No
Ano de 313 d.C., pelo Edito de Milão, o imperador romano Constantino,
convertido ao cristianismo, proibiu a perseguição aos cristãos, que
começou desde Nero, a partir do ano 67. Os mártires cristãos sofreram o
desterro, deportação, trabalhos forçados, mortos pela fogueira, feras,
lançados ao mar, etc. Isto porque eram considerados como ateus porque
não adoravam os deuses do Império Romano e não aceitavam queimar incenso
a César, considerado deus.
No tempo do imperador Maximino Daia, os
cristãos da Palestina, em 307, sofreram muitas crueldades: com ferro
candente se queimassem os nervos de uma das cochas dos condenados,
sofreram golpes que os deixaram mancos e tortos; arrancaram-lhes o olho
direito, cauterizando imediatamente com ferro candente as órbitas
ensangüentadas. Em Phaenos esta liberdade redundou em tremendos
castigos: os anciãos, já inúteis, foram decapitados, dois bispos, um
sacerdote e um leigo que se haviam destacado por sua fé foram atirados
ao fogo, outros foram enviados para Chipre e para o Líbano; assim
desapareceu a pequena igreja da mina de Phaenos (Eusébio, De Martyribus
Palestinae, 11, 20-23; 23, 1-3.4.9.10).
São Justino, martirizado em 165, diz:
“Cortam-nos a cabeça, crucificam-nos, expõem-nos às feras,
atormentam-nos com cadeias, com o fogo, com os suplícios mais terríveis”
(Diálogo com Trifão 110).
Tertuliano, falecido em 202, escreve:
“Pendemos da cruz, somos devorados pelas chamas, a espada abre nossas
gargantas e as bestas ferozes se lançam contra nós” (Apologeticum 31;
cf. 12, 50).
São Clemente de Alexandria, falecido em
215, escreveu: “Diariamente vemos com os nossos olhos correr torrentes
de sangue de mártires queimados vivos, crucificados ou decapitados”
(Stromateis II).
Em Roma a morte dos condenados era para o
povo um espetáculo. Dizia o poeta Prudêncio: “A dor de alguns é o
prazer de todos” (Contra Symmachum II, 11, 26).
Narra o cronista da
morte de São Cipriano, bispo de Cartago, mártir em 258: “O mártir foi
levado ao campo de Sextus, onde ele tirou o manto; colocou-se de joelhos
e se prostrou em oração a Deus. Depois tirou também a dalmática e
entregou-a aos seus diáconos e, revestido de uma túnica de linho,
esperou o carrasco. Após a chegada deste, Cipriano ordenou aos seus que
lhe dessem 25 moedas de ouro. Imediatamente os irmãos estenderam diante
dele pequenas telas e toalhas. A seguir, o mesmo bem-aventurado Cipriano
vendou os olhos. Como, porém, não pudesse atar as próprias mãos, um
sacerdote e um subdiácono lhe prestaram este serviço. Assim foi
executado o bem-aventurado Cipriano” (Acta proconsularia S. Cypriani 5).
São Tomás Moro (séc. XVI), condenado à
morte por Henrique VIII da Inglaterra, também deu ao carrasco 30 moedas
de ouro e vendou os próprios olhos.
Morreram decapitados numerosos mártires
dos primeiros séculos: São Paulo, Flávio Clemente com outros nobres, São
Justino e seus discípulos, o senador Apolônio, vários mártires de
Lião. O Papa Xisto nem sequer foi julgado; surpreendido em flagrante a
pregar aos fiéis na cripta do cemitério de Pretextato, foi decapitado
ali mesmo, sentado em sua cátedra; quatro diáconos foram decapitados no
mesmo subterrâneo. Em Lambesa, após vários dias de execuções, os
carrascos mandaram que os mártires se ajoelhassem em fila e passaram por
eles cortando-lhes a cabeça.
A pena do fogo foi aplicada pela primeira
vez em 153 ao bispo São Policarpo em Esmirna, Turquia. Era uma pena
reservada à gente de condição inferior; vinha aplicada sob forma de
espetáculo para o povo. Acendia-se a fogueira no circo,
no estádio ou no anfiteatro. O condenado era despojado de suas vestes,
que se tornavam propriedade dos seus carrascos. Uma vez despido, era
atado a um poste, geralmente com as mãos levantadas para o alto, como nos casos de Carpos, Papylos e Agathonice.
