quarta-feira, 25 de outubro de 2023

O que era, na realidade, o cargo de “advogado do diabo”?

Papel que alguns podem achar um tanto controverso, o "advogado do diabo" era, na verdade, um promotor da fé. Mas como?

Praça de São Pedro no Vaticano
Praça de São Pedro no Vaticano

 

Por Daniel R. Esparza  

 

 

O popularmente chamado de “advogado do diabo” (ou advocatus diaboli, em latim) era também chamado, no Vaticano, de promotor fidei, ou seja, “promotor da fé”. Mas como assim, se o apelido parece evocar justamente o contrário disso, recordando rituais sinistros?

De fato, o promotor da fé não tem nada a ver com o diabo. Trata-se de um cargo que durou séculos dentro da Igreja Católica e ao qual cabiam as responsabilidades de examinar com tamanha rigidez o processo de canonização dos santos a ponto de “desafiar” os candidatos com argumentos contrários. O propósito era garantir que a Igreja só reconhecesse como santos aqueles indivíduos cujas vidas e obras fossem comprovadamente dignas de serem louvadas como exemplos de fidelidade à graça de Deus (cf. Catecismo, 828). Neste sentido, e somente neste sentido, o promotor fidei tinha a dura missão de levantar objeções contra os candidatos à canonização, forçando os defensores da causa a comprovarem a sua vida santa. Veio daí, popularmente, o apelido de “advogado do diabo”.

Sistema do Papa Sisto V

O cargo oficial de “advogado do diabo” no Vaticano remonta ao século XVI, quando o Papa Sisto V estabeleceu a Congregação dos Ritos, hoje Dicastério para as Causas dos Santos. Seu objetivo principal era criar um processo rigoroso para as canonizações, mesmo que as causas tivessem de levar muitos anos ou até séculos até serem devidamente concluídas. Este sistema foi concebido para evitar canonizações precipitadas ou injustificadas, já que exigia um minucioso exame crítico da vida de cada candidato, bem como dos milagres a ele atribuídos. Tal sistema incluía, conforme explicado acima, a pesquisa e a compilação de argumentos contra o candidato.

Por razões óbvias, o “advogado do diabo” seria muitas vezes um canonista, ou seja, um especialista com significativos conhecimentos sobre o sistema jurídico da Igreja Católica. Este advogado tem a tarefa ímpar de desempenhar o papel do cético durante o processo de canonização, analisando todas as provas apresentadas a favor da alegada santidade do candidato, assim como os seus escritos e atos, em busca de quaisquer potenciais falhas ou contradições.

Era natural que, cedo ou tarde, este papel ganhasse do povo o sinistro apelido que ganhou, muito embora o seu propósito fosse precisamente o de evitar fraudes ou erros nas canonizações.

Um apelido imerecido

Um bom promotor da fé ajuda a Igreja a ser cuidadosa o suficiente para não elevar aos altares quem não tivesse vivido realmente de modo santo.

Em 1983, o Papa São João Paulo II fez várias e significativas mudanças no processo de canonização, uma das quais foi a “remoção” do cargo de “advogado do diabo”. A razão considerada foi que essa posição, devido ao seu papel excessivamente crítico, havia acabado por gerar um enorme acúmulo de casos, retardando, em muito, o reconhecimento de candidatos que eram realmente dignos da proclamação de santidade.

Como resultado, o papel do “advogado do diabo” foi redefinido. A Igreja recorre hoje a um promotor da causa, que apresenta argumentos tanto a favor como contra o candidato. O processo continua sendo exaustivo e envolve o levantamento de provas históricas e testemunhais, exames médicos sobre alegados milagres e uma completa avaliação teológica e filosófica dos escritos do candidato, caso existam.

Em casos de controvérsia, e sempre que necessário, o Vaticano ainda pode solicitar o testemunho gratuito de críticos de qualquer candidato à canonização.

 

Fonte -  aleteia

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