quinta-feira, 17 de abril de 2014

Tomé, aquele que quis ver para crer



Apóstolo acreditava, talvez mais do que os outros. Contudo ele quis ver e tocar.

 
Por Evaldo D´Assumpção*

Chegamos à Páscoa do Senhor, celebração que nos recorda a vitória de Jesus sobre a morte. Com a ressurreição, acontecida em tempos messiânicos, entre povos que falavam, mas não acreditavam na ressurreição, Cristo confirma, de modo indiscutível, a sua condição de Filho de Deus. Ele, o Deus encarnado, o Emanuel esperado por tantos e por muitos que até hoje, incapazes de reconhece-lo, continuam esperando por um Messias. Que veio e não foi reconhecido, nem pelos seus.
Voltando imaginariamente no tempo e no espaço, chegamos a Jerusalém no domingo após a Páscoa judaica. Vemos a agitação da cidade retornando às suas atividades normais. Milhares de pessoas se preparam para regressar às suas casas. São partos, medos, elamitas, mesopotâmios, capadócios e tantos outros que foram surpreendidos ao ouvirem os apóstolos, homens simples do povo, pescadores e cobradores de impostos, falando misteriosamente num idioma que a todos era compreensível. E que corajosamente enfrentavam o poder dos sacerdotes e fariseus, anunciando o inacreditável acontecimento: um sepulcro vazio testemunhara, juntamente com a própria guarda do Templo que ali fora posta pelo sumo-sacerdote, temeroso de alguma fraude, o cumprimento da promessa de Jesus: “Em três dias reerguerei o Templo que vocês destruírem!”
Se todos entendiam a pregação dos apóstolos, poucos compreendiam o que estava acontecendo. Como era possível um morto ressuscitar dentre os mortos? Ainda mais alguém que fora esmagado pela violência dos soldados romanos, tanto quanto pela hipocrisia e crueldade de sacerdotes e fariseus, invejosos e amedrontados pela pregação do carpinteiro de Nazaré.
Deixando o burburinho das ruas, voltamos ao Cenáculo. Ali, os discípulos reunidos ao lado de Maria, a mãe que tivera o filho estraçalhado, em seu regaço de dor, se alegravam pela vitória do filho e mestre. Jesus realmente ressuscitara como prometera!
Contudo, entre eles estava alguém que passaria a história como um incrédulo. Seu nome, Tomé. “Se eu não vir nas mãos os sinais dos cravos e não puser a minha mão na sua ferida do lado, não acreditarei!” Oito dias depois, segundo o relato de João, novamente estavam todos reunidos quando Jesus Cristo se faz presente. E entre eles, também Tomé.  Mas, uma leitura cuidadosa do texto nos mostra algo muito instigante: ao ser autorizado a tocar as chagas de Jesus, ele não o fez. Prostrou-se diante do Mestre ressuscitado e disse simplesmente: “Meu Senhor e meu Deus!” A partir daí, a história o condenou a ser o mais incrédulo dos discípulos.
Podemos, contudo, fazer outra leitura do seu gesto. Tomé, em seu evangelho apócrifo, atribui a Jesus esta frase: “Que aquele que procura não deixe de procurar até que encontre. Quando encontrar, ficará perturbado. Quando estiver perturbado, ficará maravilhado e dominará tudo. E (tendo dominado) descansará” (Sentença 2, Papiro de Oxirrinco 654,8-9).
Tomé foi lição para os nossos dias, quando muitas pessoas se entregam a crendices religiosas sem nenhum questionamento. O que lhes disserem, aceitam. Depois, as vicissitudes da vida lhe fazem defrontar com dificuldades, com doenças, com perdas e sofrimentos e sua “fé” desaba. Afinal era uma opção infantil, dócil, mas sem consistência. E isso vamos encontrar em todas as religiões e até mesmo entre ministros destas religiões.
Tomé não duvidava. Ele acreditava, talvez mais do que os outros. Contudo ele quis ver e tocar. Não para crer, mas para amadurecer a sua fé. Este ver não é o olhar com os olhos, nem o tocar e apalpar com as mãos, mas um comprometimento interior pela elaboração mental e emocional, como base para um amadurecido e sólido crescimento espiritual. Hoje as pessoas têm preguiça de pensar. Preguiça de ler. Preguiça de refletir. Falta-lhes a consciência crítica que Tomé deixou bem claro para nós, como o verdadeiro caminho da fé. A verdadeira fé que, sendo um dom de Deus – por isso mesmo, Cristo lhe afirmou: “Bem-aventurados os que não viram e creram!” – exige mais do que um acomodamento como se fossemos um grupo de privilegiados, diferentes e acima dos outros que não têm fé. O caminho em busca da fé adulta é pesado. Perturba, pois nos desinstala, derruba nossas crendices. Mas o seu encontro nos maravilha e nos permitirá, um dia, repousar no regaço do Pai, do Filho e do Espírito Santo, em quem acreditamos.
*Evaldo D'Assumpção é médico e escritor.

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