quarta-feira, 20 de abril de 2011

Bula de Paulo IV – Cum ex apostolatus

keys
A BULA CUM EX APOSTOLATUS
DO PAPA PAULO IV
SOBRE AUTORIDADES HERÉTICAS
“Nenhum outro pecado é maior nem mais pernicioso na Igreja de Deus”
Papa Paulo IV
“In domum domini ibimus”(1)
Aos leitores católicos
Neste trabalho nos propusemos a repetir o Magistério da Igreja, interpretar os textos por meio de outros contextos do mesmo Magistério, seguindo aos maiores teólogos da Igreja. Como pensamos que neste momento da história da Igreja não existe autoridade ortodoxa com poderes jurisdicionais ordinários para autorizar este trabalho, desde já nos submetemos inteiramente à autoridade que venha a existir em um futuro próximo, como estabelece o *7 da mesma bula aqui analisada. Na parte histórica sobre Paulo IV e a Bula, temos contado com a valiosa colaboração de Araí Daniele, que muito se esforçou na publicação deste trabalho em várias línguas.
HOMERO JOHAS
DISPOSIÇÃO DAS MATÉRIAS
0 - Introdução
0.1- Atualidade da Bula de Paulo IV
0.2- Breves informações sobre Paulo IV
0.3- Promulgação da Bula
0.4- Texto, tradução e comentários
Tradução da Bula Cum ex Apostolatus
Comentários sobre os principais pontos doutrinais da bula
Exórdio: A unidade da Fé na Igreja.
1- Até o Romano pontífice pode desviar-se da Fé
2- O delito de heresia e as penas eclesiásticas
3- A definição da vacância por heresia
4- O dever de por fim à vacância
5- O delito de favorecer a heresia
6- A nulidade da eleição de um hereje
7- O desvio da obediência e o aleijamento físico do hereje
8- A perenidade da Bula
9- A publicação solene da Bula
10-A responsabilidade moral dos fiéis
Conclusão
Laus et gloria Deo nostro(2)
0 -Introdução
0-1-Atualidade da Bula de Paulo IV
Vivemos tempos de tormentos, nos quais se afirma que o fumo de satanás entrou na Igreja de Deus, e que existe uma autodemolição da igreja. O fluxo de herejes é livre, sem que aqueles que dizem possuir o poder jurisdicional ordinário para reger a Igreja reprimam aos desviados e contumazes com penas salutares coagindo-os a distanciar-se do rebanho de Cristo (DS 2605). Bem, esta Bula Cum ex Apostolatus oficio é da época do Tridentino, quando a heresia protestante avassalava multidões; por meio desta, Paulo IV tinha a intenção de impedir que os desviados da Fé levassem aos fiéis pelo terrível caminho da contaminação dos que ocupavam cargos de jurisdição, principalmente na Igreja. A Bula tem hoje, portanto, enorme atualidade e constitui um poderoso instrumento de ação nas mãos dos fiéis. Por isso é oportuno traduzi-la, publicá-la, estudá-la e comentá-la de modo completo, pois, como é óbvio, os que se desviam da Fé estão sumamente interessados em traduções tendenciosas e interpretações que favoreçam a permanência de herejes públicos e notórios no governo dos fiéis. Tais comentários tendenciosos se repetem também sobre o cânon 188, 4, do Código de Direito Canônico de 1917, que é uma repetição da doutrina, definição e norma desta Bula. Em vinte séculos de Magistério, a Bula não é o primeiro nem o último documento do Magistério sobre esta matéria; todavia, é um monumento que sobressai entre os demais, um baluarte inamovível para a defesa da Fé cristã. Sua parte central é a definição da vacância ipso facto (3) de todo e qualquer cargo jurisdicional eclesiástico pelo delito formal de heresia pública. É uma definição que transcende o direito positivo humano, que reitera o Direito Divino e que portanto se estende também ao próprio cargo papal no que a jurisdição é outorgada jure divino (4). Diminuem e alteram o credo católico os que erguem contra a definição de vacância aqui proferida por Paulo IV, os que a omitem agindo como se não existisse, os que a subtraem do patrimônio doutrinário legado pela antiguidade cristã.
