sábado, 23 de novembro de 2013

“Aquela não é a nossa Igreja”

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Relato de um episódio ocorrido ao final de uma reunião com catequistas, em 24 de outubro de 2013.


Por Hermes Rodrigues Nery (*)

Dias atrás, recebi o comunicado da Coordenadora da Catequese de mais uma reunião no meio da semana, em 24 de outubro, com os catequistas. Reunião que visava preparar uma gincana com as crianças para o encerramento de outubro, mês das Missões.

Às 19 horas lá estávamos na igreja de Nossa Senhora dos Remédios. Durante a reunião foi ressaltado de que a gincana seria para as crianças brincarem, um momento para diversão. A coordenadora da Catequese sabia que eu havia lançado o livro “A Igreja é viva e jovem” na Jornada Mundial da Juventude, e disse que iria sugerir ao pároco (muito popular na cidade por ter fundado uma escola de samba, sucesso já em vários carnavais) para que houvesse um lançamento também na paróquia. Na ocasião, com profundo realismo, eu agradecera à Coordenadora pela atenção, mas por ser um trabalho de linha conservadora e em defesa da Tradição e do Magistério da Igreja, não tinha ilusão de que o pároco fosse se interessar. É evidente que o lançamento não aconteceu, e ela não me falou mais sobre o assunto, e eu compreendi perfeitamente a situação, grato de coração pela sua solicitude, mas ciente de que eu teria todo apoio do pároco se fosse um discípulo de Leonardo Boff. Como um último na paróquia, há vários anos, apenas como catequista, gratificava-me o sorriso das crianças nas manhãs de domingo, em que eu podia falar sobre a pessoa de Jesus Cristo, pois toda a catequese dada tinha a marca da profunda devoção mariana (nas orações antes da catequese, rezamos também a Salve Rainha), com o foco sempre cristocêntrico.

Já quase ao final da reunião, o vigário paroquial (recém ordenado padre, número dois na paróquia) perguntou se havia algum aviso ou algum recado de alguém presente na reunião, ao que solicitei a palavra. Disse que diante de uma certa angústia dos catequistas, muitas vezes, sem saber ao certo ao que recorrer, em termos de material de consulta, de informação, de orientação segura sobre os conteúdos da fé, em meio ao relativismo vigente, havia solicitações para que eu indicasse referências (livros, PDFs, DVDs, etc.) para o aprofundamento da fé católica. Outro dia, perguntaram até mesmo qual a melhor edição brasileira, em termos de tradução da Bíblia, pois algumas incluíram termos de expressões da ideologia marxista, etc. Diante disso, eu recomendei aos catequistas as aulas do Padre Paulo Ricardo, disponíveis na internet. Disse que são exposições bem didáticas, em comunhão com o Magistério da Igreja, e que realmente oferecem reflexões e colocações que motivam a conhecer mais o conteúdo do Catecismo, o que muito contribui para aqueles que desejam uma sólida formação católica.

Eis que, feita a indicação, o vigário foi à frente de todos e, como um raio em céu azul, proferiu enfaticamente:


— Refuto com veemência esta recomendação. Se vocês estão angustiados devem recorrer a nós, os padres da paróquia, responsáveis pela Catequese e formação.

E acrescentou, demonstrando muita contrariedade com o que eu havia há pouco recomendado:


— Esse Padre Paulo Ricardo é um cismático, a Igreja “dele” não é a “nossa”. Ele é um padre de antes do Concílio Vaticano II, não aceita a nova realidade. É um padre dos livros, das coisas velhas e ultrapassadas de Roma, não se atualizou. A nossa realidade é local, e temos que dar uma catequese a partir de como vive o nosso povo. O que sabe o Padre Paulo Ricardo da realidade da nossa comunidade? Saibam que ele não é bem visto por muitos de nós, até bispos. Sabiam que ele quer nos impor a batina, aonde já se viu? A “sua” Igreja está no passado, a “nossa” no presente, no aqui e agora. A “sua” Igreja é a da teologia antiga, das hierarquias, que concebe a Igreja como uma monarquia. Mas a Igreja não é uma monarquia, vocês entendem? Ainda bem que houve o Concílio Vaticano II, que o Papa Bom João XXIII, que será agora declamado santo pelo Papa Francisco, abriu as janelas da Igreja, para o ar fresco entrar. Foi o aggiornamento.

E continuou:

— Agora, houve uns bispos cismáticos, como o monsenhor Lefébvre, da Fraternidade São Pio X, que recusaram a “nova” Igreja e ficaram lá, com as coisas velhas do passado. Não é “aquela” Igreja que devemos ensinar aos nossos catequizandos, mas a “nova”, a Igreja da base, a Igreja do povo, da teologia do povo, e não aquela superada pelo Vaticano II. Aquela não é a nossa Igreja!

