidades locais. Estes ditam em termos de ferro as
restrições sobre as nossas vidas econômicas, sobre o alimento que comemos e
sobre as notícias que ouvimos. Estes chegam em nossas casas e formam os nossos
filhos, tão certamente como qualquer movimento de jovens do bloco oriental. Já
é hora de que nós, como Igreja, comecemos a aplicar essa sabedoria aos novos
poderes da época.
Esse documento aplica o significado
positivo da subsidiariedade como uma obrigação a prestar assistência (subsidium)
quando "a pessoa e os atores sociais e financeiros são intrinsecamente
inadequados ou não conseguem fazer sozinhos o que lhes é pedido". O
impulso de todo o documento é que as organizações financeiras privadas e o
sistema global de governança voluntária fracassaram e, portanto, necessitam de
intervenção. Em suma, o documento reafirma a compreensão "não maior do que
o necessário, nem menor do que o apropriado" da subsidiariedade no Ensino Social da Igreja.
O aspecto positivo da subsidiariedade
fala diretamente às preocupações mais vitais do dia. Muitos sentem que o poder
corporativo cresceu fora de controle, mas falta um quadro no qual se possa
conceber a política, de forma que seja sensível às preocupações e participação
locais e grande o suficiente para influenciar entidades empresariais massivas.
A noção católica de subsidiariedade faz exatamente isso.
É um sinal muito esperançoso que, enquanto os
jovens vão às ruas protestar contra um mundo desconjuntado, o Vaticano tenha
a coragem de se juntar a eles e a verdadeira sabedoria para oferecer ao debate
político que todos nós desesperadamente precisamos travar.
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