Que esta página solene e grave o Magistério supremo da Mãe e Mestra infalível da verdade ilumine em nossos dias as almas de boa vontade e contribua a “capturar as raposas que trabalham para destruir a vinha do Senhor e apartar aos lobos das ovelhas” (1.5)
0.2- Breves informações sobre Paulo IV (1555-1559)
Giovani Pietro Carafa, sobrinho do cardeal Oliviero Carafa, nasceu em 28 de junho de 1476, de família dos condes Maddaloni de Nápoles. Recebeu esmerada educação em Roma, junto ao seu tio, chegando a ser um profundo conhecedor de latim, grego e hebraico, estabelecendo correspondência com notórios pensadores da época entre os quais se encontrava Erasmo, que veio em seu auxílio na tradução latina da Sagrada Escritura a partir dos originais hebraicos e gregos. Vivendo em uma época de acentuadamente mundana na corte de Alexandre VI onde serviu como camareiro durante a época de seus estudos, foi sempre respeitado pela retidão de seu caráter demonstrada em uma vida elevada e austera, assim como também pela sua grande cultura.
Sua notável formação em letras, teologia e direito, assim como sua eloqüência ciceroniana, lhe abriram o caminho a todos os graus da hierarquia. Converteu-se em um experimentado advogado, conselheiro de vários papas e núncio apostólico na Espanha e Inglaterra. Consagrado bispo de Chieti (Theate em Latim), Giovani Pietro Carafa foi viver e trabalhar em sua diocese, o que para a época era um exemplo edificante. Clemente VII o autorizou depois a renunciar ao cargo diocesano para fundar, junto com Gaetano Thiene, a ordem dos Teatinos, cuja finalidade era a de lutar contra as heresias tanto pela pregação, como pela simplicidade de vida. Em 1536, Paulo III o elevou à dignidade de cardeal arcebispo de Nápoles e o fez membro da Comissão para a Reforma da Igreja. Não tendo êxito a tentativa feita por Gaspare Contarini em Regensburg, no ano 1541, para reconciliar aos protestantes com a Igreja, o cardeal Carafa tomou em Nápoles medidas eficazes contra a heresia: reativou a Inquisição e em 1543 estabeleceu a censura. Em 1550, Julio III o nomeou como um dos grandes inquisidores do Santo Ofício e, em 1553, dado que o Papa o queria mais perto de Roma, foi nomeado cardeal arcebispo de Ostia.
O cardeal Carafa foi conhecido como inimigo do falso humanismo que, a partir do paganismo, inspirou o Renascimento naturalista e que contribuiu para a insubmissão protestante. Seus adversários o acusaram de “zelo excessivo”. No conclave de 1555, à sucessão de Marcelo II, em meio a dificuldades e divisões entre os eleitores, o cardeal Farnese disse: “Elejamos, pois a Carafa: o santo e venerado senhor do Colégio Cardinalício é digno do papado”. Tinha então 79 anos. Diante de sua impopularidade ante os franceses e da oposição ao seu nome por parte do partido espanhol-imperial, fiel a Carlos V, sua eleição parecia impossível. Na História dos Papas, Von pastor escreveu: “O autor da História dos Conclaves somente pôde explicar isto como um milagre, um dos milagres dos conclaves, pelos quais Deus verdadeiramente faz os papas”. Eleito papa em 23 de maio de 1555, tomou o nome de Paulo IV.
Foi um papa tridentino, compromissado com Deus e sua Igreja: o objetivo principal do seu pontificado foi a luta contra as heresias e uma verdadeira reforma da Igreja, começando pelo modo de vida mundano da corte papal. Renovou o Colégio Cardinalício, combateu a simonia, impulsionou aos bispos a obrigação de residência nas dioceses, disciplinou aos religiosos vagos, melhorou as escolas de teologia, restabeleceu a disciplina monástica, reativou a Inquisição, fez retirar as pinturas imodestas das igrejas romanas, incrementou o culto divino e a devoção eucarística. Denunciou como ilícita a Paz de Ausburgo que se fundava em um compromisso imoral que comprometia a verdadeira liberdade da Religião Católica. Preferiu combater as heresias através das comissões ou congregações romanas sob que estavam sob sua direção, até que chegasse o momento adequado para reativar o Concílio de Trento, suspendido em 1552.
Morreu santamente cantando o Salmo 121: In domum Domini ibimus. Suas reformas preservaram a pureza da Fé e do culto, razão lhe seguiu um período de pontífices virtuosos. Mostrou-se tão santo e culto, que São Pio V, seu contemporâneo e sucessor, quis iniciar o processo para sua canonização e em sinal de sua veneração para com ele usava seus hábitos e ornamentos. “Deve-se a Paulo IV tudo quanto de Fé, Religião e Culto divino permanece na Igreja”, escreveram os cardeais Saviati e Arigone. O historiador Giambattista Gastaldo escreveu sobre ele: “Alguém chamou a Paulo IV o grande (…), eminente por sua cultura e famoso por seu zelo em relação à santa Fé Católica. Foi considerado um santo na cátedra de Pedro”.“Castigador sem mácula se todo o mal e acérrimo campeão da Fé Católica” é o epitáfio gravado em seu mausoléu.
