Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor: comportai-vos como verdadeiras luzes. Ora, o fruto da luz é bondade, justiça e verdade. Procurai o que é agradável ao Senhor, e não tenhais cumplicidade nas obras infrutíferas das trevas; pelo contrário, condenai-as abertamente. (Ef 5, 8-11)
Entendida em seu sentido literal e natural, é absolutamente
inaceitável por um católico uma passagem da declaração firmada pelo Papa
Francisco, em comum com o líder maometano de Al-Azhar. A respeito, leia
as considerações do Padre David Francisquini publicadas na revista
Catolicismo Nº 820, Abril/2019.
Pergunta — Li nos jornais que o Papa Francisco
assinou em Abu Dhabi uma declaração comum com o Grande Imã da
universidade Al-Azhar, do Egito, onde afirma que “o pluralismo e as
diversidades de religião, de cor, de sexo, de raça e de língua fazem
parte daquele sábio desígnio divino com que Deus criou os seres
humanos”. Conversando com um colega de faculdade, que também ficara
surpreso, ele me disse ter lido na Internet que essa afirmação podia ter
um sentido correto, se interpretada em referência a uma vontade de Deus
– não positiva, mas apenas permissiva — uma vez que Ele colocou no
coração do homem o desejo de conhecê-lo, do qual derivaria a
multiplicidade de religiões. Como a explicação tem aparência de verdade,
mas não me deixou muito convencido, pergunto o que se deve pensar dela,
assim como da declaração assinada pelo Papa. Resposta — Várias pessoas me manifestaram a mesma perplexidade
pelo conteúdo da declaração transcrita pelo consulente. Respondendo a esta
pergunta, poderei esclarecer outros leitores de Catolicismo que tenham
ficado igualmente confundidos. Entendida em seu
sentido literal e natural, é absolutamente inaceitável por um católico essa
passagem da declaração firmada pelo Papa Francisco, em comum com o líder
maometano de Al-Azhar. Ela contradiz não somente a verdade revelada da
unicidade e universalidade salvífica de Nosso Senhor Jesus Cristo e da Igreja
Católica, mas também a simples razão natural. Com efeito, as
dezenas de milhares de religiões existentes no mundo são todas contraditórias
umas com as outras. Muitas dessas, cuja origem é comum, resultaram precisamente
de divergências entre os seus seguidores. Quanto à própria
Pessoa de Deus, as oposições entre as várias religiões são abissais: algumas
dizem que Deus é um Ser pessoal e transcendente, outras afirmam que Ele seria
apenas uma energia imanente; sustentam umas que existe um só Deus, e para
outras haveria uma pluralidade de deuses; afirmam muitas que em Deus há unidade
de substância e trindade de Pessoas, outras consideram isso politeísmo e
idolatria.
Deus não é
relativista, mas a Verdade eterna
Dessa
diversidade de crenças a respeito do próprio Deus nascem numerosas práticas e proibições,
também contraditórias umas com as outras: para alguns, venerar imagens é
piedoso e salutar, enquanto para outros isso é idolatria; para alguns o vinho é
bom e até santo (pois é consagrado na missa), para outros é pecado tomar
álcool; para alguns o matrimônio pode ser estabelecido apenas entre um só homem
e uma só mulher, para outros é lícita a poligamia; para alguns o casamento é
indissolúvel, para outros o divórcio é lícito. As páginas desta
revista seriam insuficientes para enumerar todas as divergências que se
encontram nas principais religiões. Sendo absolutamente contraditórias entre si,
elas não podem ser todas verdadeiras. Ora, se Deus é infinitamente sábio — o
que se deduz facilmente, vendo a perfeição e harmonia de toda a Criação — é contrário
à razão imaginar que Ele tenha criado ou favorecido essas contradições entre as
religiões. Se o fizesse, Deus seria ilógico ou esquizofrênico, no entanto Ele é
a Verdade eterna; ou seria completamente relativista, não se tomando a sério a
Si mesmo, mas isto é absolutamente oposto à sua santidade.
Só uma religião
pode ser verdadeira
Do ponto de
vista da Revelação, é igualmente inaceitável a ideia de uma pluralidade de
religiões, supostamente desejada por Deus. Para prová-lo, basta reproduzir as
seguintes palavras do Papa Pio XI, ao condenar o indiferentismo religioso,
contrário à verdadeira promoção da unidade de religião: “Só uma religião pode ser verdadeira — a que foi revelada
por Deus. Fomos criados por Deus, Criador de todas as coisas, para este fim:
conhecê-Lo e servi-Lo. O nosso Criador possui, portanto, pleno direito de ser
servido. […] No decurso dos tempos, desde os primórdios do gênero humano até
a vinda e a pregação de Jesus Cristo, Ele próprio ensinou ao homem,
naturalmente dotado de razão, os deveres que dele seriam exigidos para com o
Criador: ‘Em muitos lugares e de muitos modos, antigamente, falou Deus aos
nossos pais pelos profetas; ultimamente, nestes dias, falou-nos por seu Filho’
(Heb 1, 1). “Está claro, portanto, que a religião verdadeira não
pode ser outra senão a que se funda na palavra revelada de Deus; começando a
ser feita desde o princípio, essa revelação prosseguiu sob a Lei Antiga, e o
próprio Cristo completou-a sob a Nova Lei. “Portanto, se Deus falou — e pela fé histórica comprova-se
ter Ele realmente falado — não há quem não veja ser dever do homem acreditar,
de modo absoluto, em Deus que se revela, e obedecer integralmente a Deus que
impera. Mas, para a glória de Deus e para a nossa salvação, em relação a uma
coisa e outra o Filho Unigênito de Deus instituiu na Terra a sua Igreja”(Encíclica Mortalium animos, n°
7).
