Por Jackson Erpen – Cidade do Vaticano
O Papa Bento XVI alertava para os exageros litúrgicos, recordando que “em muitos lugares, se celebrava não se atendo de maneira fiel às prescrições do novo Missal, antes consideravam-se como que autorizados ou até obrigados à criatividade, o que levou frequentemente a deformações da Liturgia no limite do suportável”
No nosso espaço Memória Histórica – 50 anos do Concílio Vaticano II, vamos continuar a falar sobre a reforma litúrgica.
Desde terça-feira, 12 de fevereiro, até a sexta-feira, 15, está sendo realizada a Assembleia Plenária da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, para tratar da "Formação Litúrgica do Povo de Deus". Nestes dias, os membros do Dicastério vaticano encarregados da promoção e regulamentação da sagrada liturgia - 22 cardeais, 8 arcebispos e 11 bispos, provenientes dos cinco continentes – estão reunidos no Vaticano para discutir sobre este assunto.
Com a reforma litúrgica advinda do Concílio Vaticano II, o latim das celebrações, por exemplo, foi substituído pela língua falada em cada país; o celebrante passou a celebrar voltado para a assembleia, estabelecendo assim um novo tipo de participação ativa e consciente da comunidade, que também passou a acompanhar a celebração através dos folhetos litúrgicos dominicais.
Ao encontrar bispos brasileiro em 1990, o Papa João Paulo II recordava a “alta intensidade espiritual” que viveu no Brasil durante as celebrações litúrgicas, “que constituíam o ponto culminante” de suas visitas. Mas ele também recordou, que “na aplicação da Sacrosanctum Concilium, houve, certamente, deficiências, hesitações e abusos. Mas não se pode negar – disse ele - que, onde as comunidades foram preparadas, com a devida informação e a catequese, os resultados são positivos. Com razão se afirmou na Assembleia extraordinária do Sínodo dos Bispos de 1985 que 'a renovação litúrgica é o fruto mais visível de toda a obra conciliar'."
No programa de hoje deste nosso espaço, padre Gerson Schmidt – que tem nos acompanhado neste percurso da exposição dos documentos conciliares – nos fala sobre o tema “alguns exageros na reforma litúrgica”:
“A reforma da Missa foi uma das partes mais fundamentais da reforma de toda a liturgia, mas ao mesmo tempo, foi a sua parte mais controvertida[1]. A reforma suscita controvérsias até hoje[2]". Passados mais de 50 anos, até que ponto a reforma da liturgia está caminhando corretamente, não sabemos bem o certo.
Tal como aponta Helmut Hoping, professor liturgista da Universidade de Friburgo: “Um movimento mais influente reconhece a reforma litúrgica do Concilio, mas acha necessária “uma reforma da reforma” para corrigir alguns erros concretos na aplicação da reforma e do desenvolvimento litúrgico pós-conciliar”[3].
Outros mais conservadores, querem o retorno à liturgia pré-conciliar, negligenciando os avanços, riqueza e aprimoramentos de caminhada de toda a renovação[4], que como diz Papa Francisco, não pode retroceder[5].
Papa Bento XVI alertava para os exageros litúrgicos, recordando que “em muitos lugares, se celebrava não se atendo de maneira fiel às prescrições do novo Missal, antes consideravam-se como que autorizados ou até obrigados à criatividade, o que levou frequentemente a deformações da Liturgia no limite do suportável”[6].
Houve não poucos exageros. Em relação ao primeiro capítulo da Lumen Gentium que utiliza a imagem da Igreja como Povo de Deus, não poucos intérpretes sustentaram, através de uma eclesiologia unilateral do Povo-Deus (uma eclesiologia a “partir de baixo”) de que a Liturgia tem sentido somente pela imagem da comunidade reunida como ágape e sujeito da liturgia.
“Essa opinião foi chamada de “horizontalismo superficial” na liturgia. Além disso, o missal de 1970, com suas amplas modificações, deu a impressão de a liturgia pudesse inventar-se a si mesma. esta é a posição dos que são favoráveis à reforma da reformas”[7].
Sobre esse horizontalismo, como se a liturgia fosse tão somente um clamor popular, é preciso aqui dizer algo. É sem dúvida, na América Latina, louvável as iniciativas de unir o sofrimento dos povos mais sofredores com o sacrifício redentor de Cristo, celebrado e atualizado na Eucaristia. Traz presente a vida do povo e se mergulha no grande mistério eucarístico.
