terça-feira, 21 de agosto de 2012

Bispos dos EUA adotam silenciosamente protocolos para investigações teológicas

20/08/2012

ihu - A comissão dos bispos dos EUA encarregada de aplicar a doutrina da Igreja adotou silenciosamente novos procedimentos para investigar teólogos há um ano, aparentemente sem o conhecimento dos teólogos, cujos ensinamentos e escritos estariam sujeitos aos protocolos.

A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada no jornal National Catholic Reporter, 17-08-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Os procedimentos parecem indicar que a comissão está evitando o diálogo com teólogos, quando forem relatadas preocupações sobre a sua adesão à doutrina da Igreja, preferindo, ao invés, um processo de revisão interno e privado.

Os procedimentos, que são datados do dia 19 de agosto de 2011, teriam sido formulados e aprovados em um momento em que os bispos e a sua comissão estavam sendo questionados sobre o tratamento dado à Ir. Elizabeth Johnson, das Irmãs de São José, uma distinta teóloga cujo trabalho eles criticaram duramente em março de 2011.

Em várias declarações do ano passado após a crítica a Johnson, os membros das duas principais sociedades teológicas dos EUA acusaram os bispos de não seguirem um conjunto de procedimentos promulgados em 1989 para lidar com questões doutrinais.

Esses procedimentos eram o resultado de deliberações entre um grupo de bispos e teólogos ao longo de anos, e foram aprovados por todo o corpo dos bispos dos EUA e endossado pelo Vaticano.

A existência de novos procedimentos veio à tona nestes meses em dois artigos de revistas acadêmicas, de autoria do renomado canonista Pe. James Coriden. Na última edição da revista teológica Concilium, Coriden escreve que ele recebera uma cópia dos protocolos da comissão de doutrina dos bispos dos EUA, mas a sua existência veio como uma surpresa para diversos teólogos proeminentes aos quais o NCR contatou para comentar.

Os protocolos afirmam que, embora os teólogos que estão sendo investigados pela comissão "possam ser convidados a responder às observações da Comissão por escrito", a comissão "se reserva o direito" de publicar as críticas sem consulta "se considerar que a intervenção é necessária para a orientação pastoral dos fiéis católicos".

Terrence Tilley, diretor do departamento de teologia da Fordham University, disse que não tinha conhecimento dos novos procedimentos. Depois de analisar uma cópia fornecida pelo NCR, Tilley se perguntou por que eles não fazem referência às proteções encontradas no Direito Canônico para aqueles que se encontram sob investigação, para que se defendam em um "fórum eclesiástico competente".

O cânone 221 [1], especificamente, "não está sendo observado", disse Tilley.

"Eu espero que isso esteja incorreto, mas a omissão desse cânone dos cânones citados gera preocupação", continuou. "O processo em geral permite que a comissão tome as medidas apropriadas, mas o processo não permite que os teólogos cujas obras são examinadas respondam em tempo hábil da forma como o cânone 221 parece exigir".

“Responsabilidades doutrinais”

Os procedimentos aprovados em 1989 pelos bispos dos EUA para investigar teólogos, intitulado Responsabilidades doutrinais, especificam que os teólogos que são questionados pelos bispos devem ser engajados no diálogo a fim de esclarecer os dados e o significado e a relação dos seus escritos com a tradição católica, assim como identificar as implicações para a vida da Igreja.

Em uma carta de abril de 2011 sobre o caso Johnson, o presidente da comissão de doutrina dos bispos e cardeal de Washington, Donald Wuerl, disse que os procedimentos de 1989 foram "apresentados para consideração como uma forma de proceder, mas não como obrigatórios" e "não abordavam as responsabilidades especiais da Comissão de Doutrina".

O processo contido no Responsabilidades doutrinais era "dialógico desde o início" e tinha um "pressuposto explícito da sã doutrina, que se mantém, a menos que seja refutado por prova em contrário", escreveu Coriden em seu artigo na Concilium.

A falta de consulta com os teólogos em questão de acordo com os novos protocolos de 2011 significa que há "uma assunção de que o autor é ou ambíguo, ou se encontra na erro, ou ambos", escreveu Coriden, que atua no corpo docente da União Teológica de Washington.

