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A cópia mais antiga sobrevivente do Credo Niceno, século VI [Biblioteca John Rylands, Universidade de Manchester, Inglaterra] |
No Advento de 2011, as comunidades católicas de língua inglesa começaram a rezar o Missal renovado após quase quatro décadas de uso de uma tradução que havia diluído expressões teológicas essenciais. A instrução da Santa Sé foi clara: o "um em Ser com o Pai" precisava ser removido para dar lugar ao mais preciso consubstancial com o Pai, uma tradução fiel do consubstantialem Patri do Credo Niceno-Constantinopolitano.
O princípio que norteou essa reforma não foi um capricho linguístico, mas a exigência de fidelidade estabelecida pela instrução Liturgiam authenticam, promulgada em 2001 pela Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos.
A Clareza de Liturgiam Authenticam
O documento, ainda em vigor, estabeleceu uma mudança de direção em relação ao estilo livre das traduções anteriores. O n.º 20 afirma:
“A tradução de textos litúrgicos não é um trabalho criativo, mas sim uma transmissão fiel. O texto traduzido deve expressar com precisão o conteúdo do texto original, sem omitir ou acrescentar nada, nem introduzir paráfrases ou glosas. Em particular, os termos de importância doutrinal devem ser traduzidos com a maior fidelidade e exatidão” (Liturgiam Authenticam, 20).
E no n.º 56:
“Os termos próprios da tradição doutrinal da Igreja devem ser preservados tal como estão, mesmo que a sua compreensão exija uma catequese adequada. Não cabe ao tradutor diluir a sua força.”
Ou seja: a tradução não deve adaptar-se à suposta “compreensão imediata” dos fiéis, mas sim transmitir plenamente o que a Igreja professa.
O Caso do Espanhol: “da Mesma Natureza”
Na versão oficial em espanhol, o Credo diz:
“Gerado, não criado, da mesma natureza que o Pai.”
Embora não seja errônea, a expressão é ambígua. Consubstancialem traduz o grego homoousios, um termo dogmático definido em Nicéia para salvaguardar a plena divindade de Cristo contra o arianismo. Dizer "da mesma natureza" pode soar correto em termos filosóficos, mas não reflete com a mesma força que Cristo é da mesma substância, isto é, que Ele compartilha o mesmo ser divino que o Pai.
Esta não é uma nuance menor: os Padres Conciliares discutiram e sofreram por causa dessa palavra. Hoje, substituí-la por uma expressão mais branda representa uma perda de precisão teológica e de continuidade com a tradição.
O precedente de pro multis
Algo semelhante já havia ocorrido com as palavras da consagração. Durante décadas, pro multis foi traduzido como "por todos os homens". A Santa Sé interveio e ordenou a correção para "por muitos", explicando que:
O texto deveria ser fiel às palavras de Jesus nos Evangelhos.
A tradução deveria evitar interpretações teológicas reducionistas.
Após a resistência inicial, a correção foi implementada. Ela serviu como um lembrete de que a liturgia não é um campo para a criatividade subjetiva, mas a oração oficial da Igreja.
O Procedimento para a Alteração
Quem teria autoridade para introduzir "consubstancial" no Credo Espanhol?
- As Conferências Episcopais de Língua Espanhola são responsáveis por preparar e aprovar a tradução comum do Missal.
- Esta proposta deve ser enviada a Roma para confirmação pelo Dicastério para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos.
- Embora as conferências tenham recebido maior autonomia após o Magnum Principium (2017), pontos doutrinários fundamentais — como o consubstancialem — ainda precisam de revisão e confirmação pela Santa Sé.
Em outras palavras: a iniciativa deve partir dos bispos de língua espanhola, mas a aprovação final cabe a Roma.
Uma questão pastoral?
O argumento mais repetido contra a introdução de "consubstancial" é pastoral: "os fiéis não entendem a palavra". Mas a instrução do Vaticano já respondeu a essa objeção: a solução não é diluir o texto, mas acompanhá-lo com catequese.
Se gerações inteiras foram catequizadas com termos como "transubstanciação" ou "imaculada concepção", que dificuldade intransponível "consubstancial" pode apresentar?
Conclusão
Em 2011, o mundo anglófono deu um passo corajoso: abandonou o confortável "um em Ser" para recuperar o dogmático e preciso "consubstancial". Em espanhol, ainda estamos presos ao ambíguo "da mesma natureza".
A questão é simples: se Roma corrigiu o inglês em 2011 e o pro multis em todas as línguas, não chegou a hora de aplicar o mesmo critério em espanhol? A fidelidade doutrinária exige isso, a Liturgiam authenticam exige isso, e os fiéis têm o direito de professar a fé nicena com as mesmas palavras que salvaram a Igreja do arianismo: Cristo é, verdadeiramente, consubstancial ao Pai.
Seria uma boa maneira de celebrar o aniversário de Niceia.
Fonte - infovaticana
Nota do jbpsverdade: No Brasil ainda se utiliza "por todos" no momento da consagração, ao invés de "por muitos", que é o correto de acordo com as Palavras de Jesus no Evangelho!
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