segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Papa revisita regras do divórcio católico



Milhões de católicos são afetados pela proibição da Igreja à Comunhão para divorciados.
Elio Cirimbelli, um senhor de 66 anos de idade, morador de Bolzano, norte da Itália, vai à igreja em quase todos os domingos. É um católico romano devoto, mas quando participa da missa ele não pode receber a Comunhão e deve permanecer nos bancos da igreja enquanto os demais se levantam para receber o pão e o vinho sacramentais. “É bastante difícil, digamos assim”, diz Cirimbelli. “Temos uma Igreja que pode ser uma mãe, mas às vezes é uma mãe que não nos dá um abraço, e sim que pune”.
Milhões de católicos no mundo são afetados de forma semelhante pela proibição da Igreja a respeito da Comunhão para os que se divorciaram – como Cirimbelli, desde 1987 – e em seguida se casaram novamente.
Numa comunidade global dividida por questões tais como o aborto, a contracepção e o sexo homossexual, o diálogo sobre o divórcio está longe de ter o mais difícil. Mas para um enorme número de pessoas comuns, este doloroso saber que sua Igreja as considera inelegíveis perante um direito que ela concede a quase todos os outros católicos – inclusive assassinos.

Fiel à sua imagem como pontífice que escuta as pessoas e quer construir uma Igreja menos prepotente e mais inclusiva, o Papa Francisco quer agora começar a falar sobre o assunto.

Antes do encontro dos bispos internacionais em Roma no próximo domingo, há esperanças de que o papa possa decidir pôr em movimento uma flexibilização da proibição que, finalmente, permitiria a Cirimbelli, que se casou pela segunda vez em 1991, a receber a Sagrada Comunhão após 23 anos.

“Eu me encontrei com o Papa Francisco em 2013 e disse: ‘Somos o que a Igreja Católica considera uma família irregular, mas confiamos os nossos sofrimentos – e os sofrimentos de muitas pessoas que conheci com parte de meu trabalho – em suas mãos’”, disse Cirimbelli, pai de três filhos. “Temos esperança e acreditamos numa Igreja misericordiosa”. O papa me abraçou e falou: ‘Não, a Igreja não vai abandonar vocês”.

Na qualidade de diretor de um centro de apoio para pessoas separadas e divorciadas em Bolzano, Cirimbelli neste ano também se encontrou com o cardeal Lorenzo Baldisseri, secretário geral do Sínodo dos Bispos. “Não posso lhe dizer tudo o que ele falou, mas posso dizer que eles acreditam que o papa, desta vez – diferente de outras vezes –, não quer que os debates se tornem exclusivamente acadêmicos. O papa acredita, e eles acreditam, que chegou a hora de dar respostas concretas”.

O que Cirimbelli gostaria de ver é a adoção de uma ideia apresentada pelo cardeal alemão mais destacado na atualidade, Walter Kasper, segundo o qual Roma deveria olhar para a Igreja Ortodoxa oriental em busca de um caminho a seguir e permitir que algumas pessoas que se casaram novamente no civil passem um período de penitência que, ao final, abrandaria a proibição à Comunhão. Cirimbelli faz questão de salientar que a reforma proposta por ele deixaria intacta a indissolubilidade do casamento e iria apenas assumir uma atitude de mais aceitação, uma atitude mais tolerante para com o segundo casamento – civil – das pessoas.

Teólogo cujas opiniões costumavam a colocá-lo em conflito com a hierarquia do Vaticano, Kasper é alguém cuja hora, talvez, chegou: com sua abordagem pragmática e misericordiosa tendo sido elogiada no ano passado pelo Papa Francisco na sua primeira bênção de domingo, Kasper foi escolhido pelo pontífice para fazer um discurso de abertura no Sínodo em fevereiro deste ano e, embora o papa esteja com o que diz, muitos acreditam que eles pensem da mesma forma.
Tina Beattie, teóloga católica progressista, acredita que o palco para uma mudança – mas também para uma “luta epocal, crucial” – foi montado.