“Fora
da Igreja não há salvação”: Formulada de modo positivo, significa que
toda a salvação vem de Cristo-Cabeça pela Igreja, que é o seu Corpo. […]
É por isso que não se podem salvar aqueles que — não ignorando que
Deus, por Jesus Cristo, fundou a Igreja Católica como necessária — se
recusam a entrar nela ou a nela perseverar.
Que
compatibilidade pode haver entre Cristo e Belial?
Foi em nome
dessas verdades de fé que o Papa Pio XI, nesse mesmo documento, proibiu a
participação de católicos em reuniões onde fossem admitidos “promiscuamente, todos: pagãos de todas as
espécies, fiéis de Cristo, os que infelizmente se afastaram de Cristo e os que,
obstinada e pertinazmente, contradizem a sua natureza divina e a sua missão”.
O mencionado Papa diz que tais assembleias são reprováveis, pois “se fundamentamna falsa opinião dos que julgam que todas as religiões são, mais ou
menos, boas e louváveis, pois manifestam e significam, embora de maneira
diferente, aquele sentido inato e natural pelo qual somos levados para Deus e
reconhecemos obsequiosamente o seu império” (idem, n° 3). Precisamente
essa é a falsa opinião subscrita pelo Papa Francisco no documento de Abu Dhabi,
subentendida na frase “o pluralismo e as
diversidades de religião, de cor, de sexo, de raça e de língua fazem parte
daquele sábio desígnio divino com que Deus criou os seres humanos”. Como vimos
acima, não se pode afirmar de maneira alguma que a diversidade de religiões
seja desejável, posto que ela é, de um lado, fruto do pecado e da malícia dos
homens; e de outro lado ela é o resultado da ação de Satanás. Por esse motivo o
Salmo 95 afirma que “os deuses dos pagãos
são demônios”; e São Paulo pergunta na Segunda Epístola aos Coríntios: “Que compatibilidade pode haver entre Cristo
e Belial?” (6, 15). Belial é a personificação bíblica do mal e dos ídolos
do paganismo.
Creio na Igreja,
una, santa, católica e apostólica
Em relação à
outra pergunta do missivista, respondemos que não é razoável interpretar
benignamente essa frase, como significando que Deus tolera as falsas religiões,
da mesma forma como o semeador da parábola tolera até a colheita o joio
colocado pelo inimigo. O texto subscrito pelo Papa Francisco inclui numa mesma
frase coisas boas e desejadas por Deus — sexo,
cor, raça e linguagem — e também o pluralismo e a diversidade das religiões,
como se estas fossem também coisas boas e desejadas por Deus. Algumas diversidades
foram positivamente desejadas por Deus. Por exemplo, a diversidade de sexo,
mencionada no próprio relato da Bíblia sobre a criação do mundo como tendo sido
criada e desejada por Deus: “Deus criou o
homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher” (Gn.
1, 27). A “confusão das
línguas” foi o resultado de um castigo de Deus, pelo fato de os homens quererem
construir uma torre (Babel) que chegasse até o Céu. Ainda assim, ela foi
positivamente desejada e causada por Deus, sendo em si mesma uma coisa boa. A diversidade de
cor e de raças é também, evidentemente, boa em si mesma. Ao colocar a
diversidade de religiões junto com essas outras diversidades boas em si mesmas,
positivamente desejadas pelo Criador, o texto só poderia ser interpretado como
sendo querida também por Deus a diversidade das religiões, como um bem para a
humanidade. A contraprova de que esse seja o sentido natural do texto é que
ninguém teria a ideia rústica de juntar numa mesma frase os desígnios positivos
e os desígnios apenas permissivos de Deus (aquilo que Ele não deseja, mas tolera)
e escrever, por exemplo: A diversidade de
raças e o extermínio dos judeus em Auschwitz ‘fazem parte daquele sábio
desígnio divino com que Deus criou os seres humanos’… Posto que o
sentido natural do texto é mesmo de que as diversidades de religiões fariam
parte de um desígnio divino positivo, devemos desejar que o Papa Francisco faça
uma retratação desse documento conjunto e professe de modo inequívoco sua fé no
nono artigo do Credo: “Creio na Igreja,
una, santa, católica e apostólica”, incluindo na sua profissão aquilo que o
Catecismo da Igreja Católica ensina sobre a sentença “Fora da Igreja não há salvação”, tantas vezes repetida pelos
Santos e Padres da Igreja:“Formulada de
modo positivo, significa que toda a salvação vem de Cristo-Cabeça pela Igreja,
que é o seu Corpo. […] É por isso que não se podem salvar aqueles que — não
ignorando que Deus, por Jesus Cristo, fundou a Igreja Católica como
necessária — se recusam a entrar nela ou a nela perseverar” (n° 846).
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