Além da fogueira propriamente dita, havia
outros tipos de morte pelo fogo: assim a caldeira de azeite fervente,
onde terá sido submerso o apóstolo S. João, conforme
Tertuliano; também a caldeira de betume acesa, na qual morreu Santa
Potamiana; a cal viva na qual foram atirados Epímaco e Alexandre sob o imperador Décio; por último, a grelha, que deu morte ao diácono S. Lourenço; este e outros foram assados vivos.
O suplício mais dramático dos mártires
cristãos foi a exposição às feras perante a multidão pagã. Tal
espetáculo era geralmente reservado para os dias de festa ou alguma
solenidade especial. Assim foi atirado às feras S. lnácio de Antioquia
aos 22 de dezembro de 107 por ocasião das festas saturnais, ano em que
se celebrou a vitória do imperador Trajano sobre os dácios com 123 dias
de festa.
Em Esmirna, o governador
expôs às feras Germânico e outros dez cristãos. Os mártires de Lião
foram expostos no anfiteatro por ocasião das férias de agosto.
Provavelmente a proximidade de alguma celebração importante levava os
juízes a condenar os cristãos às feras. Às vezes, porém, era o próprio povo que gritava: “Os cristãos aos leões!”.
Quando as feras não chegavam a matar suas vítimas, os algozes se encarregavam de arrematar o suplício.
Tal foi o caso de Perpétua, Felicidade e Saturo. Em Cesaréia, Adriano,
Eubulo e Agapito, depois de passar pelas feras foram degolados (os dois
primeiros) e atirado ao mar o terceiro.
O historiador Eusébio foi testemunha
ocular de fatos semelhantes. Observa em sua História Eclesiástica que as
feras por vezes pareciam respeitar as testemunhas de Cristo. Assim
relata ele a respeito do anfiteatro de Tiro:
“Estive presente a este espetáculo e
percebi muito manifesta a assistência do Senhor Jesus, de quem os
mártires davam testemunho. Os animais vorazes ficavam por muito tempo
sem ousar tocar nos corpos dos santos; ao contrário dirigiam toda a sua
ira contra os pagãos que se esforçaram por atiçá-los. Por vezes
lançavam-se contra os condenados cristãos, mas imediatamente recuavam
como se fossem rechaçados por um poder divino. Vi um jovem de vinte anos
com os braços em cruz; rezava pela paz sem se mover, aguardando o urso
ou o leopardo, que pareciam ferozes, mas que uma força misteriosa
detinha. Vi também cinco outros cristãos expostos a um touro bravo; este
havia lançado ao ar vários pagãos; quando ia atirar-se contra os
mártires, não podia dar um passo, ainda que provocado por um ferro
candente. Parecia a mão de Deus intervir nestes casos” (História
Eclesiástica, VIII, 7, 4-6, Ed. Paulus, SP).
Nunca os mártires lutaram contra as feras. Não se conhece caso algum. Deixavam ser atacados sem se defender.
A crucificação era considerada pelos
romanos como infame, mas foi aplicado com grande freqüência aos
cristãos. Além da crucifixão de Jesus, tornou-se famosa a do apóstolo S.
Pedro; Orígenes relata que Pedro foi crucificado de cabeça para baixo,
pois o próprio Pedro pediu, por humildade, que fosse assim fixado à
cruz.
Escreve Sêneca, filósofo estóico,
observando a freqüência deste tipo de morte: “Vejo cruzes de diversos
modos; alguns são levantados na cruz com a cabeça para baixo.”
(Consolatio ad Marciam, 20).
Muitos cristãos sofreram a pena da cruz nos jardins de Nero, como refere Tácito (Anais XV, 44).
Na cruz morreu também São Simeão, bispo de Jerusalém, nos tempos de
Trajano. Cem anos mais tarde um pagão escrevia ao cristão Minúcio Félix
em tom de triunfo: “Este não é o tempo de adorar a cruz, mas de padecê-la” (Jam non sunt adorandae cruces sed subeundae, Octavius 12).
