Relato de um episódio ocorrido ao final de uma reunião com catequistas, em 24 de outubro de 2013.
Por Hermes Rodrigues
Nery (*)
Dias
atrás, recebi o comunicado da Coordenadora da Catequese de mais uma reunião no
meio da semana, em 24 de outubro, com os catequistas. Reunião que visava preparar
uma gincana com as crianças para o encerramento de outubro, mês das Missões.
Às 19 horas lá estávamos na igreja de Nossa Senhora
dos Remédios. Durante a reunião foi ressaltado de que a gincana seria para as
crianças brincarem, um momento para diversão. A coordenadora da Catequese sabia
que eu havia lançado o livro “A Igreja é viva e jovem” na Jornada Mundial da
Juventude, e disse que iria sugerir ao pároco (muito popular na cidade por ter
fundado uma escola de samba, sucesso já em vários carnavais) para que houvesse
um lançamento também na paróquia. Na ocasião, com profundo realismo, eu
agradecera à Coordenadora pela atenção, mas por ser um trabalho de linha
conservadora e em defesa da Tradição e do Magistério da Igreja, não
tinha ilusão de que o pároco fosse se interessar. É evidente que o lançamento
não aconteceu, e ela não me falou mais sobre o assunto, e eu compreendi
perfeitamente a situação, grato de coração pela sua solicitude, mas ciente de
que eu teria todo apoio do pároco se fosse um discípulo de Leonardo Boff. Como
um último na paróquia, há vários anos, apenas como catequista, gratificava-me o
sorriso das crianças nas manhãs de domingo, em que eu podia falar sobre a
pessoa de Jesus Cristo, pois toda a catequese dada tinha a marca da profunda
devoção mariana (nas orações antes da catequese, rezamos também a Salve
Rainha), com o foco
sempre cristocêntrico.
Já
quase ao final da reunião, o vigário paroquial (recém ordenado padre, número
dois na paróquia) perguntou se havia algum aviso ou algum recado de alguém
presente na reunião, ao que solicitei a palavra. Disse que diante de uma certa
angústia dos catequistas, muitas vezes, sem saber ao certo ao que recorrer, em
termos de material de consulta, de informação, de orientação segura sobre os
conteúdos da fé, em meio ao relativismo vigente, havia solicitações para que eu
indicasse referências (livros, PDFs, DVDs, etc.) para o aprofundamento da fé
católica. Outro dia, perguntaram até mesmo qual a melhor edição brasileira, em
termos de tradução da Bíblia, pois algumas incluíram termos de expressões da
ideologia marxista, etc. Diante disso, eu recomendei aos catequistas as aulas
do Padre Paulo Ricardo, disponíveis na internet. Disse que são exposições bem
didáticas, em comunhão com o Magistério da Igreja, e que realmente oferecem
reflexões e colocações que motivam a conhecer mais o conteúdo do Catecismo, o
que muito contribui para aqueles que desejam uma sólida formação católica.
Eis que, feita a indicação, o vigário foi à frente de todos e, como um raio em céu azul, proferiu enfaticamente:
—
Refuto com veemência esta recomendação. Se vocês estão angustiados devem
recorrer a nós, os padres da paróquia, responsáveis pela Catequese e formação.
E acrescentou, demonstrando muita contrariedade com o que eu havia há pouco recomendado:
— Esse Padre Paulo Ricardo é um cismático, a Igreja
“dele” não é a “nossa”. Ele é um padre de antes do Concílio Vaticano II, não
aceita a nova realidade. É um padre dos livros, das coisas velhas e
ultrapassadas de Roma, não se atualizou. A nossa realidade é local, e temos que
dar uma catequese a partir de como vive o nosso povo. O que sabe o Padre Paulo
Ricardo da realidade da nossa comunidade? Saibam que ele não é bem visto por
muitos de nós, até bispos. Sabiam que ele quer nos impor a batina, aonde já se
viu? A “sua” Igreja está no passado, a “nossa” no presente, no aqui e agora. A
“sua” Igreja é a da teologia antiga, das hierarquias, que concebe a Igreja como
uma monarquia. Mas a Igreja não é uma monarquia, vocês entendem? Ainda bem que
houve o Concílio Vaticano II, que o Papa Bom João XXIII, que será agora
declamado santo pelo Papa Francisco, abriu as janelas da Igreja, para o ar
fresco entrar. Foi o aggiornamento.
E continuou:
—
Agora, houve uns bispos cismáticos, como o monsenhor Lefébvre, da Fraternidade
São Pio X, que recusaram a “nova” Igreja e ficaram lá, com as coisas velhas do
passado. Não é “aquela” Igreja que devemos ensinar aos nossos catequizandos,
mas a “nova”, a Igreja da base, a Igreja do povo, da teologia do povo, e não
aquela superada pelo Vaticano II. Aquela não é a nossa Igreja!
