quinta-feira, 19 de abril de 2018

Da superstição ao desdém pelo sobrenatural: as arapucas entre dois extremos


Há quem ache que tudo é sobrenatural. Há quem ache que nada é sobrenatural. E há quem tem fé. Quais as diferenças?



O conceito de “” sofre frequentemente interpretações equivocadas, inclusive por parte de pessoas muito bem intencionadas, mas não informadas adequadamente.
Muita gente confunde a fé com crendices, caindo no perigo das superstições e vendo “poderes mágicos” onde não existem. E bastante gente cai na arapuca oposta, que é tão insidiosa e sutil quanto: a de reduzir tudo o que é sobrenatural ao mesmo nível da superstição, enfiando assim a fé no mesmo saco das crendices e considerando que não existe nada sobrenatural.

A fé consiste em acreditar. Podemos ter fé num futuro melhor, fé na honestidade do vendedor, fé na palavra do líder político, fé em Deus, fé na presença real de Jesus Cristo na Eucaristia. Obviamente, são níveis diferentes de fé, mas, em comum entre eles, há o ato de acreditar. Acreditar é dar crédito. É avaliar que faz sentido dar um voto de confiança a alguém a respeito de algo. E esse crédito, essa confiança, são um ato consciente de decisão.
É por isso que a fé “funciona” em “parceria” com a razão. Toda fé autêntica se baseia em indícios razoáveis. A verdadeira fé é vivida em sólida harmonia com os muitos campos do conhecimento humano, como a biologia, a medicina, a filosofia, a história, a biologia, a psicologia… Na busca sincera de resposta e sentido, a fé é um ato de confiança e de crédito em algo que não se consegue demonstrar ou comprovar empiricamente de modo taxativo, mas que, racionalmente, é merecedor desse voto de confiança e desse crédito. A própria ciência, aliás, se baseia no método de propor hipóteses, avaliar se essas hipóteses fazem sentido racionalmente e investigá-las a fundo, a fim de refutar ou confirmar a sua validade. Acreditar é não apenas perfeitamente compatível com a racionalidade: é um elemento constitutivo do próprio processo humano de raciocinar.
Além da inteligência, a fé tem direta relação com a liberdade: é graças ao livre arbítrio que podemos tomar as decisões que a nossa consciência, fundamentada em parâmetros racionais objetivos, nos indica como as mais adequadas e sólidas. A fé autêntica deve ter a certeza de estar sendo vivida em plena liberdade de consciência: sem a pressão da crendice e do medo no sentido de acreditar por acreditar, e sem a pressão do preconceito e da pseudociência no sentido de negar por negar.

Superstição

Já a superstição é uma crença acrítica. Sem base na razão, o supersticioso cria falsa obrigações atreladas tanto a esperanças quanto a medos infundados. Em geral, as superstições envolvem sinais (objetos, pessoas, acasos) que provocariam determinados acontecimentos, bons ou ruins: um gato preto que provocaria 7 anos de azar, um trevo de 4 folhas que traria sorte, uma cor de roupa que traria dinheiro e por aí afora.
Um conjunto particularmente perigoso de superstições envolve “ritos” que lidam com “forças ocultas” a fim predizer o futuro ou desvendar segredos sem recorrer a Deus – ou supondo recorrer a Ele, mas de uma perspectiva não cristã, não filial. Deus revelou algumas coisas sobre o futuro: por exemplo, que haverá um juízo e que existe a vida eterna. Aqui não custa ressaltar que toda revelação divina é matéria de fé: ou você acredita ou você não acredita; afinal, se houvesse certeza tangível, não seria fé: bastaria constatar e pronto.

Negação total

Um oposto à crendice de que tudo está atrelado a consequências sobrenaturais infundadas é o de dar crédito à ideia de que nada está ligado a qualquer vestígio de sobrenaturalidade, reduzindo-se sumariamente o mundo a pura matéria e mero acaso.
Mas não é das formas de ateísmo e materialismo que vamos falar agora, e sim de um aspecto relacionado parcialmente com a negação do sobrenatural: trata-se de certo desdém, que não nega totalmente, mas lida superficialmente e “gaiatamente” com alguns conceitos espirituais, ridicularizando-os em vez de embasar a eventual refutação em verdadeiras considerações científicas.

Desdém: quando o sobrenatural é levado na brincadeira

Entre muitos crentes em Deus, existe a tendência a negar a existência do mal – em concreto, a existência de um mal personificado. Assim, o conceito cristão do anjo caído a que chamamos diabo é visto como fruto de “superstição” ou de manipulação por parte da Igreja institucional. Mas não há uma refutação estudada a sério e aberta ao debate: há uma negação a priori, apenas.
Em não poucos casos, essa negação superficial envolve um risco adicional: o de brincar com o sobrenatural, particularmente com o mal, na tentativa de “confirmar que nada disso é sério”. É assim, “só por brincadeira” ou “por curiosidade”, que muita gente se aventura em cultos e ritos esotéricos nos quais se invocam os mortos e as genericamente chamadas “forças ocultas”.
E é aí que começam muitas histórias traumáticas e reais.