“O solo foi bem preparado para uma mudança relativa à readmissão dos católicos divorciados e recasados aos sacramentos”, disse. “Não acho que isso vá envolver alguma alteração na doutrina. Será uma mudança pragmática que vai colocar a prática pastoral antes da rigidez doutrinal”.

Mas nem todo mundo quer isso, e os opositores destas propostas não estão dispostos a perder sem lutar. Nas semanas anteriores aos Sínodo extraordinário sobre a vida familiar, a acontecer entre os dias 5 e 19 de outubro, o coro conservador vem aumentando entre os assim-chamados príncipes da Igreja, com seis cardeais vindo a público para se manifestarem contra as ideias de Kasper por meio de uma série de ensaios/artigos publicados em diferentes países na quarta-feira passada (24-09-2014). Entre estes críticos estão Gerhard Ludwig Müller, chefe da poderosa Congregação para a Doutrina da Fé, e George Pell, australiano escolhido por Francisco para liderar a nova Secretaria para a Economia, do Vaticano.

Robert Dodaro, professor de Teologia e editor, em Roma, disse que o modelo do cardeal Kasper defende uma forma de “pseudomisericórdia” que conduziria, com efeito, a Igreja a tratar os divorciados recasados como se estivessem num “casamento de segunda classe”.

“Como você se sentiria se lhe dissessem: ‘Olha, o seu segundo casamento... nós estamos tolerando-o, mas não o aceitamos’?”, disse Dodaro. “A Igreja Católica não reconhece o divórcio, assim estas pessoas ainda estão casadas (...) aos olhos de Cristo. Elas estão ainda estão casadas com o cônjuge original”. O segundo casamento é uma contradição em termos, porque, enquanto este relacionamento continuar vivo, o seu vínculo ainda estará em vigor”.

Pelo menos, um dos cardeais que contribuem para o livro defende a contratação de mais canonistas para trabalharem nos tribunais eclesiásticos a fim de permitir a simplificação do processo de anulação dos casamentos.

Alguns analistas acreditam que, em vez da sugestão do cardeal Kasper, esta pode ser o momento para um compromisso duradouro. No sábado passado o Vaticano anunciou uma nova comissão que parecia ir nesta direção. Uma nota disse que o seu o seu objetivo seria reformar o processo de concessão das anulações, “com o objetivo de simplificar os processos, fazendo-os mais ágeis e salvaguardando o princípio da indissolubilidade do casamento”.

Mas, para um reformador que tem construído o seu papado lançando-se às margens e que, constantemente, repete a necessidade de a Igreja ser menos obsessiva com as regras e mais preocupada com as pessoas reais, os obstáculos que estão por vir nos próximos meses são altos – espera-se que as grandes decisões sejam tomadas só no próximo Sínodo do ano que vem. “A meu ver, esta é uma luta epocal, crucial”, diz Beattie, professora de Estudos Católicos na Universidade de Roehampton. “Será que a Igreja vai sair disto como uma instituição mais semelhante àquela do Vaticano II e do Papa Francisco, ou será que este papa será derrotado por forças muito conservadores de forma que possamos ver o surgimento de um ethos doutrinário ainda mais rígido e inflexível?

Para Cirimbelli, os obstáculos também são grandes, e os conservadores claramente o deixam furioso. “Posso dizer que [o livro que eles lançaram] me deixou irritado”, falou. “O que me magoa é que estes ilustres cardeais, estas ilustres eminências, falam muito em teoria. Se você me permite fazer uma provocação, digo: eles deveriam passar um pouco menos de tempo atrás de suas escrivaninhas e mais tempo entre as pessoas, que é o que o papa tem feito. O Papa Francisco não é um papa, um padre, um bispo, um cardeal dos palácios. Ele é um papa, um padre, um bispo e um cardeal das ruas”.

Só o tempo vai dizer se o papa do povo irá desapontá-lo ou se irá dar-lhe motivos para se alegrar.
The Observer, 27-09-2014.

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