terça-feira, 13 de março de 2018

A abordagem do Papa às questões sobre sexo e gênero decepcionou muitos católicos LGBT

Por Jamie L. Manson*

A maneira como Francisco fala sobre gênero e sexualidade sugere que tem um profundo apego à teologia da complementaridade.

 


Os primeiros meses do pontificado de Francisco pareciam inaugurar ventos de mudança. Os gestos desafiantes, como a lavagem dos pés das mulheres durante sua primeira liturgia da Quinta-feira Santa e o uso impressionante da frase "Quem sou eu para julgar?". Quando perguntado sobre homens e mulheres gays, deu-me a esperança de que a mudança estaria prestes a acontecer na Igreja e sacudiria atitudes enraizadas em torno dos papéis de gênero e da sexualidade.Cinco anos depois, do meu ponto de vista, pouco mudou. Não só o ensino e a prática não se desenvolveram, o pensamento de Francisco sobre as mulheres e as relações do mesmo sexo e as pessoas transgênero parece ser fundamentalmente idêntico ao de seus predecessores papais.A maneira como fala sobre gênero e sexualidade sugere que tem um profundo apego à teologia da complementaridade. Isso foi desenvolvido em uma série de discursos que o Papa João Paulo II ofereceu em audiências gerais entre 1979 e 1981, ensinando que Deus criou homens e mulheres para diferentes propósitos e papéis na sociedade, na família e na Igreja. No plano de Deus, homens e mulheres têm igual dignidade e valor - mas suas naturezas e papéis são distintos. Os homens tomam a iniciativa, são líderes naturais. As mulheres são, por natureza, destinadas a servir e serem nutridoras.
Seus vários comentários sugerem que Francisco é um apaixonado defensor da complementaridade. Frequentemente fala de mulheres em termos elevados e de muita importância, ao mesmo tempo que confina seu papel ao de esposa e mãe. "Sem a mulher, não há harmonia", disse ele durante uma das suas homilias matinais na missa da Residência Santa Marta em setembro do ano passado. "Homens e mulheres não são iguais, um não é superior ao outro: Não. Quero dizer que o homem não traz harmonia.... Uma mulher é harmonia, é poesia, é beleza. Sem ela, o mundo não seria tão lindo, não seria harmonioso. E eu gosto de pensar - mas isso é uma coisa pessoal - que Deus criou mulheres para que todos nós tivéssemos mãe".
Colocar as mulheres em um pedestal não as torna iguais, é claro. A mulher idealizada não aproxima as verdadeiras mulheres ao seu papel de oferecer a plenitude dos seus dons no mundo e na Igreja. Exaltar seu papel como portadoras de filhos, envia a mensagem de que qualquer contribuição que elas fazem além do lar é de menor valor ou de alguma forma não é natural. Francisco encoraja uma cultura em que as vozes das mulheres em assuntos diferentes dos domésticos não são consideradas de igual valor para os homens. Como resultado, desde os primeiros séculos da Igreja, as mulheres tiveram muito pouco poder de decisão nesta Igreja - do nível paroquial até o Vaticano - e nenhuma mulher teve autoridade nos sínodos ou conselhos onde seu ensino é discutido.
As mulheres em todo o mundo sofrem desproporcionalmente da pobreza, da doença, da falta de educação, da violência e da escravidão. As causas profundas dessas injustiças são a desigualdade, o desemprego e o sexismo. Embora Francisco seja universalmente elogiado por defender os pobres e marginalizados, a mensagem que transmite com a complementaridade justifica e perpetua as ideias patriarcais que são a fonte do sofrimento dessas mulheres. A luta pela ordenação das mulheres é, por vezes, descartada como um movimento de pessoas com fome de poder, buscando status e até de mulheres privilegiadas. Mas se seus líderes incluíssem as mulheres em sua liderança como iguais, a Igreja poderia ser uma força poderosa no desmantelamento das estruturas de pobreza, abuso e opressão.
A complementaridade também tem um impacto generalizado nos católicos lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros. Na primavera de 2015, Francisco aproveitou uma audiência geral para catequizar os fiéis sobre casamento e família. Ele repetidamente se refere ao homem e à mulher em casamento como a "obra-prima" de Deus e critica a "chamada teoria de gênero" que "procura anular a diferença sexual".
Em nenhum lugar sua oposição às relações homossexuais é mais clara do que em Amoris Laetitia. Embora tenha sido elogiado como um passo significativo para uma abordagem mais pastoral das complexidades da vida familiar moderna, sua representação das relações homossexuais dificilmente pode considerar-se compassiva. "Não há absolutamente nenhuma razão para pensar as uniões homossexuais de qualquer forma semelhantes [às heterossexuais] ou mesmo remotamente análogas ao plano de Deus para o matrimônio e a família", escreveu ele. De forma desconcertante, ele simplesmente assentou esta linguagem diretamente nas "Considerações sobre os projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais", um documento publicado em 2003 pela Congregação para a Doutrina da Fé sob o então cardeal Joseph Ratzinger. Isso leva alguém a se perguntar se algo realmente mudou neste papado.
As pessoas transexuais também foram sujeitas a tratamentos pouco menos carinhosos que este último mencionado. "A manipulação biológica e psicológica da diferença sexual, que a tecnologia biomédica permite ver como aberta à livre escolha – coisa que não é - é susceptível de desmantelar a fonte de energia que nutre a aliança do homem e da mulher, aliança que a torna criativa e frutífera" apontou Francisco em outubro passado em um discurso para a Pontifícia Academia da Vida.
Pode-se argumentar que não é razoável esperar que o Papa apoie as uniões do mesmo sexo ou - particularmente considerando a nova conscientização dessas pessoas - as pessoas transgêneros. Mas a linguagem que Francisco escolhe cria em muitos católicos gays e lésbicas e transgêneros um forte sentimento de vergonha. Ao exaltar casais heterossexuais - "obra-prima de Deus" - contra casais do mesmo sexo, ele enraíza os mesmos velhos sentimentos de pecado, não apenas em pessoas LGBT, mas também em suas famílias.
Mais uma vez, ninguém espera que a questão do matrimônio dos casais do mesmo sexo na Igreja seja levada facilmente ou rapidamente, mas a linguagem e o gesto são importantes. Ser impedido de se casar na própria igreja pode criar um profundo senso de que o amor e o compromisso de alguém são incapazes de bondade e santidade.
As posturas de Francisco sobre questões LGBT têm consequências globais. Seu fracasso em falar contra as leis draconianas anti-homossexuais durante sua viagem a três nações africanas põe em dúvida quão comprometido com a justiça aos mais marginalizados e vulneráveis. Ele ganhou o carinho mundial como campeão dos pobres e oprimidos, como defensor do meio ambiente e como promotor dos direitos humanos. O seu carisma e poder sobre as consciências dos líderes mundiais pode ter uma influência incontestável na elevação de mulheres e pessoas LGBT para a igualdade de status e a dignidade. Infelizmente, é uma oportunidade que até agora não conseguiu entender

The Tablet - Tradução: Ramón Lara
*Jamie L. Manson é colunista e editor de livros no National Catholic Reporter.

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