Mas não podemos cair em exagero de dizer que na Santa Missa tão somente se celebra as lutas e as reivindicações populares, como se o sacramento fosse um espaço de um esforço puramente humano e não um inefável dom de Deus.
Por isso, a Congregação da Doutrina da Fé, em 1984, fazia o seguinte alerta em relação aos exageros litúrgicos nas celebrações populares, expressões da Teologia da Libertação: “Verifica-se ainda a inversão dos símbolos no domínio dos sacramentos. A Eucaristia não é mais entendida na sua verdade de presença sacramental do sacrifício reconciliador e como dom do Corpo e do Sangue de Cristo. Torna-se celebração do povo na sua luta. Por conseguinte, a unidade da Igreja é radicalmente negada. A unidade, a reconciliação, a comunhão no amor não mais são concebidas como um dom que recebemos de Cristo. É a classe histórica dos pobres que, mediante o combate, construirá a unidade. A luta de classes é o caminho desta unidade. A Eucaristia torna-se, deste modo, Eucaristia de classe. Nega-se também, ao mesmo tempo a força triunfante do amor de Deus que nos é dado”[8].
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[1] Helmut Hoping, A Constituição Sacrosanctum Concilium. In: As Constituições do Vaticano II, Ontem e Hoje, org. Geraldo B. Hackmann e Miguel de Salis Amaral, Edições CNBB, 2015, p.120.
[2] idem, p. 132.
[3] ibidem.
[4] ibidem.
[5] Discurso do Papa Francisco na 68ª SEMANA LITÚRGICA NACIONAL, por ocasião do aniversário de 50 anos da Constituição Dogmática Sacrosanctum Concilium, ao grupo de liturgia da Conferência Episcopal da Itália, na Sala Paulo VI.
[6] Carta aos bispos que acompanha o motu proprio SVMMORVM PONTIFICVM, de 7 de julho de 2007.
[7] Helmut Hoping, A Constituição Sacrosanctum Concilium. In: As constituições do Vaticano II, Ontem e Hoje, org. Geraldo B. Hackmann e Miguel de Salis Amaral, Edições CNBB, 2015, p.134.
Desde terça-feira, 12 de fevereiro, até a sexta-feira, 15, está sendo realizada a Assembleia Plenária da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, para tratar da "Formação Litúrgica do Povo de Deus". Nestes dias, os membros do Dicastério vaticano encarregados da promoção e regulamentação da sagrada liturgia - 22 cardeais, 8 arcebispos e 11 bispos, provenientes dos cinco continentes – estão reunidos no Vaticano para discutir sobre este assunto.
Com a reforma litúrgica advinda do Concílio Vaticano II, o latim das celebrações, por exemplo, foi substituído pela língua falada em cada país; o celebrante passou a celebrar voltado para a assembleia, estabelecendo assim um novo tipo de participação ativa e consciente da comunidade, que também passou a acompanhar a celebração através dos folhetos litúrgicos dominicais.
Ao encontrar bispos brasileiro em 1990, o Papa João Paulo II recordava a “alta intensidade espiritual” que viveu no Brasil durante as celebrações litúrgicas, “que constituíam o ponto culminante” de suas visitas. Mas ele também recordou, que “na aplicação da Sacrosanctum Concilium, houve, certamente, deficiências, hesitações e abusos. Mas não se pode negar – disse ele - que, onde as comunidades foram preparadas, com a devida informação e a catequese, os resultados são positivos. Com razão se afirmou na Assembleia extraordinária do Sínodo dos Bispos de 1985 que 'a renovação litúrgica é o fruto mais visível de toda a obra conciliar'."
No programa de hoje deste nosso espaço, padre Gerson Schmidt – que tem nos acompanhado neste percurso da exposição dos documentos conciliares – nos fala sobre o tema “alguns exageros na reforma litúrgica”:
“A reforma da Missa foi uma das partes mais fundamentais da reforma de toda a liturgia, mas ao mesmo tempo, foi a sua parte mais controvertida[1]. A reforma suscita controvérsias até hoje[2]". Passados mais de 50 anos, até que ponto a reforma da liturgia está caminhando corretamente, não sabemos bem o certo.