Susan Ross, presidente da Sociedade Teológica Católica dos EUA (CTSA, na sigla em inglês) e coeditora da edição da Concilium em que o artigo de Coriden foi publicado, também estabeleceu uma distinção semelhante entre os dois conjuntos de procedimentos.

Enquanto os protocolos de 1989 asseguram que "há um processo de diálogo assim que uma questão é levantada" sobre um teólogo, disse Ross, nos protocolos de 2011 "os teólogos não têm nenhuma ideia de que o processo está em curso".

Ross também disse que ela e as lideranças da CTSA estão planejando sugerir à Comissão de Doutrina dos bispos que ela "tenha um outro olhar" sobre os procedimentos de 1989 e veja se eles podem ser usados "para além das circunstâncias estreitas nas quais eles têm interpretado a sua aplicação".

Uma versão completa dos protocolos de 2011 aparece após um artigo de Coriden no livro When the Magisterium Intervenes, uma coletânea de ensaios sobre a relação entre teólogos e bispos publicado recentemente.

"Documento para uso interno"

A Ir. Mary Ann Walsh, das Irmãs da Misericórdia, diretora de relações midiáticas da Conferência dos Bispos dos EUA (USCCB, na sigla em inglês), disse na sexta-feira, 17, que o protocolo impresso no livro "certamente parece ser" o mesmo que está em uso pela comissão dos bispos.

Walsh disse que o protocolo foi aprovado pela totalidade da comissão de doutrina e foi concebido para ser um "documento interno, desenvolvido para uso interno".

"Ele foi desenvolvido para ser usado pela equipe ou pela comissão conforme necessário", continuou Walsh. "Não surgem questões tão frequentemente".

Walsh também disse que o protocolo surgiu porque os membros da comissão estavam "procurando maneiras de lidar com os problemas assim que eles surjam", e isso "não é incompatível" com o Responsabilidades doutrinais de 1989.

O Responsabilidades doutrinais, disse Walsh, "foi escrito basicamente por bispos e teólogos. Esta nova declaração é mais uma orientação para a comissão".

Segundo a versão dos protocolos impressos nesse livro, a comissão dos bispos dos EUA definiu três fases da resposta quando a comissão é solicitada a analisar um teólogo ou suas obras.

Esses pedidos, especificam os protocolos, poderiam vir de um bispo individual, de outra comissão dos bispos dos EUA, ou de um membro da comissão de doutrina, que é composto por nove bispos e é presidida por Wuerl.

O processo de investigação do teólogo, de acordo com os protocolos, começa com uma revisão as obras em questão por parte do diretor-executivo da Secretaria Episcopal para a Doutrina, atualmente o padre capuchinho Thomas Weinandy.

Depois que Weinandy submeta um relatório ao presidente da comissão de doutrina, atualmente Wuerl, o protocolo ordena que toda a comissão dos bispos deve, então, fazer uma determinação se uma nova revisão se justifica. Se assim for, a carta diz que Weinandy, em consulta com Wuerl, deve selecionar "dois ou mais especialistas" que irão fazer mais uma avaliação, abordando, dentre outras coisas:
  • Os "aspectos positivos da obra do teólogo";
  • "Áreas onde as diferenças de opinião podem existir legitimamente"; e
  • Lugares onde a escrita "diverge do ensinamento da Igreja sobre fé e moral (...) através do erro e/ou da ambiguidade".
Depois da análise dos especialistas, a carta manda que toda a comissão de doutrina determine se é necessário tomar uma ação adicional. Tal ação, afirma-se, pode incluir a referência ao bispo diocesano do teólogo, a referência à Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano (por causa do que os protocolos chamam de "gravidade dos ensinamentos em questão"), ou a referência a outra comissão dos bispos dos EUA.