0.3- A promulgação da Bula
A Bula data do último ao de vida de Paulo IV, 1559. Os inimigos do papa a atribuíram a razões ocultas contra pessoas nas quais ele não confiava, como o influente cardeal Giovani Moroni, a quem mandou prender por suspeita de heresia. Temendo uma invasão da Igreja nos seus postos chaves, por parte de cripto-heréticos, Paulo IV era lento em fazer nomeações para os cargos episcopais vacantes. Não ocultava que julgava seu dever o tomar severas medidas diante da situação bastante grave e confusa de sua época. Tais razões foram expostas em diversos atos seus, como o Index Librorum Prohibitorum (5) e a Bula Cum secundum Apostolum (6) de 16 de dezembro de 1558, como penas severas contra cardeais incursos em simonia ou em convênios políticos para conquistar a Tiara.
No é de admirar, pois, o ódio e as calunias suscitadas pelos inimigos da Fé contra este papa intrépido e contra alguns de seus atos, como a Bula que agora traduzimos. Faz-se um processo contra seu zelo e sobre suas intenções ocultas, aduzindo a dois exemplos: O cardeal Moroni havia sido encarregado e incriminado por ele, sem provas, já que, depois de sua morte, foi liberado e participou do conclave para a eleição de um novo papa, até como candidato. E o cardeal Pole, inglês, atacado pelo cardeal Carafa no conclave de 1549 por sua inclinação às doutrinas protestantes sobre justificação, e que por apenas um voto não foi eleito papa em 1557, foi acusado ante a Inquisição e deposto do cargo de legado papal. O processo contra ele terminou em 1558 por causa de sua morte.
A acusação estes cardeais era de simpatia para com os protestantes, e, em conseqüência, de conduta política ambígua. Em 1540, Pole se estabeleceu em Viterbo e ao redor dele, do cardeal Moroni e de Vittoria Colona se reuniu o grupo de protestantes espirituais que, com doutrina equívoca, esperava uma conciliação com os protestantes em matéria de Fé. Estavam inclinados a aceitar a doutrina luterana da justificação só pela Fé fiducial, chegando a acolher a doutrina da dupla justiça, rechaçada depois pelo Concílio de Trento. Difundiam um pequeno tratado herético sobre o Benefício de Cristo, depois condenado.
O perigo destas correntes se revelou naqueles anos com a defecção o austero pregador Occhino, ex-vigário geral da ordem dos capuchinhos e do cônego Vermighi, mestre e pregador: ambos passaram ao protestantismo. No se provou que Moroni e Pole aderissem à heresia, mas correspondia a eles e não aos outros, remover as suspeitas sobre eles mesmos e proclamar de modo inequívoco a Fé Católica. Eram propensos a uma “abertura” doutrinal e estando próximos a serem eleitos para o Supremo Pontificado, constituíam um perigo enorme para a Fé. No conclave de 1566, Moroni todavia era uma ameaça, pelo que o cardeal Ghislieri, futuro São Pio V, depois de ser providencialmente eleito, recordou que seria nula a eleição de um hereje. “Mais tarde confessou que aceitou sua eleição porque de outro modo, com seguro detrimento para a Igreja, ela poderia talvez ter caído sbre Moroni” (Pastor, ibidem).
Pelo contexto histórico e por outros termos da Bula, se vê que Paulo IV intentou defender a Igreja não somente da heresia aberta do protestantismo, mas, também, dos compromissos ocultos com a heresia, o que é mais danoso, pois estende a doutrina da Fé à tolerância e fraternidade também devida aos errantes e abre o caminho aos heterodoxos para a ocupação dois mais altos cargos da jurisdição ordinária na Igreja, ocupação nula, mas de fato danosa.
O incansável zelo de Paulo IV foi seguido igualmente por Pio V, que, apenas eleito, em 1566, através do motu próprio Inter Mulitiplices (7), confirmou a Bula Cum ex Apostolatus Officio (8) neste termos: “Aderindo Nós à Constituição de Paulo IV contra os herejes e cismáticos (…), pelo teor das presentes letras, as confirmamos e renovamos e queremos e mandamos que (…) seja inviolavelmente (inviolabiliter) observada ao pé da letra (ad unquem)”. Como Paulo IV, também Pio V revigorou a Inquisição, que condenou o racionalismo de Lélio e Fausto Socini e considerou como herejes contumazes a Pietro Carnesechi, do grupo de Viterbo, e ao humanista Aonio Paleario, ademais de condenar a Michel du Bay (Baius), cujas doutrinas constituem uma transição entre Lutero e Jansenio.
