Faz sentido uma ficção científica anti-científica?
Antonio Scacco
ROMA, quarta-feira, 30 de maio de 2012 (ZENIT.org) - A ciência, nas suas ramificações como a astronomia, a física, a geografia e tantas outras, nunca deixou de interessar, ao longo dos séculos, a poetas e escritores, que a partir dela compuseram vasta gama de obras didáticas e protrépticas
Quem poderia esquecer o De rerum natura, de Lucrécio, onde
os "foedera naturae" (a ciência epicurista) e a "callida Musa" (a
poesia) são indissociáveis? E, antes do poema de Lucrécio, os Fenômenos,
de Arato, obra imitadíssima durante a antiguidade, que teve a honra de
receber comentários científicos dos astrônomos famosos do passado?
Esta relação entre a ciência e a literatura se torna ainda mais
estreita com a ficção científica. Michel Butor afirmava que o que
distingue a ficção científica de outros gêneros de fantasia é "o tipo
especial de plausibilidade que ela tem. Esta plausibilidade é
diretamente proporcional à evidência científica sólida que o autor
introduz. Se essas evidências faltam, a ficção se torna uma forma morta e
retórica" (Michel Butor, Repertório. Estudos e conferências 1948-1959,
Il Saggiatore, Milão, 1961, pág. 204).
Na mesma linha, e até mais circunstanciado, é o parecer de um
escritor do nível de Isaac Asimov: "Para um escritor de ficção, não é
suficiente conhecer bem o próprio idioma: ele também precisa conhecer a
ciência. [...] Nós não precisamos ser cientistas, nem ter um diploma de
ciências. Mas se os nossos estudos tiverem sido deficientes em ciências,
então é essencial começarmos a estudar por conta própria" (Isaac
Asimov, Conselhos, em Guia de Ficção Científica, versão italiana,
Mondadori, Milão, 1984, pág. 23).
Se a ciência é indispensável à ficção científica, a ficção científica
é essencial para a ciência. Como prova, basta mencionar as várias
invenções (como o helicóptero de Igor Sikorsky e o submarino de Simon
Lake) e empreendimentos científicos (como os vôos do Almirante Byrd
sobre a Antártida e as explorações subterrâneas do espeleólogo Norman
Casteret) inspirados ou estimulados pela leitura de romances de ficção
científica, conforme é confessado pelos próprios protagonistas.
Queremos ressaltar aqui o fato de que esta relação de interação não
se limita aos aspectos literários e tecnológicos, mas também envolve a
esfera humana e pessoal, como testemunhado por Arthur C. Clarke com o
seu romance 3001: Odisséia Final: "No caminho de volta da lua,
[os astronautas da Apollo 15] me enviaram o esplêndido mapa em relevo da
área de alunissagem do módulo lunar Falcon, que agora ocupa o lugar de
honra do meu estúdio. Ele mostra as rotas percorridas pelo veículo lunar
durante as suas três viagens, uma das quais explorava uma cratera
iluminada pela Terra. O mapa traz a inscrição ‘Para Arthur Clarke, da
tripulação da Apollo 15, com grande reconhecimento pelas suas visões do
espaço. Dave Scott, Al Worden, Jim Irwin’. Em troca, dediquei Earthlight ‘a Dave Scott e Jim Irwin, os primeiros homens a penetrarem nessa terra, e a Al Worden, que acompanhou a sua órbita’".
Nestas circunstâncias, a conclusão parece óbvia: não faz sentido uma
ficção anti-tecnológica e anti-científica. Mas, então, como explicar a
existência de romances futuristas, inspirados, mais ou menos, numa
ideologia de tipo ludista?
Referimo-nos a obras como A máquina pára, de 1909, escrita
por Edward M. Forster, que descreve uma humanidade relegada ao
subterrâneo e cujas necessidades são satisfeitas pela "Máquina". Quando
esta pára, os homens morrem, porque perderam toda a capacidade de
iniciativa. Segundo alguns estudiosos, esse espírito anti-científico
está presente também no artífice da Idade de Ouro da ficção científica,
John W. Campbell, precisamente nas histórias das "cidades no fim dos
tempos", onde "cidades exterminadas, imóveis e gélidas, cheias de
incompreensíveis máquinas sem objetivo após a morte dos seus criadores,
são ao mesmo tempo o túmulo do homem e o fúnebre memorial a um
tecnologismo sem espírito, a uma ciência dessangrada que não soube ver
outra realidade além de si mesma" (G. de Turris-S.Fusco, A polêmica
anti-científica na literatura futurista, em C.D.Simak, Mundos sem fim,
1964; Fanucci Roma 1977, pág. 14).
Para tentar esclarecer esta questão intricada e permitir que a ficção
científica saia do impasse da ciência amiga/inimiga da humanidade,
precisamos ter em mente os dois clichês que normalmente afetam o nosso
julgamento sobre a ciência: ou panacéia ou fonte de todo mal.
Felizmente, além das duas correntes de pensamento, uma elogiando o
"futuro magnífico e progressista" e a outra levantando a bandeira do
"vade retro tecnologia", existe também uma terceira: a da ciência como
fator de humanização, destacada pelo cientista nuclear e filósofo Enrico
Cantore, SJ, em seu ensaio O homem científico: significado humanístico da ciência (uma extensa exposição do pensamento do padre Enrico Cantore está presente em nosso livro Fantascienza umanistica,
em italiano, pela Boopen Editora, 2009. Os interessados podem
solicitar uma cópia gratuita enviando email para futureshock@alice.it).
Temos certeza de que, na ótica do humanismo sapiencial-científico,
todas as contradições podem ser resolvidas e a ficção científica pode
encontrar a nova linfa de que, neste momento de crise, ela tem vital
necessidade.
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