Ações próprias

A própria comissão de doutrina, indicam os protocolos, também pode tomar algumas ações próprias. Entre essas possíveis ações, encontram-se:
  • Envolver o autor em um "diálogo construtivo, resultante na publicação dos esclarecimentos e/ou correções necessários";
  • Encorajar outros estudiosos a publicar uma crítica da obra do teólogo em um fórum público;
  • Autorizar a publicação de uma crítica em nome do diretor-executivo da comissão, com a aprovação do secretário geral dos bispos dos EUA;
  • Publicar de uma crítica em nome do presidente da comissão, "com a autorização prévia do presidente da USCCB", atualmente o cardeal de Nova York, Timothy Dolan;
  • Publicar uma crítica, em nome de toda a comissão.
"Como a publicação de uma declaração por parte de uma comissão da USCCB é uma ação extraordinária", indicam os protocolos, "a autorização da Comissão Administrativa é necessária para a sua publicação".

A comissão administrativa dos bispos dos EUA é composta por 36 bispos, a maioria presidentes de comissões da Conferência, que dirigem o trabalho da Conferência dos Bispos entre as suas sessões plenárias.

Essa comissão também esteve envolvido nas críticas dos bispos à obra de Johnson. Em uma carta de julho de 2011 ao teólogo John Thiel, o então presidente da Sociedade Teológica Católica dos EUA, Dolan explicou que a comissão administrativa dos bispos havia aprovado por unanimidade a declaração da comissão de doutrina a respeito do livro de Johnson em março de 2010.

O protocolo de 2011 da comissão de doutrina também afirma que, "se as circunstâncias parecem exigir uma ação mais imediata", uma declaração da comissão pode ser publicada com a autorização da comissão executiva dos bispos, ou até mesmo apenas com a autorização do seu presidente, atualmente Dolan.

A comissão executiva dos bispos é composta pelo seu presidente, vice-presidente, tesoureiro, secretário e um outro membro escolhido pela comissão administrativa.

Embora o protocolo de 2011 especifique que, antes da submissão de quaisquer declarações da comissão de doutrina, o teólogo em questão "pode ser convidado a responder às observações da Comissão por escrito", ele afirma que a comissão "se reserva o direito de solicitar uma autorização" sem consultar o teólogo, "se julgar que a intervenção é necessária para a orientação pastoral dos fiéis católicos".

O caso Johnson

Em março de 2011, a comissão doutrina dos bispos dos EUA criticou o livro de Johnson de 2007, intitulado Quest for the Living God: Mapping Frontiers in the Theology of God, em uma resenha crítica de 30 páginas, capítulo por capítulo, que dizia que o livro estava manchado por uma série de "deturpações, ambiguidades e erros" e, portanto, "não está de acordo com a autêntica doutrina católica sobre pontos essenciais".

Após essa repreensão, tanto a Sociedade Teológica Católica dos EUA quanto a College Theology Society criticaram duramente o processo da comissão por ter publicado a crítica e pela sua falta de notificação ou consulta com Johnson sobre a investigação.

Em junho, Johnson em pessoa respondeu aos argumentos da comissão em uma carta detalhada de 38 páginas em que dizia que a comissão havia mal compreendido, deturpado e mal interpretado o livro totalmente.

"Como uma obra de teologia, Quest for the Living God foi completamente mal compreendido e consistentemente deturpado na declaração da comissão", escreveu Johnson. "Como resultado, o julgamento da declaração de que Quest não é coerente com o ensino católico é menos do que convincente. Ele paira no ar, desvinculado do texto do próprio livro".

Em um comunicado divulgado em outubro, a comissão dos bispos reafirmou a sua crítica ao livro, dizendo que ele é uma "nova expressão teológica inadequada da fé católica".

Nota da IHU On-Line:

1 – O cânone 221 do Código de Direito Canônico afirma o seguinte:

“§ 1. Aos fiéis compete o direito de reivindicar legitimamente os direitos de que gozam na Igreja, e de os defender no foro eclesiástico competente segundo as normas do direito.

“§ 2. Se forem chamados a juízo pela autoridade competente, os fiéis têm ainda o direito de serem julgados com observância das normas do direito, aplicadas com equidade.

“§ 3. Os fiéis têm o direito de não serem punidos com penas canônicas senão segundo as normas da lei.”

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