0.4- Texto, Tradução e Comentários
Traduzimos a Bula de Paulo IV a partir do texto latino do Bullarium de Carlos Cocquelines, Roma (1739-1762), republicado em Buenos Aires pelo lefebvrista Pe. Ceriani, em 1990. O Diccionário de Teologia Católica disse de Cocquelines: é uma “excelente edição, feita com cuidado sobre os originais conservados em arquivos secretos no Vaticano” (Bulario). O texto sem embargo tem algumas pequenas diferenças se comparado a outros. Assim, em 0.3, traz scientius (9), no entanto, o Magnum Bullarium Romanum de Ângelo Maria Cherubini (Lyon, 1655), põe ali licentius (10). Os títulos dos parágrafos da Bula parecem ser de colocação posterior aos originais e um indício disso é que não coincidem sempre com o termino dos períodos gramaticais. No texto de Cocquelines, assim, encontramos o título do *7 antes do termino do período gramatical anterior colocado no *6. Outros textos, como o do cardeal Gasparri: Codicis Júris Canonicis Fontes (Romae, 1917, Typis poliglotis Vaticanis) não coloca este título: Subditis que eorum liceat ab oboedientia et devotione impune recedere (Cocquelines), antes do termino do período anterior. Por parecer-nos mais conforme ao sentido os contextos seguimos estas duas alterações de Cocquelines: a de licentius (11) e a da colocação do título do *7 depois do termino do período antecedente.
Na tradução tratamos de obter a máxima fidelidade ao sentido dos termos e proposições e para isso nos esforçamos em evitar perífrases e circunlóquios, buscando manter, em tudo possível, na língua neo-latina, os termos semelhantes aos da língua mãe, cujo sentido não alterou a semântica. Para muitos a tradução da Bula parece obra difícil pela grande extensão dos períodos no original latino: por essa dificuldade as traduções às vezes não são fiéis ao sentido original. Outros desfiguram as traduções seja por ignorância do latim ou por exegese tendenciosa.
Não temos a intenção de comentar verbum ad verbum (12) os textos da Bula nem de falar de todas as regras jurídicas às quais de refere a mesma. Nossa principal finalidade é a de destacar a parte doutrinal conexa às partes jurídicas, mostrar a relação entre a Bula e a Tradição, a Bula e o Código de 1917, o Direito Divino reiterado pelo humano e por distinguir o meramente humano do divino. Longe de nós está pretender vincular uma página do Magistério Supremo da igreja, lições infalíveis, a intenções ocultas, flutuações psicológicas humanas, a zelo desordenado. Os que não conseguem destruir a verdade doutrinal infalível se esforçam solapada e traiçoeiramente em atacar as qualidades humanas de quem atuou revestido com o carisma divino da infalibilidade.
O documento tem dupla natureza (doutrinal e canônica), ambas vinculadas pelo mesmo fim: “expulsar do redil de Cristo aos que (…) apoiando-se com maior licença em sua própria prudência, se sublevam (…) contra a disciplina da Fé ortodoxa e pervertem a inteligência das Sagradas Escrituras”. A Bula, baseada em termos jurídicos, exige, para ser entendida, o conhecimento da definição dos mesmos e das regras às que se referem seja no direito civil, seja no eclesiástico.
Deixamos pois esses termos e conservamos assim mesmo a forma original dos largos períodos, o que, a nosso modo de ver, não somente não impede, mas facilita a compreensão do texto original e da conexão entre suas partes. Para melhor compreensão e separação das partes, damos títulos novos aos parágrafos já encontrados no texto latino, mesmo que, como dissemos, o termino de um parágrafo e começo de outro seja divergente entre as distintas edições. Também numeramos as partes internas de cada parágrafo, o que facilita as referências. A tradução foi feita ad amussim e a exegese é para principalmente elucidar as normas divinas e eclesiásticas sobre a aparição de um papa ou de bispos heréticos, preocupação central de Paulo IV.
——————————————————————————————
  1. Iremos à casa do Senhor.
  2. Louvor e gloria ao nosso Deus
  3. Pelo mesmo ato.
  4. Pelo direito divino
  5. Índice de livros proibidos
  6. Segundo os apóstolos
  7. Entre muitos
  8. A causa do ofício do apostolado.
  9. Sabido
  10. Permitido
  11. Permitido
  12. Palavra por palavra
CUM EX APOSTOLATUS OFFICIO
PAULO IV
Bula sobre a perda de jurisdição dos hereges e dos cismáticos.