Muitos
ficaram atônitos, diante daquela explosiva colocação. A Coordenadora da
Catequese manteve-se de olhos baixos, em silêncio, sem saber o que dizer ou
fazer depois daquele balde de água fria e da forma categórica com que o vigário
rechaçou a minha indicação que fizera há pouco. Todos se silenciaram, como se
estivessem imobilizados, o que me lembrou um comentário há alguns meses de
outra catequista, ao final de outra reunião:
— Eu
não falo mais nada. Se ainda me mantenho catequista, é por amor a Nosso Senhor
Jesus Cristo. Ele, sim, é nosso Senhor e Salvador!
Mesmo
assim, ao terminar de falar o vigário, argumentei dizendo que as aulas de
Catecismo do Padre Paulo Ricardo estão em consonância com a sã doutrina e o
Magistério da Igreja, e que dão a resposta católica segura aos inúmeros
questionamentos da atualidade, em tempos tão convulsivos, de secularização
crescente, ateísmo militante e forças manipulatórias que instrumentalizam a
Igreja para fins ideológicos anti-cristãos, que de modo sofisticado, agem por
dentro da instituição, com a hermenêutica da ambiguidade, com ação cada vez
mais corrosiva. Por isso também a evasão do fiéis, que não reconhecem a Igreja
de Cristo nesta descaracterização, nos reducionismos e até nas somas das
heresias que estão por toda a parte, desconstruindo conceitos, demolindo o
arcabouço doutrinal, no afã de fazer valer uma outra Igreja, mais pagã do que
cristã.
E ressaltei:
— Mas
a Igreja de Cristo é santa, e é a ela que está prometida a proteção permanente
do Espírito Santo. E voltei-me aos catequistas presentes, dizendo do quanto me
aprecia a frase que rezamos a cada missa: “Bendito seja Deus que nos reuniu no
amor de Cristo”.
No caminho de volta para casa, outra catequista concluiu:
—
Realmente, o que podemos fazer? Não temos nenhum poder de decisão. Eles
assumiram os postos de comando. Estamos sitiados.
Cheguei com minha esposa e filhos ainda muito
pequenos, em São Bento do Sapucaí [foto], no dia de São José, em 19 de março de 2001.
Sonhava com um lugar que pudesse oferecer uma infância para os filhos, e a
bucólica cidadezinha foi um dos presentes de Deus, propiciando os momentos de
convivência com o povo bom e devoto daqui, nas alturas azuis da Mantiqueira.
Escrevi no meu discurso de posse
como Presidente da Câmara, em 1º de janeiro de 2009:
“De fato, há nesta cidade uma leveza especial, que nos
eleva e nos dá alento, a almejar às “amplidões supernas” , como
um sinal claro e puro do que Deus tem guardado para aqueles que o amam,
ambiente aprazível, onde “se frui o lídimo tesouro”, no dizer de Dante: a sua
topografia, a claridade límpida do ar, a paisagem doce dessas montanhas, como
um bálsamo às vistas; o canto do sabiá ao final da tarde, enquanto as garças
brancas sobrevoam a Fazenda do Estado; os vagalumes do vale do Quilombo
(mencionados na obra clássica de Eugênia Sereno), os carros de bois do sr.
Joaquim Costa, em cuja oficina algumas vezes pude recordar a mística do
trabalho inspirado por São José, que aparece na bela estampa de sua oficina.
Ali próximo, onde algumas vezes fui com as crianças visitar o admirável
jequitibá e ler os salmos à beira do riacho, em meio aos seus bois. Há
também os ipês magníficos, especialmente o raríssimo ipê branco, de floração
sempre inesquecível.”
E mais:
“E ainda as belas cachoeiras, a Pedra do Baú (que
escalei uma única vez), o momento de confraternização na fogueira das
temporadas do Acampamento Paiol Grande, as cavalgadas, as conversas tão
enriquecidas com o artesão Ditinho Joana, em seu atelier de trabalho. Tocante a
devoção desse povo: na via-sacra da Quaresma, quando vi — pela primeira vez — a
cidade do alto do Cruzeiro, antes das seis da manhã; a reza do terço em
família, como na casa de D. Isolina, as procissões e festas religiosas, a
Paixão de Jesus Cristo encenada nas ruas da cidade pelo grupo de teatro amador,
a coroação de Nossa Senhora pelas crianças no mês mariano, as novenas e
celebrações nas igrejas dos bairros rurais, o almoço comunitário no bairro do
Quilombo na festa do 13 de maio…”
Somente foi possível residir em São Bento do Sapucaí e
recomeçar a vida lá (depois do difícil ano 2000), pois o então pároco local
solicitara-me fazer o jornal da paróquia, sugerindo que eu fosse procurar
parcerias que pudessem dar sustentação econômica ao periódico, que procurei,
desde o início fazer um jornal da “boa notícia”, divulgando iniciativas que
pudessem motivar as pessoas à multiplicação dos talentos, conforme a parábola
contada por Nosso Senhor Jesus Cristo. De linha conservadora, com o jornal “Comunidade
São Bento”, pudemos conhecer todos na cidade, e convergir o trabalho
comprometido com a evangelização. Cheguei inclusive a trabalhar um período no
escritório paroquial, onde, na pequena biblioteca, pude encontrar alguns
volumes dos “Documentos da Igreja”, de modo especial os “Documentos de Pio
XII”. Em meio ao trabalho, podia, por exemplo, anotar trechos da Mediator
Dei 27, destacando: “É verdade que os sacramentos e o sacrifício do
altar têm uma intrínseca virtude enquanto são ações do próprio Cristo que
comunica e difunde a graça da Cabeça divina nos membros corpo místico”. E
enquanto atendia os paroquianos, fazia as anotações e apontamentos dos
documentos do grande Papa Pacelli.