Tal como aponta Helmut Hoping, professor liturgista da Universidade de Friburgo: “Um movimento mais influente reconhece a reforma litúrgica do Concilio, mas acha necessária “uma reforma da reforma” para corrigir alguns erros concretos na aplicação da reforma e do desenvolvimento litúrgico pós-conciliar”[3].
Outros mais conservadores, querem o retorno à liturgia pré-conciliar, negligenciando os avanços, riqueza e aprimoramentos de caminhada de toda a renovação[4], que como diz Papa Francisco, não pode retroceder[5].
Papa Bento XVI alertava para os exageros litúrgicos, recordando que “em muitos lugares, se celebrava não se atendo de maneira fiel às prescrições do novo Missal, antes consideravam-se como que autorizados ou até obrigados à criatividade, o que levou frequentemente a deformações da Liturgia no limite do suportável”[6].
Houve não poucos exageros. Em relação ao primeiro capítulo da Lumen Gentium que utiliza a imagem da Igreja como Povo de Deus, não poucos intérpretes sustentaram, através de uma eclesiologia unilateral do Povo-Deus (uma eclesiologia a “partir de baixo”) de que a Liturgia tem sentido somente pela imagem da comunidade reunida como ágape e sujeito da liturgia.
“Essa opinião foi chamada de “horizontalismo superficial” na liturgia. Além disso, o missal de 1970, com suas amplas modificações, deu a impressão de a liturgia pudesse inventar-se a si mesma. esta é a posição dos que são favoráveis à reforma da reformas”[7].
Sobre esse horizontalismo, como se a liturgia fosse tão somente um clamor popular, é preciso aqui dizer algo. É sem dúvida, na América Latina, louvável as iniciativas de unir o sofrimento dos povos mais sofredores com o sacrifício redentor de Cristo, celebrado e atualizado na Eucaristia. Traz presente a vida do povo e se mergulha no grande mistério eucarístico.
Mas não podemos cair em exagero de dizer que na Santa Missa tão somente se celebra as lutas e as reivindicações populares, como se o sacramento fosse um espaço de um esforço puramente humano e não um inefável dom de Deus.
Por isso, a Congregação da Doutrina da Fé, em 1984, fazia o seguinte alerta em relação aos exageros litúrgicos nas celebrações populares, expressões da Teologia da Libertação: “Verifica-se ainda a inversão dos símbolos no domínio dos sacramentos. A Eucaristia não é mais entendida na sua verdade de presença sacramental do sacrifício reconciliador e como dom do Corpo e do Sangue de Cristo. Torna-se celebração do povo na sua luta. Por conseguinte, a unidade da Igreja é radicalmente negada. A unidade, a reconciliação, a comunhão no amor não mais são concebidas como um dom que recebemos de Cristo. É a classe histórica dos pobres que, mediante o combate, construirá a unidade. A luta de classes é o caminho desta unidade. A Eucaristia torna-se, deste modo, Eucaristia de classe. Nega-se também, ao mesmo tempo a força triunfante do amor de Deus que nos é dado”[8].
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[1] Helmut Hoping, A Constituição Sacrosanctum Concilium. In: As Constituições do Vaticano II, Ontem e Hoje, org. Geraldo B. Hackmann e Miguel de Salis Amaral, Edições CNBB, 2015, p.120.
[2] idem, p. 132.
[3] ibidem.
[4] ibidem.
[5] Discurso do Papa Francisco na 68ª SEMANA LITÚRGICA NACIONAL, por ocasião do aniversário de 50 anos da Constituição Dogmática Sacrosanctum Concilium, ao grupo de liturgia da Conferência Episcopal da Itália, na Sala Paulo VI.
[6] Carta aos bispos que acompanha o motu proprio SVMMORVM PONTIFICVM, de 7 de julho de 2007.
[7] Helmut Hoping, A Constituição Sacrosanctum Concilium. In: As constituições do Vaticano II, Ontem e Hoje, org. Geraldo B. Hackmann e Miguel de Salis Amaral, Edições CNBB, 2015, p.134.
[8] SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, INSTRUÇÃO SOBRE ALGUNS ASPECTOS DA « TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO, 1984, X,16.
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