Parece que a morte e outras deficiências corporais não são efeitos do pecado:
- Com efeito, se a causa for igual, o efeito também será igual. Ora, estas deficiências não existem igualmente em todos, são mais abundantes em alguns, enquanto que o pecado original é igual em todos. É dele que estas deficiências parecem ser principalmente efeito. Portanto, elas não são efeitos do pecado.
- Além disso, removida a causa remove-se o efeito. Ora, removido todo pecado pelo batismo ou pela penitência não se removem tais efeitos. Logo eles não são efeitos do pecado.
- Ademais, há mais razão de culpa no pecado atual do que no pecado original. Ora, o pecado atual não muda em deficiências a natureza do corpo. Logo, muito menos o pecado original. Assim, a morte e outras deficiências do corpo não são efeitos do pecado.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, o Apóstolo diz: “Por um só homem o pecado entrou neste mundo, e pelo pecado a morte”.
Uma coisa é causa de outra de duas maneiras: por si, ou por acidente. Ela é por si causa de uma outra quando é em virtude de sua natureza ou de sua forma que ela produz o efeito, donde se segue que o efeito é procurado por si pela causa. Portanto, como a morte e as tais deficiências estão fora da intenção do pecador, é claro que o pecado não é por si a causa dessas deficiências.
Acidentalmente uma coisa é causa de uma outra se ela remove o obstáculo. “Quem arranca a coluna, diz o livro VIII da Física, acidentalmente remove a pedra sobreposta”. É desta maneira que o pecado do primeiro pai é causa da morte e de todas as deficiências na natureza humana. Eis como: o pecado do primeiro pai suprimiu a justiça original, pela qual não somente as potências inferiores da alma estavam contidas sob a razão sem qualquer desordem, mas todo o corpo estava contido sob a alma sem nenhuma deficiência, como foi dito na I parte. Uma vez suprimida esta justiça original pelo pecado do primeiro pai, assim como a natureza humana foi ferida, quanto à alma, pela desordem das potências, assim também se tornou corruptível pela desordem do mesmo corpo.
A perda da justiça original, como a da graça, tem a razão de uma pena. Por conseguinte, a morte e todas as consequentes deficiências do corpo são, também elas, a pena do pecado original, e embora não sejam procuradas pelo pecador, são ordenadas por Deus como penas de sua justiça.
Quanto às objeções iniciais, portanto, deve-se dizer que:
- A causas por si iguais correspondem efeitos iguais e aumentada ou diminuída a causa aumenta ou diminui o efeito. Se alguém com um impulso igual arranca duas colunas, não se segue que as pedras sobrepostas devam mover-se igualmente. Cairá mais depressa a que for mais pesada segundo a sua própria natureza, à qual fica entregue quando o obstáculo é removido. Assim, removida a justiça original, a natureza do corpo humano ficou entregue a si mesmo, e nesse sentido, segundo a diversidade da compleição natural, os corpos de alguns estão sujeitos a mais deficiências, os de outros a menos, embora o pecado original exista em todos igualmente.
- Aquele que remove a culpa original e atual é também aquele que remove as deficiências da natureza: “Ele vivificará, diz o Apóstolo, vossos corpos mortais pela habitação em vós de seu Espírito”. As duas coisas se fazem segundo a ordem da divina sabedoria, no tempo oportuno. Com efeito, é preciso para chegar à imortalidade e à impassibilidade da glória que foi iniciada em Cristo e nos foi adquirida por Cristo, que nos tornemos primeiro conformes aos seus sofrimentos. É preciso, portanto, que a passibilidade permaneça em nossos corpos por um tempo, para que mereçamos a impassibilidade da glória em conformidade com Cristo.
- No pecado atual podemos considerar duas coisas: a substância do ato e a razão da culpa. Pela substância do ato, o pecado atual pode causar alguma deficiência corporal. Por exemplo, há quem é doente e que morre por excesso de alimento. Pela culpa, o pecado atual priva da graça, que é dada ao homem para retificar os atos da alma, não porém para impedir as deficiências do corpo, como impedia a justiça original. É por isso que o pecado atual não causa essas deficiências, como o pecado original.
Suma Teológica I-II, q.85, a.5
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