Por Manuel Ocampo Ponce
Em seu livro intitulado "A Cidade de Deus", Santo Agostinho nos alerta para o fato de que existem cidadãos da cidade do mundo que se infiltraram na Igreja. São falsos cristãos que atacam o mistério da Encarnação. Um mistério de iniquidade que se esforça para destruir a ordem da graça e exerce imenso poder dentro da Igreja. É como um abismo de trevas que luta dentro de cada indivíduo.
O problema é que esses inimigos de Cristo e da Igreja odeiam essencialmente a Igreja e os predestinados da Cidade de Deus. Assim, seu objetivo é destruir o mundo da graça, criando uma grande tragédia para cada indivíduo. Portanto, é vital compreender a importância da ordem da graça. Cristãos sem graça carregam consigo o mistério da iniquidade, corroendo o Corpo Místico de Cristo por dentro. A esse respeito, São Paulo afirma em sua Segunda Carta aos Tessalonicenses (2 Ts 2:7) que o mistério da iniquidade, que consiste na apostasia geral, já está em ação. E, seguindo São Paulo, Santo Agostinho se refere aos ímpios e hipócritas na Igreja, dizendo que eles se tornarão tão numerosos que constituirão um verdadeiro povo do Anticristo. [1]
O problema que Santo Agostinho aponta é que a imagem desses falsos cristãos é um disfarce ou pretensão que engana a todos, porque fingem professar a fé, mas vivem de forma infiel, fingindo o que realmente não são. Dizem que são cristãos porque aparentam sê-lo, mas na realidade pertencem à besta. Este é o joio que será colhido da Igreja no fim dos tempos. Vejamos as palavras exatas de Santo Agostinho sobre este assunto: "E a sua imagem, na minha opinião, é o disfarce ou pretensão de pessoas que fingem professar a fé e vivem de forma infiel, porque fingem ser o que realmente não são, e se autodenominam, não com verdadeira propriedade, mas com uma aparência falsa e enganosa, cristãos. Pois a esta mesma besta pertencem não apenas os inimigos do nome de Cristo e da sua cidade gloriosa, mas também o joio que deve ser colhido do seu reino, que é a Igreja, na consumação dos séculos." [2]
Mas se isso não bastasse, o grande mal não termina aí, mas há também cristãos justos e verdadeiros que são expulsos da congregação cristã devido à ação dos ímpios que se disfarçam de cristãos dentro da Igreja. [3] O sofrimento desses cristãos é muito grande porque suas almas estão dilaceradas. Eles vivem uma autêntica crucificação dentro da Igreja de Cristo, mas no fundo recebem a paz de Deus que é o amor de Deus. Portanto, é muito importante lembrar que a visão de Deus não é como a dos homens que se limita ao externo, mas Deus vê em segredo, na parte mais oculta do homem. E é que aqueles que pertencem à besta buscam a paz do mundo que consiste no amor a si mesmo. Assim é que os membros da cidade de Deus e os membros da cidade do mundo vivem divididos entre aqueles que aspiram à paz de Deus e aqueles que aspiram à paz do mundo.
A paz dos filhos de Deus, que é a paz interior de que fala Santo Agostinho [4], consiste na ordem estabelecida pelo próprio Deus, na qual o menos perfeito deve ser ordenado ao mais perfeito e, portanto, em última análise, à própria Verdade que é a Sabedoria do Pai, isto é, a Cristo. Leiamos as palavras de Santo Agostinho: “A paz do corpo é a conformidade e a concórdia ordenadas das partes intelectuais e ativas. A paz do corpo e da alma, a vida e a saúde metódicas dos vivos. A paz do homem mortal e do Deus imortal, a obediência concordante na fé, sob a lei eterna. A paz dos homens, a concórdia ordenada. A paz da casa, a uniformidade ordenada que aqueles que vivem juntos têm em mandar e obedecer. A paz da cidade, a concórdia ordenada que os cidadãos e os vizinhos têm em ordenar e obedecer. A paz da cidade celeste na sociedade mais ordenada e mais conformada estabelecida para desfrutar de Deus, e uns dos outros em Deus. A paz de todas as coisas, a tranquilidade da ordem e da ordem nada mais é do que um arranjo de coisas iguais e desiguais, que dá a cada uma o seu devido lugar.” [5]
Os membros da Cidade de Deus que ainda estão em peregrinação neste mundo desfrutam de uma certa paz interior, ansiando pela paz da cidade celestial onde tudo será ordenado. No entanto, deve ser esclarecido aqui que existe uma paz temporal aqui na Terra, que é comum aos cidadãos de ambas as cidades (a de Deus e a do mundo). A paz terrena é encontrada na ordem da paz de Deus. A diferença reside em que os cidadãos da Cidade de Deus veem a paz temporal como um meio para a paz que transcende este mundo. Em contraste, os cidadãos da cidade do mundo tendem para a paz do mundo, concebendo-a como seu fim absoluto, de modo que direcionam tudo para a paz do mundo. [6] Portanto, é muito importante enfatizar aqui que os cidadãos da Cidade de Deus que estão no mundo devem se submeter às leis da cidade, mas somente enquanto essas leis não forem contrárias à paz de Deus.
[1] Cf. Santo Agostinho. De Civ. Dei. 20,19,3, col.686.
[2] Santo Agostinho. De Civ. Dei , 20,9,3, col. 674.
[3] Cfr . Santo Agostinho. De Vera Relig , 6,10.
[4] Santo Agostinho. De Sermone Domini in monte , I,2,9.
[5] Santo Agostinho. De Civ. Dei ., 19,13,1, col.640.
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