São Justino, Tertuliano, Clemente de
Alexandria falam de cristãos crucificados, citando os nomes: Cláudio,
Astério e Neón, Calíope, Teodulo, Agrícola, Timóteo e Maura. Eusébio
refere-se a muitos mártires que morreram crucificados no Egito: “Foram
crucificados como o são os malfeitores; alguns, com particular
crueldade, foram pregados a cruz de cabeça para baixo. Assim
permaneceram vivos até morrer de fome em seu patíbulo” (História
Eclesiástica VIII, 8).
Na Ata do martírio dos santos Timóteo e
Maura, lê-se que dois cônjuges cristãos permaneceram crucificados
frente a frente e assim ainda viveram nove dias, padecendo, além do
mais, o tormento de uma sede ardentíssima.
Outro modo de executar os mártires, a partir do final do século III, era o afogamento.
Eusébio narra que em 303, quando foi publicado o primeiro edito de
Diocleciano, inumeráveis cristãos foram amarrados, levados em barcos
até alto mar e atirados dentro da água. Em 304 na cidade de Roma dois
mártires foram lançados no rio Tibre. Em Cesaréia foi afogada uma jovem
de dezoito anos. Na Panônia o bispo Quirino foi lançado no rio Save com
uma pedra de moinho no pescoço.
São quase incontáveis os tipos de suplício a que foram submetidos os cristãos pelo ódio dos pagãos. Em Alexandria o povo
enfurecido apedrejou as santas mártires Meta e Quinta e atirou do alto
de uma casa o mártir Serapião. Em Roma foram encerrados numa cripta das
catacumbas cristãos que assistiam a MIssa. Em Antioquia cortaram a
língua do diácono Romano; e depois o estrangularam. Dorotéia, Gorgônio e
outros fiéis foram estrangulados em Nicomédia.
O historiador Eusébio narra que na Arábia
mataram vários fiéis a golpes de machado – suplício este proibido pela
lei. Na Capadócia, hoje Turquia, mataram cristãos quebrando-lhes as
pernas; em Alexandria cortaram-lhes nariz, orelhas e mãos. No Ponto
enfiaram-lhes espinhos debaixo das unhas e derramaram sobre as vítimas
chumbo derretido. São Cipriano escrevia a um magistrado africano:
“Tua ferocidade e tua desumanidade não se
contentam com os tormentos habituais; tua maldade é engenhosa e inventa
novas penas” (Ad Demetrianum 12).
Eusébio atesta a mesma coisa,
referindo-se aos magistrados que inventavam tormentos desconhecidos e
pareciam rivalizar entre si pela crueldade. Em certo sentido a lei lhes
permitia inventar penas atrozes, pois, segundo um jurista do séc. III, a
pena capital “consiste em ser atirado às feras, ser decapitado ou
padecer outras penas semelhantes”. Isto significa que qualquer
atrocidade inspirada pelo ódio podia ser aplicada aos cristãos (ver
Marciano, Digesto XLVIII, XIX, 11 § 3).
É impressionante a coragem e a fé de
mulheres e crianças que suportaram heroicamente o martírio, quando
podiam livrar-se deles com apenas uma palavra de renúncia a sua fé.
Deus os assistiu com sua graça. A mártir santa Felicidade, jovem escrava
de Cartago, por volta do ano 200, estava no cárcere esperando a ,morte;
na véspera de dar à luz, começou a gemer nas dores do parto; então
zombavam dela os carrascos, pondo em dúvida que ela fosse capaz de
sofrer os ataques das feras. Ao que ela respondeu: ‘Agora sou eu que
sofro. Em breve porém haverá em mim um Outro, que padecerá por mim,
porque eu estarei padecendo por Ele” (Passio SS. Perpetuae et
Felicitatis 15).
Tertuliano escreveu ao imperador Antonino
Pio: “O sangue dos mártires é semente de novos cristãos”. Assim eles
venceram o grande Império; “a espada curvou-se diante da Cruz de
Cristo”. O mundo ocidental se tornou cristão.
Este artigo foi todo baseado no de D.
Estevão Bettencurt (Revista PR, Nº 475 – Ano 2001 – Pág. 553), “Os
mártires do império romano”.
Prof. Felipe Aquino
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