Muitos ficaram atônitos, diante daquela explosiva colocação. A Coordenadora da Catequese manteve-se de olhos baixos, em silêncio, sem saber o que dizer ou fazer depois daquele balde de água fria e da forma categórica com que o vigário rechaçou a minha indicação que fizera há pouco. Todos se silenciaram, como se estivessem imobilizados, o que me lembrou um comentário há alguns meses de outra catequista, ao final de outra reunião:

— Eu não falo mais nada. Se ainda me mantenho catequista, é por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele, sim, é nosso Senhor e Salvador!

Mesmo assim, ao terminar de falar o vigário, argumentei dizendo que as aulas de Catecismo do Padre Paulo Ricardo estão em consonância com a sã doutrina e o Magistério da Igreja, e que dão a resposta católica segura aos inúmeros questionamentos da atualidade, em tempos tão convulsivos, de secularização crescente, ateísmo militante e forças manipulatórias que instrumentalizam a Igreja para fins ideológicos anti-cristãos, que de modo sofisticado, agem por dentro da instituição, com a hermenêutica da ambiguidade, com ação cada vez mais corrosiva. Por isso também a evasão do fiéis, que não reconhecem a Igreja de Cristo nesta descaracterização, nos reducionismos e até nas somas das heresias que estão por toda a parte, desconstruindo conceitos, demolindo o arcabouço doutrinal, no afã de fazer valer uma outra Igreja, mais pagã do que cristã.

E ressaltei:

— Mas a Igreja de Cristo é santa, e é a ela que está prometida a proteção permanente do Espírito Santo. E voltei-me aos catequistas presentes, dizendo do quanto me aprecia a frase que rezamos a cada missa: “Bendito seja Deus que nos reuniu no amor de Cristo”.

No caminho de volta para casa, outra catequista concluiu:

— Realmente, o que podemos fazer? Não temos nenhum poder de decisão. Eles assumiram os postos de comando. Estamos sitiados.
Cheguei com minha esposa e filhos ainda muito pequenos, em São Bento do Sapucaí [foto], no dia de São José, em 19 de março de 2001. Sonhava com um lugar que pudesse oferecer uma infância para os filhos, e a bucólica cidadezinha foi um dos presentes de Deus, propiciando os momentos de convivência com o povo bom e devoto daqui, nas alturas azuis da Mantiqueira. Escrevi no meu discurso de posse como Presidente da Câmara, em 1º de janeiro de 2009:

“De fato, há nesta cidade uma leveza especial, que nos eleva e nos dá alento, a almejar às “amplidões supernas” , como um sinal claro e puro do que Deus tem guardado para aqueles que o amam, ambiente aprazível, onde “se frui o lídimo tesouro”, no dizer de Dante: a sua topografia, a claridade límpida do ar, a paisagem doce dessas montanhas, como um bálsamo às vistas; o canto do sabiá ao final da tarde, enquanto as garças brancas sobrevoam a Fazenda do Estado; os vagalumes do vale do Quilombo (mencionados na obra clássica de Eugênia Sereno), os carros de bois do sr. Joaquim Costa, em cuja oficina algumas vezes pude recordar a mística do trabalho inspirado por São José, que aparece na bela estampa de sua oficina. Ali próximo, onde algumas vezes fui com as crianças visitar o admirável jequitibá e ler os salmos à beira do riacho, em meio aos seus bois. Há também os ipês magníficos, especialmente o raríssimo ipê branco, de floração sempre inesquecível.” 

E mais: 

“E ainda as belas cachoeiras, a Pedra do Baú (que escalei uma única vez), o momento de confraternização na fogueira das temporadas do Acampamento Paiol Grande, as cavalgadas, as conversas tão enriquecidas com o artesão Ditinho Joana, em seu atelier de trabalho. Tocante a devoção desse povo: na via-sacra da Quaresma, quando vi — pela primeira vez — a cidade do alto do Cruzeiro, antes das seis da manhã; a reza do terço em família, como na casa de D. Isolina, as procissões e festas religiosas, a Paixão de Jesus Cristo encenada nas ruas da cidade pelo grupo de teatro amador, a coroação de Nossa Senhora pelas crianças no mês mariano, as novenas e celebrações nas igrejas dos bairros rurais, o almoço comunitário no bairro do Quilombo na festa do 13 de maio…”