De 15 de fevereiro de 1.559.
EXÓRDIO
O Papa tem o dever de impedir o magistério do erro.
Dado que por nosso Ofício Apostólico, divinamente confiado a Nós, ainda que sem mérito algum de nossa parte, Nos compete um cuidado sem limites do rebanho do Senhor; e consequentemente, a maneira de Pastor que vela, em benefício de sua grei e de sua salutar condução, estamos obrigados a uma assídua vigilância e a procurar com particular atenção que sejam excluídos do rebanho de Cristo aqueles que em nossos tempos, seja já pelo número predominante de seus pecados ou por confiar com excessiva liberalidade em sua própria capacidade, se levantam contra a disciplina e a verdadeira Fé de um modo realmente perverso, e transtornam com malévolos recursos e totalmente inadequados a compreensão das Sagradas Escrituras, com o propósito de atingir a unidade da Igreja Católica e a túnica inconsútil do Senhor, e para que não prossigam no ensino do erro, os que desprezam ser discípulos da Verdade.
1. Quanto mais alto está o desviado de Fé, mais grave é o perigo.
Considerando a gravidade particular desta situação e seus perigos a ponto que o mesmo Romano Pontífice, que como Vigário de Deus e de Nosso Senhor tem o pleno poder na terra, e a todos julga e não pode ser julgado por ninguém, se fosse encontrado desviado da Fé, poderia ser acusado e dado que donde surge um perigo maior, ali mais decidida deve ser a providência para impedir que falsos profetas e outras pessoas que detenham jurisdições seculares não tenham lamentáveis laços com as almas simples e arrastem consigo para a perdição inumeráveis povos confiados a seu cuidado e a seu governo  nas coisas espirituais ou nas temporais; e para que não aconteça algum dia  que vejamos no Lugar Santo a abominação da desolação, predita pelo profeta Daniel; com a ajuda de Deus para Nosso empenho pastoral, não seja que pareçamos cães mudos, nem mercenários, ou amaldiçoados maus vinicultores, queremos capturar as raposas que tentam desolar a Vinha do Senhor e rechaçar os lobos para longe do rebanho.
2. Confirmação de toda providencia anterior contra todos os desviados.
Depois de madura deliberação com os Cardeais da Santa Igreja Romana, nossos irmãos, com o conselho e o unânime assentimento de todos eles, com Nossa Autoridade Apostólica, aprovamos e renovamos todas e cada uma das sentenças, censuras e castigos de excomunhão, suspensão, interdição e privação, e outras, de qualquer modo adotadas e promulgadas contra os hereges e cismáticos, pelos Pontífices Romanos, nossos Predecessores, ou em nome deles, incluso as disposições informais, dos Santos Concílios admitidos pela Igreja, os decretos e estatutos dos Santos Padres, os Cânones Sagrados, ou por Constituições e Resoluções Apostólicas. E queremos e decretamos que ditas sentenças, censuras e castigos, sejam observadas perpetuamente e seja restituída a sua total vigência se estiveram em desuso, e devem permanecer com todo seu vigor. E queremos e decretamos que todos aqueles que até agora tenham sido encontrados, ou tenham confessado, ou sejam convictos de terem-se desviado da Fé Católica, ou de haverem incorrido em alguma heresia ou cisma, ou de terem suscitado ou cometido; ou bem os que no futuro se apartarem da Fé (o que Deus se digne impedir segundo sua clemência e sua bondade para com todos), ou incorrerem em heresia, ou cisma, ou os suscitarem ou cometerem; ou bem os que houverem de ser surpreendidos de ter caído, incorrido, suscitado ou cometido, ou o confessarem, ou o admitirem, de qualquer grau, condição e preeminência, inclusive Bispos, Arcebispos, Patriarcas, Primazes, ou de qualquer outra dignidade eclesiástica superior; ou bem Cardeais, ou Legados perpétuos ou temporais da Sé Apostólica, com qualquer destino; ou os que sobressaiam por qualquer autoridade ou dignidade temporal, de conde, barão, marquês, duque, rei, imperador, enfim queremos e decretamos que qualquer um deles incorram nas sobreditas sentenças, censuras e castigos.