Nossa cultura laicista e o aumento das atividades ocultistas

Da brincadeira e da curiosidade às consequências imprevistas pode haver um passo curto.
O pe. Gary Thomas, exorcista norte-americano cujo livro sobre a própria preparação em Roma serviu como base para o filme The Rite [O Rito], de 2011, gosta de citar o papa emérito Bento XVI dizendo que, “quando a fé diminui, aumenta a superstição”. De fato, entre os fatores culturais que têm levado ao crescente interesse e prática do satanismo e de outras atividades ocultas, o mais óbvio é o declínio da fé cristã no Ocidente. Os ocidentais, no geral, são pessoas impacientes: mesmo entre os que se declaram católicos, há muitos que vão atrás de curandeiros e de alternativas a Deus, no afã de “soluções instantâneas”. A confusa mistura entre o declínio da fé, a sociedade supostamente laica e as “brincadeiras” e “provocações” ocultistas parece indicar uma relação. Segundo o mesmo pe. Gary, o número de pessoas que estão se metendo com o ocultismo, seja através do satanismo, do paganismo, da idolatria ou de alguma outra modalidade, “a sério” ou “por brincadeira”, tem sofrido um aumento acentuado nos últimos 30 anos.
Em The Occult Roars Back: Its Modern Resurgence [O Ressurgimento Moderno do Ocultismo], Richard Kyle, professor de História e Estudos Religiosos da Universidade Tabor, no Estado do Kansas, EUA, cita vários especialistas acadêmicos que escreveram sobre as causas do grande aumento do interesse pelo ocultismo. Jeffrey Russell, por exemplo, observou que, historicamente, “o interesse pelo oculto cresce significativamente nos períodos de rápido colapso social, quando os padrões estabelecidos deixam de dar respostas prontamente aceitáveis e as pessoas se voltam para outras referências em busca de garantias”. Mas, acrescenta Kyle, também há uma base de fatores para o aumento do interesse pelo oculto, conforme proposto por Catherine Albanese, que “ressalta que muita gente foi preparada pela cultura norte-americana para se voltar a si mesma e ao universo em busca de certezas religiosas. A tradição protestante tendeu a apoiar a importância do conhecimento ou da crença na religião. Depois, a ala liberal do protestantismo modificou esta abordagem, enfatizando a presença de Deus em todos os lugares e destacando o otimismo americano em relação à bondade inata da natureza humana. O caráter difusivo do liberalismo e a sua falta de limites nítidos ajudou as pessoas a se ajustarem à ideia de viver confortavelmente sem diretrizes religiosas rígidas”.
Albanese também observa que “a organização urbana e corporativa da sociedade” fragmentou todo o senso de vida comunitária. Em seu lugar, “a astrologia deu às pessoas um senso de identidade” e “as ajudou a estabelecer relações seguras com os outros. A autoajuda fez as pessoas adotarem certas medidas para conseguir a prosperidade, a saúde e a felicidade em meio às suas situações cotidianas. Videntes ofereceram cura física e orientação espiritual para lidar com os problemas do dia-a-dia”.
Ted Baehr, fundador e editor do Movieguide e autor de quase uma dúzia de livros, falou no II Congresso Mundial das Famílias sobre “Proteger as Crianças da Violência da Mídia”. Ele cita o estudioso Harold Bloom, da Universidade de Yale, que analisou “o surgimento da América pós-cristã em seu livro A Religião Americana, e que diz que o deus a quem adoramos somos nós mesmos. Ele afirma que a verdadeira religião da América do Norte é o gnosticismo, uma heresia elitista que combina filosofias místicas gregas e orientais e declara a necessidade do acesso a ‘conhecimentos especiais’ para se chegar ao mais alto dos céus”. A palestra de Baehr incluiu definições coerentes das crenças que atualmente competem com o cristianismo para conseguir seguidores nos Estados Unidos e em grande parte do mundo: o humanismo secular, o panteísmo, o materialismo, o niilismo, o romantismo, o existencialismo, o nominalismo, o idealismo, a New Age e o ocultismo.