Somente foi possível residir em São Bento do Sapucaí e recomeçar a vida lá (depois do difícil ano 2000), pois o então pároco local solicitara-me fazer o jornal da paróquia, sugerindo que eu fosse procurar parcerias que pudessem dar sustentação econômica ao periódico, que procurei, desde o início fazer um jornal da “boa notícia”, divulgando iniciativas que pudessem motivar as pessoas à multiplicação dos talentos, conforme a parábola contada por Nosso Senhor Jesus Cristo. De linha conservadora, com o jornal “Comunidade São Bento”, pudemos conhecer todos na cidade, e convergir o trabalho comprometido com a evangelização. Cheguei inclusive a trabalhar um período no escritório paroquial, onde, na pequena biblioteca, pude encontrar alguns volumes dos “Documentos da Igreja”, de modo especial os “Documentos de Pio XII”. Em meio ao trabalho, podia, por exemplo, anotar trechos da Mediator Dei 27, destacando: “É verdade que os sacramentos e o sacrifício do altar têm uma intrínseca virtude enquanto são ações do próprio Cristo que comunica e difunde a graça da Cabeça divina nos membros corpo místico”. E enquanto atendia os paroquianos, fazia as anotações e apontamentos dos documentos do grande Papa Pacelli.

Mas dois anos depois, subitamente, o então pároco ligou-me para dizer que ele seria transferido para a periferia de São Paulo, e que as coisas iriam mudar. De fato, informaram-me que o novo pároco tinha não apenas o estilo, mas o pensamento diferente do anterior. Uma das catequistas me advertira: “As coisas tem de ser do seu modo, e não tem jeito!” Sem sequer usar o clergyman, e com o foco no social, desentendeu-se de cara com o casal que trabalhava no escritório paroquial e não titubeou em demitir os dois, marido e mulher, para mostrar que com ele as coisas funcionavam assim: ou faz as coisas do jeito dele, ou então, não serve. E não tardou para que seu estilo “rolo compressor” fizesse também do jornal paroquial a sua vítima. Incomodado com a metodologia e a linha editorial adotada, alguns meses depois, nos chamou para uma reunião com o conselho paroquial, e foi implacável: “Não quero mais!” E ponto final. Foi assim que o jornal “Comunidade São Bento”, até então o meu ganha-pão na cidade, sofreu esse revés. Ao que socorreu-me um padre norte-americano, presidente de uma instituição educativa no Município, mas residente no Rio de Janeiro, que viabilizou a sustentação daquele periódico comunitário por mais algum tempo. Dez anos se passaram daquele doloroso episódio, ao que, na época, uma catequista ressaltou: “Deu para ver como as coisas funcionam agora? Ou faz do jeito dele ou está fora, entende? Você viu o que aconteceu com a Ana Paula e o Marquinho? E agora, o que você vai fazer? Vai embora?

De fato, o pároco anterior havia me dito: “as coisas vão mudar!” Contudo, permaneci na cidade até hoje, e permaneci Catequista, mas a Ana Paula e o Marquinho tiveram mesmo que ir embora.

Eles conseguiram assumir os postos, em tática gramsciana

Decorridos exatos dez anos, logo após a reunião em que o vigário refutou a minha recomendação das aulas do Padre Paulo Ricardo, a mesma catequista voltou a dizer:

— O nosso sentimento é de impotência, imobilização, acuamento. É isso! Estamos sitiados. O que ocorre é que nós que amamos a Igreja, a Tradição e o Magistério, estamos na base da base, sujeitos aos progressistas, que ocuparam os postos de comando e hoje ditam o que querem, e pronto. Os que buscam manter a Tradição Viva são cuspidos para fora. E aí sim prevalece o burocratismo, a pastoral da manutenção, a instrumentalização e a ideologização da Igreja para fins meramente assistencialistas. Mas você viu o que ele disse: a Igreja “dele” é a de 50 anos para cá, e à “anterior”, de dois mil anos, referiu-se como “coisas velhas e ultrapassadas”. Os que defendem a Tradição de dois mil anos é que são cismáticos, e não eles, com a nova teologia populista, a “teologia do povo”. Eles conseguiram assumir os postos, em tática gramsciana, e agora fazem do modernismo, “a síntese de todas as heresias”, como definiu São Pio X, como o que vale. É fato.

E respondi:

— Sim. Mas ao contrário de muitos que evadiram-se, ainda me mantenho catequista, mesmo sabendo da angústia e o desamparo de boa parte do rebanho católico. Não evadi, pois sou um batizado. Nosso Senhor prometeu proteção à Igreja, à Igreja santa! Não existe isso de “esta” ou “aquela” Igreja, mas a Igreja é uma só: a de Jesus Cristo, “que comunica e difunde a graça da Cabeça divina nos membros corpo místico”, lembrando a Mediator Dei. Ele é a Cabeça, e nós os membros. Ele é a Videira. Queremos estar enxertados na Videira, mesmo que aparentemente estejamos em minoria.

E com isso, descemos a rua da Igreja matriz, em meio à noite escura, mas sabendo que acima de nós, as estrelas feitas por Deus permanecem fixas no firmamento.
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(*) Hermes Rodrigues Nery é Catequista na Paróquia São Bento.

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