3. Privação ipso facto de todo oficio eclesiástico por heresia ou cisma.
Considerando que os que não se abstém de fazer mal por amor da virtude devem ser reprimidos por temor dos castigos, e que Bispos, Arcebispos, Patriarcas, Primazes, ou de qualquer outra dignidade eclesiástica superior; sejam Cardeais, Legados, condes, barões, marqueses, duques, reis, imperadores, que devem ensinar aos demais e servir-lhes de bom exemplo, a fim de que perseverem na Fé Católica, com sua prevaricação pecam mais gravemente que os outros, pois que não só se perdem eles, senão que também arrastam consigo para a perdição os povos que lhes foram confiados; pela mesma deliberação e assentimento dos Cardeais, com esta Nossa Constituição, válida perpetuamente, contra tão grande crime – que não pode haver outro maior nem mais pernicioso na Igreja de Deus – na plenitude de Nossa autoridade Apostólica, sancionamos, estabelecemos, decretamos e definimos que pelas sentenças, censuras e castigos mencionados (que permanecem em seu vigor e eficácia e que produzem seu efeito), todos e cada um  dos Bispos, Arcebispos, Patriarcas, Primazes, ou de qualquer outra dignidade eclesiástica superior; sejam Cardeais, Legados, condes, barões, marqueses, duques, reis, imperadores, que até agora  (tal como  se declara precedentemente) tiverem sido surpreendidos, ou houverem confessado, ou estejam convictos de se terem desviado (da Fé católica), ou de haver caído em heresia, ou de haver incorrido em cisma, ou de ter suscitado ou cometido; ou também os que no futuro se apartarem da Fé católica, ou caírem em heresia, ou incorrerem em cisma, ou os provocarem, ou os cometerem, ou os que forem surpreendidos ou confessarem ou admitirem haver se desviado da Fé Católica, ou haver caído em heresia, ou haver incorrido em cisma, ou tê-los provocado ou cometido, dado que nisto resultam muito mais culpáveis que os demais, fora das sentenças, censuras e castigos, enumerados, (que permanecem em seu vigor e eficácia e que produzem seus efeitos), todos e cada um dos Bispos, Arcebispos, Patriarcas, Primazes, ou de qualquer outra dignidade eclesiástica superior; sejam Cardeais, Legados, condes, barões, marqueses, duques, reis, imperadores, caíram privados também por essa mesma causa, sem necessidade de nenhuma instrução de direito ou de fato, de suas hierarquias, e de suas igrejas catedrais, inclusive metropolitanas, patriarcais e primazes; do título de Cardeal, e da dignidade de qualquer classe de Legado, e ademais de toda voz ativa e passiva, de toda autoridade, dos mosteiros, benefícios e funções eclesiásticas, com qualquer Ordem que for que tenham obtido por qualquer concessão e dispensação Apostólica, seja como titulares, ou como encarregados ou administradores, e nas quais, seja diretamente ou de alguma outra maneira houverem tido algum direito, ou os houverem adquirido de qualquer outro modo; caem assim mesmo privados de qualquer beneficio, rendido ou produzido, reservados ou assinados para eles. E do mesmo modo serão privados completamente, e em cada caso, de seus condados, baronias, marquesado, ducado, reino e império, e de forma perpétua, e de modo absoluto. E por outro lado sendo de todo contrários e incapacitados para tais funções, serão tidos ademais como relapsos e exonerados em tudo e para tudo, inclusive se antes houvessem abjurado publicamente em juízo tais heresias. E não poderão ser restituídos, repostos, reintegrados ou reabilitados, em nenhum momento, a primeira dignidade que tiveram, a suas Igrejas Catedrais, metropolitanas, patriarcais, primazes; ao cardinalato, ou a qualquer outra dignidade, maior ou menor, ou a sua voz ativa ou passiva, a sua autoridade, mosteiro, beneficio, ou condado, baronia, marquesado, ducado, reino o império, antes bem haverão de cair no arbítrio daquele poder que tenha a devida intenção de castigá-los, a menos que tendo em conta neles os sinais de verdadeiro arrependimento e aqueles frutos de uma congruente penitência, por benignidade da mesma Sé Apostólica ou por clemência houverem de ser relegados a algum mosteiro, ou em algum outro lugar dotado de um caráter disciplinário para fazer ali perpétua penitência com o pão da dor e a água da compunção. E assim serão tidos por todos, de qualquer dignidade, grau, ordem, ou condição que seja, e incluso, arcebispo, patriarca, primado, cardeal, ou de qualquer autoridade temporal, conde, barão, marquês, duque, rei o imperador, ou de qualquer outra hierarquia, e assim serão tratados e estimados, e ademais evitados como relapsos e exonerados, de tal modo que haverão de estar excluídos de todo consolo humano.