Mas
dois anos depois, subitamente, o então pároco ligou-me para dizer que ele seria
transferido para a periferia de São Paulo, e que as coisas iriam mudar. De
fato, informaram-me que o novo pároco tinha não apenas o estilo, mas o
pensamento diferente do anterior. Uma das catequistas me advertira: “As coisas
tem de ser do seu modo, e não tem jeito!” Sem sequer usar o clergyman, e com o foco no social,
desentendeu-se de cara com o casal que trabalhava no escritório paroquial e não
titubeou em demitir os dois, marido e mulher, para mostrar que com ele as
coisas funcionavam assim: ou faz as coisas do jeito dele, ou então, não serve.
E não tardou para que seu estilo “rolo compressor” fizesse também do jornal
paroquial a sua vítima. Incomodado com a metodologia e a linha editorial
adotada, alguns meses depois, nos chamou para uma reunião com o conselho
paroquial, e foi implacável: “Não quero mais!” E ponto final. Foi assim que o
jornal “Comunidade São Bento”, até então o meu ganha-pão na cidade, sofreu esse
revés. Ao que socorreu-me um padre norte-americano, presidente de uma instituição
educativa no Município, mas residente no Rio de Janeiro, que viabilizou a
sustentação daquele periódico comunitário por mais algum tempo. Dez anos se
passaram daquele doloroso episódio, ao que, na época, uma catequista ressaltou:
“Deu para ver como as coisas funcionam agora? Ou faz do jeito dele ou está
fora, entende? Você viu o que aconteceu com a Ana Paula e o Marquinho? E agora,
o que você vai fazer? Vai embora?
De
fato, o pároco anterior havia me dito: “as coisas vão mudar!” Contudo,
permaneci na cidade até hoje, e permaneci Catequista, mas a Ana Paula e o
Marquinho tiveram mesmo que ir embora.
Eles conseguiram assumir os postos, em tática gramsciana
Decorridos
exatos dez anos, logo após a reunião em que o vigário refutou a minha
recomendação das aulas do Padre Paulo Ricardo, a mesma catequista voltou a
dizer:
— O
nosso sentimento é de impotência, imobilização, acuamento. É isso! Estamos
sitiados. O que ocorre é que nós que amamos a Igreja, a Tradição e o
Magistério, estamos na base da base, sujeitos aos progressistas, que ocuparam
os postos de comando e hoje ditam o que querem, e pronto. Os que buscam manter
a Tradição Viva são cuspidos para fora. E aí sim prevalece o burocratismo, a
pastoral da manutenção, a instrumentalização e a ideologização da Igreja para
fins meramente assistencialistas. Mas você viu o que ele disse: a Igreja
“dele” é a de 50 anos para cá, e à “anterior”, de dois mil anos, referiu-se
como “coisas velhas e ultrapassadas”. Os que defendem a Tradição de dois mil
anos é que são cismáticos, e não eles, com a nova teologia populista, a
“teologia do povo”. Eles conseguiram assumir os postos, em tática gramsciana, e agora fazem do modernismo,
“a síntese de todas as heresias”, como definiu São Pio X, como o que
vale. É fato.
E respondi:
— Sim. Mas ao contrário de muitos que evadiram-se,
ainda me mantenho catequista, mesmo sabendo da angústia e o desamparo de boa
parte do rebanho católico. Não evadi, pois sou um batizado. Nosso Senhor
prometeu proteção à Igreja, à Igreja santa! Não existe isso de “esta” ou
“aquela” Igreja, mas a Igreja é uma só: a de Jesus Cristo, “que comunica e
difunde a graça da Cabeça divina nos membros corpo místico”, lembrando a Mediator
Dei. Ele é a Cabeça, e nós os membros. Ele é a Videira. Queremos estar
enxertados na Videira, mesmo que aparentemente estejamos em minoria.
E com
isso, descemos a rua da Igreja matriz, em meio à noite escura, mas sabendo que
acima de nós, as estrelas feitas por Deus permanecem fixas no firmamento.
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(*) Hermes Rodrigues Nery é Catequista na Paróquia São
Bento.
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