[unisinos]
O gesto do papa Francisco de permitir, por ocasião do próximo Jubileu
da Igreja, que todos os sacerdotes – não só os bispos – possam
"absolver" as mulheres cristãs do pecado do aborto merece um aplauso,
mas ainda é insuficiente, embora possa soar como uma heresia para os
católicos mais tradicionais. De fato, a Igreja Católica é hoje – com
exceção das igrejas evangélicas fundamentalistas, militantes contra o
aborto sem nuances – a mais severa contra o aborto, já que considera que
o feto tem vida própria desde o primeiro momento da concepção.
O comentário é de Juan Arias, jornalista, em artigo publicado por El País, 01-09-2015.
As Igrejas protestantes, em geral, mesmo considerando que o aborto
fere o princípio do respeito à vida, são mais liberais que a Católica. A
Igreja Anglicana, por exemplo, permite o aborto antes das 28 semanas. Os metodistas
deixam à mulher a liberdade de abortar, “após uma profunda meditação”,
ou seja, com responsabilidade. Entre os luteranos, existem duas
correntes: a radical, que se identifica com a católica oficial; e a mais
liberal, que permite o aborto sob certas condições.
Até mesmo o Corão, o livro sagrado dos muçulmanos, é
mais liberal porque considera que o feto começa a ter alma só depois de
120 dias. De modo que o aborto seria permitido antes disso, como também
em caso de risco à vida da mulher. Segundo o Corão, se a vida da mãe está em perigo, é preferível sacrificar a planta para salvar a raiz.
Para o judaísmo, nos tempos de Jesus o aborto não
representava um problema, já que a maior condenação para uma mulher era
ser estéril. Um filho era a maior bênção.
Em sua campanha de misericórdia com os pecadores, o papa Francisco
quis introduzir o espinhoso caso das mulheres cristãs que abortaram, a
quem a Igreja tem negado o perdão. Concedeu-o aos homossexuais, aos
divorciados e até aos condenados por crimes graves. Nesse tema Francisco
apela para a figura de Jesus, nos primórdios do cristianismo, que dizia
ter vindo para resgatar todos os doentes, os pecadores e os
desprezados.
As mulheres cristãs que abortaram foram sempre vistas pela Igreja
como as grandes pecadoras a quem só um bispo podia perdoar. O papa
jesuíta fala com amor e dor sobre elas, porque carregam, como afirma o
Santo Padre, “uma cicatriz em seu coração”. Isso mostra muito o seu
espírito de solidariedade, mas certamente será ainda insuficiente para
as mulheres.
O Papa sabe disso, mas conhece também a resistência da Igreja oficial
em ceder nesse tema. Com senso prático, ele abre caminhos transversais,
à espera, talvez, de que outros amanhã possam dar novos passos.
Não seria melhor que a Igreja se preocupasse menos em quantificar os pecados e mais em lembrar o que defendia o cardeal Newman,
que, convertido do anglicanismo ao catolicismo, dizia: “Melhor errar
seguindo a própria consciência do que acertar contra ela”?
Se na Idade Média a Igreja chegou a duvidar de que algumas mulheres
tinham alma, a Igreja de hoje ainda resiste em aceitar que também as
mulheres têm uma consciência à qual devem prestar contas antes de quem
quer que seja.
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