4. Pronta solução das vacâncias dos ofícios eclesiásticos.
Quem pretender ter um direito de patrono, ou de nomear pessoas idôneas para as Sedes Eclesiásticas vacantes por estas cercanias, a fim de que tais cargos, depois de haver sido livrados da servidão dos heréticos, não estejam expostos aos inconvenientes de uma longa vacância, mas sejam outorgados a pessoas capazes de dirigir os povos pelas vias da justiça, estão obrigados a apresentar ao Romano Pontífice os nomes de tais pessoas idôneas, dentro do tempo fixado por direito, de outra maneira, transcorrido o tempo previsto, a disponibilidade de tais Sedes retorna ao Pontífice Romano.
5. Excomunhão ipso facto para os que favorecerem a hereges ou cismáticos.
Incorrem em excomunhão ipso facto todos os que conscientemente ousam acolher, defender ou favorecer aos desviados ou lhes dêem crédito, ou divulguem suas doutrinas; sejam considerados infames, e não sejam admitidos a funções públicas ou privadas, nem nos Conselhos ou Sínodos, nem nos Concílios Gerais ou Provinciais, nem ao Conclave de Cardeais, ou em qualquer reunião de fiéis ou em qualquer outra eleição. Serão também impedidos e não poderão participar de nenhuma sucessão hereditária, e ninguém estará ademais obrigado a responder-lhes acerca de nenhum assunto. Se tiver algum a condição de juiz, suas sentencias carecerão de toda validez, e não se poderá submeter nenhuma outra causa a sua audiência; ou se for advogado, sua defesa será tida por nula, e se for escrivão seus papéis carecerão por completo de eficácia e vigor. Ademais os clérigos  serão privados também pela mesma razão, de todas e cada uma de suas igrejas, inclusive catedrais, metropolitanas, patriarcais e primazes; de suas dignidades, mosteiros, benefícios e ofícios eclesiásticos inclusive como já se disse, qualquer que seja o grau e o modo de sua obtenção. Tanto Clérigos como leigos, inclusive os que obtiveram normalmente e que estiverem investidos das dignidades mencionadas, serão privados sem maiores trâmites de seus reinos, ducados, domínios, feudos e de todos os bens temporais que possuam, seus reinos, ducados, domínios, feudos e bens serão propriedade pública, e como bens públicos haverão de produzir um efeito de direito, em propriedade daqueles que os ocupem pela primeira vez, sempre que estes estiverem sob nossa obediência, ou de nossos sucessores os Romanos Pontífices, eleitos canonicamente, na sinceridade da Fé e em união com a Santa Igreja Romana.
6. Nulidade de todas as promoções ou  elevações de
desviados na Fé.
Agregamos que se em algum tempo acontecer que um Bispo, inclusive na função de Arcebispo, ou de Patriarca, ou Primaz; ou um Cardeal, inclusive na função de Legado, ou eleito Pontífice Romano que antes de sua promoção ao Cardinalato ou assunção ao Pontificado, tivesse se desviado da Fé Católica, ou houvesse caído na heresia ou incorrido em cisma, ou o houvesse suscitado ou cometido, a promoção ou a assunção, inclusive se esta houver ocorrido com o acordo unânime de todos os Cardeais, é nula, inválida e sem nenhum efeito; e de nenhum modo pode considerar-se  que tal assunção haja adquirido validez, por aceitação do cargo e por sua consagração, ou pela subseqüente possessão ou quase possessão de governo e administração, ou pela mesma entronização ou adoração do Pontífice Romano, ou pela obediência que todos lhe tenham prestado, qualquer que seja o tempo transcorrido depois dos supostos sobreditos. Tal assunção não será tida por legítima em nenhuma de suas partes, e não será possível considerar que se tenha outorgado ou se outorga alguma faculdade de administrar nas coisas temporais ou espirituais aos que são promovidos, em tais circunstancias, a dignidade de bispo, arcebispo, patriarca ou primaz, ou aos que tenham assumido a função de Cardeais, ou de Pontífice Romano, senão que pelo contrário todos e cada um desses pronunciamentos, feitos, atos e resoluções e seus conseqüentes efeitos carecem de força, e não outorgam nenhuma validez, e nenhum direito a nada.