Ocultismo: bem mais estendido do que supomos

Richard Kyle fornece uma definição simples e moderna do ocultismo:
“Primeiro, o ocultismo é misterioso, vai além do alcance do conhecimento comum. Segundo, é secreto e comunicado apenas para os iniciados. Terceiro, o oculto se refere ao mágico, à astrologia e a outras supostas ciências que alegam o conhecimento do secreto, do misterioso ou do sobrenatural”.
Até que ponto a crença no oculto é difundida? Uma pesquisa da Gallup, em 2005, revelou que três em cada quatro americanos acreditam em ocultismo. Considerando-se que a nossa cultura proporciona um terreno fértil para o crescimento do satanismo e das práticas ocultas, contemplemos o que temos semeado neste solo receptivo. Ted Baehr traz à tona o fato óbvio de que muitas crianças não estão sendo criadas numa relação de intimidade com Deus, mas em meio a influências como Assassinos por Natureza, Halloween e Pânico. Será um exagero? Muito provavelmente não. Considere algumas séries de televisão dos últimos anos: Vampire Diaries [Diários de um Vampiro], True Blood [Sangue Fresco], Buffy the Vampire Slayer [Buffy, a Caça-Vampiros], “Charmed” [As Feiticeiras], Sabrina the Teenage Witch [Sabrina, a Bruxa Adolescente], apenas para citar algumas. Ou filmes de grande sucesso, como O Exorcista, O Bebê de Rosemary e The Craft [Jovens Bruxas], que empalidecem em comparação com os filmes da saga “Crepúsculo”, com faturamento bruto mundial de 3,3 bilhões de dólares, e com os filmes de Harry Potter, que arrecadaram 7,7 bilhões de dólares. Também podemos recordar RPGs de fantasia ocultista, como Dungeons & Dragons [Caverna do Dragão”], de 1974, e seus muitos “herdeiros”, todos ligados ao mundo da feitiçaria.
Estudos psicológicos indicam que 60% dos adolescentes com dependência química apontam a música “death metal” como seu gênero musical favorito. As letras glorificam o satanismo e o ocultismo, a anarquia, a violência, o abuso de mulheres e crianças, o assassinato, as drogas, o suicídio, o incesto, o estupro e a necrofilia. Richard Ramirez, famigerado assassino em série conhecido como Night Stalker, era obcecado com a banda de heavy metal (ou “death metal”) AC/DC (embora haja controvérsias técnicas quanto à precisão de catalogar esta banda como de death metal). Satanistas adultos são conhecidos por “recrutar” novos membros em shows desse tipo de música e em convenções de jogadores de videogame.
O Dr. Baehr observa que a maioria das crianças expostas ao satanismo e ao ocultismo por meio da mídia de entretenimento não adere automaticamente a esses grupos. Mas a maioria se torna insensível aos males ali representados e uma minoria significativa acaba ficando assustada e paranoica. Ele acrescenta que “pode haver consequências de longo prazo ao se assistir a material antissocial” e, “lamentavelmente, de 7% a 11% dos adultos e até 31% dos adolescentes dizem querer copiar aquilo que veem”.
Existe ainda outra forma de a nossa cultura promover a opressão demoníaca. Como explica o pe. Thomas, as pessoas atacadas por demônios têm muitas vezes feridas na alma, por terem sofrido abusos físicos ou sexuais na infância, o que muda a sua percepção da vida e de si mesmas e a sua capacidade de se relacionar com os outros. “Os demônios”, diz ele, “estão sempre à procura de seres humanos com relações fragmentadas”. Os demônios podem possuir ou oprimir uma pessoa através dos seus sentidos; eles precisam de uma abertura que torne a vítima vulnerável. As “aberturas” mais comuns, de acordo com o pe. Thomas, incluem o vício em pornografia na internet e o uso de cocaína, metanfetamina e outras drogas que causam alucinações.
A obra O Reino do Oculto, de Walter Martin e outros autores, traça o perfil de adolescentes do sexo masculino atraídos para o satanismo e para ocultismo por serem pessoas psicologicamente machucadas, rebeldes, hedonistas e niilistas, usuárias de drogas, solitárias e mal-sucedidas. Eles se sentem “impotentes, isolados e vítimas”, e o satanismo lhes dá uma sensação de controle, de status e de pertencimento a um grupo. Já os adultos são mais frequentemente atraídos para os cultos satânicos pelo seu elitismo, secretismo, hedonismo, pornografia, prostituição e desejo de adquirir poderes mágicos.

Motivos para ter medo?

O pe. Thomas salienta, em sintonia com a fé da Igreja, que não devemos ter medo dos ataques demoníacos. O seu filho ou o seu neto que joga RPG e a sua filha ou a sua neta que “ama” algum personagem de Crepúsculo não vão necessariamente acordar de repente com os olhos esbugalhados e falando fluente aramaico.
Mas o pe. Thomas recomenda quatro meios cotidianos para nos protegermos dos ataques demoníacos:
  • uma vida vivida de acordo com a boa moral;
  • uma vida de oração;
  • uma vida de fé;
  • uma vida sacramental.

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