7. Os fieis não devem obedecer, senão evitar aos desviados na Fé.
E em conseqüência, os que assim houvessem sido promovidos e houvessem assumido suas funções, por essa mesma razão e sem necessidade de se fazer nenhuma declaração posterior, estão privados de toda dignidade, lugar, honra, título, autoridade, função e poder; e seja lícito, em conseqüência, a todas e a cada uma das pessoas subordinadas aos assim promovidos e assumidos, se não se tivessem apartado da Fé, nem houvessem sido heréticos, nem houvessem incorrido em cisma, ou o houvessem suscitado ou cometido, tanto os clérigos seculares e regulares, ou mesmo que os leigos; e aos Cardeais, inclusive aos que tenham participado na eleição desse Pontífice Romano, que com anterioridade se apartou da Fé, e era ou herético ou cismático, ou que tivesse consentido em outros pormenores e os tenham prestado obediência, e se tivessem ajoelhado ante ele; aos chefes, prefeitos, capitães, oficiais, inclusive de nossa materna Urbe e de todo o Estado Pontifício; assim mesmo aos que por acatamento ou juramento, ou caução se tenham obrigado e comprometido com os que nessas condições foram promovidos ou assumiram suas funções, (seja-lhes licito) subtrair-se a qualquer momento e impunemente da obediência e devoção de quem foi assim promovido ou entraram em funções, e evitá-los como se fossem feiticeiros, pagãos, publicanos ou heresiarcas, o que não obsta que estas mesmas pessoas tenham que prestar sem embargo estrita fidelidade e obediência aos futuros bispos, arcebispos, patriarcas, primazes, cardeais ou ao Romano Pontífice, canonicamente eleito. E ademais para maior confusão desses mesmos assim promovidos e assumidos, se pretenderem prolongar seu governo e administração, contra os mesmos assim promovidos e assumidos (seja-lhes lícito) requerer o auxilio do braço secular, e não por isso os que se subtraem desse modo à fidelidade e obediência para com os promovidos e titulares, já ditos, estarão submetidos ao rigor de algum castigo ou censura, como se o exigissem pelo contrário os que cortam a túnica do Senhor.
8. Validez dos documentos antigos e derrogação somente dos contrários.
Não tem nenhum efeito para estas disposições as Constituições e Ordenanças Apostólicas, assim como os privilégios e letras apostólicas, dirigidas a bispos, arcebispos, patriarcas, primazes e cardeais, nem qualquer outra resolução, de qualquer teor ou forma, e com qualquer cláusula, nem os decretos, também os de motu próprio e de ciência certa do Romano Pontífice, ou concedidos em razão da plenitude apostólica, ou promulgados em consistórios, ou de qualquer outra maneira; nem tão pouco os aprovados em reiteradas ocasiões, ou renovados e incluídos no corpo do direito, ou como capítulos de conclave, ou confirmados por juramento, ou por confirmação apostólica, ou por qualquer outro modo de confirmação, inclusive os jurados por Nós mesmos. Considerando, pois essas resoluções de modo expresso e tendo-as como inseridas, palavra por palavra, inclusive aquelas que haveriam de perdurar por outras disposições, e enfim todas as demais que se oponham, por sua vez e de um modo absolutamente especial, derrogamos expressamente suas cláusulas dispositivas.
9. Decreto de publicação solene
A fim de que cheguem noticias certas das presentes letras a quem interessa, queremos que elas, ou uma cópia (referendada por um notário público, com o selo de alguma pessoa dotada de dignidade eclesiástica) sejam publicadas e fixadas na Basílica do Príncipe dos Apóstolos, e nas portas da Chancelaria apostólica, e no extremo da Praça de Flora por algum de nossos oficiais; e que é suficiente a ordem de fixar nesses lugares a cópia mencionada, e que a dita fixação ou publicação, ou a ordem de exibir a cópia sobredita, deve ser tida com caráter solene e legitimo, e que não se requer nem se deve esperar outra publicação.
10. Ilicitude das ações contrárias e sanção divina.
Portanto, a homem algum seja lícito infringir esta página de Nossa Aprovação, Inovação, Sanção, Estatuto, Derrogação, Vontade, Decreto, ou por temerária ousadia contradizer-lhes. Porém se alguém pretender atentar, saiba que haverá de incorrer na indignação do Deus Onipotente e de seus Santos Apóstolos Pedro e Paulo.
Dado em Roma, junto a São Pedro, aos 15 de fevereiro do ano da Encarnação do Senhor de 1559, 4º ano de nosso Pontificado.
Paulo IV.

Um comentário:

Giovana Cunha disse...

Salve Maria!

O que significa isto??? Eu conheço o brasão; quero entender pq vc o colocou aqui. Isto é claro se vc quiser me falar!

Santa Páscoa!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...